Por Antunes Ferreira
DE QUANDO EM VEZ, surgem coisas que nos fazem bem ao ego, o que é difícil para quem está mergulhado numa crise, desde a batalha de São Mamede, mas que, hoje, parece ter-se agravado. Se não concordam – e têm todo o direito a afirmá-lo, os crimes de opinião tiveram a época deles que felizmente já não existe – aqui se registam as afirmações de António Serrano.
Muito bem, e quem é esse senhor?, perguntará o leitor menos atento ou mais desconfiado. Apesar de ser quase desconhecido, é o ministro da Agricultura, do Desenvolvimento e das Pescas. O título do membro do Governo é um tanto longo, mas é assim mesmo. Se se disser abreviadamente que é o ministro da Agricultura, falta-se à verdade.
Posto isto, o governante, na sessão de abertura da conferência internacional «Wines of Portugal» a decorrer no Porto, afirmou que as exportações de vinho deverão atingir este ano um valor recorde de 600 milhões de euros. Ou seja, alterou-se substancialmente a propaganda da ditadura salazarista, que em 1935 afirmava que beber vinho era dar de comer a um milhão de Portugueses. O que é excelente.
Perante uma plateia constituída por 200 conferencistas estrangeiros ligados ao sector, desde jornalistas a enólogos, passando por escanções e importadores, o ministro apresentou o vinho como «um exemplo» na agricultura portuguesa, «um sector primeiro e não apenas primário, na ultrapassagem da crise que vivemos». Abreviando: o vinho ao poder.
É sobejamente conhecido o fado cantado em primeira mão pela grande Amália e interpretado hoje pela também grande Marisa. Mas, para quem não seja muito destas coisas das vielas e das violas, aqui se registam uns passos da canção em causa. Isto apenas para demonstrar que, nos dias que vão correndo, há que desconfiar de tudo e de todos, a começar por nós próprios. É triste, mas é a vida.
«Oiça lá ó senhor vinho,
vai responder-me, mas com franqueza:
porque é que tira toda a firmeza
a quem encontra no seu caminho?
Lá por beber um copinho a mais
até pessoas pacatas,
amigo vinho, em desalinho
vossa mercê faz andar de gatas!
É mau procedimento
e há intenção naquilo que faz.
Entra-se em desequilíbrio,
não há equilíbrio que seja capaz.
As leis da Física falham
e a vertical de qualquer lugar
oscila sem se deter
e deixa de ser perpendicular».
O inquirido, sentindo-se ofendido com a pergunta e as considerações dela decorrentes, responde que
«… E só faço mal a quem
me julga ninguém
e faz pouco de mim.
Quem me trata como água
é ofensa, pago-a!
Eu cá sou assim.
E terminam as coplas:
«Vossa mercê tem razão
e é ingratidão
falar mal do vinho.
E a provar o que digo
vamos, meu amigo,
a mais um copinho!»
Fico-me por aqui. Sendo assim, viva o mosto! Que, pelos vistos, sublimando-se, nos ajudará a sair da malfadada crise. Parece pois que longes vão os tempos em que se dizia «o vinho é que induca, o fado é que instroi».
DE QUANDO EM VEZ, surgem coisas que nos fazem bem ao ego, o que é difícil para quem está mergulhado numa crise, desde a batalha de São Mamede, mas que, hoje, parece ter-se agravado. Se não concordam – e têm todo o direito a afirmá-lo, os crimes de opinião tiveram a época deles que felizmente já não existe – aqui se registam as afirmações de António Serrano.
Muito bem, e quem é esse senhor?, perguntará o leitor menos atento ou mais desconfiado. Apesar de ser quase desconhecido, é o ministro da Agricultura, do Desenvolvimento e das Pescas. O título do membro do Governo é um tanto longo, mas é assim mesmo. Se se disser abreviadamente que é o ministro da Agricultura, falta-se à verdade.
Posto isto, o governante, na sessão de abertura da conferência internacional «Wines of Portugal» a decorrer no Porto, afirmou que as exportações de vinho deverão atingir este ano um valor recorde de 600 milhões de euros. Ou seja, alterou-se substancialmente a propaganda da ditadura salazarista, que em 1935 afirmava que beber vinho era dar de comer a um milhão de Portugueses. O que é excelente.
Perante uma plateia constituída por 200 conferencistas estrangeiros ligados ao sector, desde jornalistas a enólogos, passando por escanções e importadores, o ministro apresentou o vinho como «um exemplo» na agricultura portuguesa, «um sector primeiro e não apenas primário, na ultrapassagem da crise que vivemos». Abreviando: o vinho ao poder.
É sobejamente conhecido o fado cantado em primeira mão pela grande Amália e interpretado hoje pela também grande Marisa. Mas, para quem não seja muito destas coisas das vielas e das violas, aqui se registam uns passos da canção em causa. Isto apenas para demonstrar que, nos dias que vão correndo, há que desconfiar de tudo e de todos, a começar por nós próprios. É triste, mas é a vida.
«Oiça lá ó senhor vinho,
vai responder-me, mas com franqueza:
porque é que tira toda a firmeza
a quem encontra no seu caminho?
Lá por beber um copinho a mais
até pessoas pacatas,
amigo vinho, em desalinho
vossa mercê faz andar de gatas!
É mau procedimento
e há intenção naquilo que faz.
Entra-se em desequilíbrio,
não há equilíbrio que seja capaz.
As leis da Física falham
e a vertical de qualquer lugar
oscila sem se deter
e deixa de ser perpendicular».
O inquirido, sentindo-se ofendido com a pergunta e as considerações dela decorrentes, responde que
«… E só faço mal a quem
me julga ninguém
e faz pouco de mim.
Quem me trata como água
é ofensa, pago-a!
Eu cá sou assim.
E terminam as coplas:
«Vossa mercê tem razão
e é ingratidão
falar mal do vinho.
E a provar o que digo
vamos, meu amigo,
a mais um copinho!»
Fico-me por aqui. Sendo assim, viva o mosto! Que, pelos vistos, sublimando-se, nos ajudará a sair da malfadada crise. Parece pois que longes vão os tempos em que se dizia «o vinho é que induca, o fado é que instroi».