sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Fome

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Por João Paulo Guerra

AS REPORTAGENS mais ou menos dramáticas que começam a encher páginas de jornais e revistas com o retrato de um país de miséria e fome – este país, o País da Fome, chama-lhe esta semana a revista Visão – não retratam ainda resultados da presente crise nem da próxima austeridade.

Reflectem, isso sim, efeitos de uma política seguida nas últimas décadas. Mas, muito particularmente, reproduzem consequências da política do Governo actual: o poder de compra dos salários e das pensões degradou-se, o desemprego acelerou, o número de pessoas com trabalho em risco de pobreza explodiu, a percentagem de crianças pobres no conjunto da população escolar disparou, a desigualdade impôs-se como regra ao longo dos mandatos do governo de um partido que se chama socialista.

Já não há termos de comparação com outras situações em democracia mas lá chegaremos - a tempos mais dolorosos que os da fome em Setúbal nos anos 80 - não tanto por efeito da crise mas por consequência da cura decidida pelo Governo PS apoiado à bengala do PSD. Como chegaremos, muito provavelmente, aos tempos da penúria salazarista. Esta semana, o primeiro nevão do Outono trouxe notícias de milhares de crianças privadas de ir às aulas, porque não tinham transporte para escolas longínquas das suas residências, uma vez que as escolas mais próximas fecharam. A diferença é apenas que nos tempos negros da ditadura as crianças percorriam aqueles caminhos a pé e descalças. Mas também não sabemos se com a austeridade sobrará dinheiro para a gasolina da camioneta da Câmara e mesmo para os sapatos.

Começa a ser urgente que o Governo promova um lauto almoço de trabalho com os parceiros do costume para discutir, na hora dos fumos e dos néctares raros, o problema da fome em Portugal.
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«DE« de 3 Dez 10