quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

A consciência manipulada

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Por Baptista-Bastos

O CASO (noticiado pelo DN) das reformas, privilégios, regalias, mordomias, prebendas retirados a ex-administradores do BCP promove a indignação daqueles que, embora sabendo-o, não possuíam a verdadeira extensão do escândalo. Porque de escândalo se trata. Os particularismos do "mercado" criaram novas visões do mundo e desviaram, do seu sentido verdadeiro, padrões e valores que fundamentaram o essencial das nossas sociedades. Parece que tudo é permitido e, pior, admitido como normalidade o que constitui aberração e indecência.

O modelo saído da globalização trouxe inesperadas formas de violência, vulgarizou-as, simplificou-as, através de uma bem urdida manipulação das consciências que propunha a relatividade e o anacronismo dos valores até então vigentes. Quase nenhuma força política se opôs a esta ideologia da exclusão. A grande aventura do espírito humano, que se criou e desenvolveu com as contribuições dos esforços partilhados e das experiências culturais variadas e diferentes, parece ter entrado num denso período crepuscular - de que apenas tiram proveito os "escolhidos" e os "eleitos".

E quem são estes? Que sinais distintivos os definem e notabilizam? Pouco ou nada diferem de todos nós. No entanto, a medida das suas intenções e a capacidade de metamorfose que revelam, além da sua quase inverosímil habilitação para a mentira e para a dissimulação, tornam-os os vencedores do momento. O "domínio da presença" manifesta-se, sem equívoco, como demonstração de força e de poder.

Porém, essa força e esse poder são ilusórios, por momentâneos. Eles não têm uma fortíssima crença em si mesmos. As fragilidades e temores emergem logo que as suas actividades são postas em causa. Não só é relevante o caso de Jardim Gonçalves, o todo-poderoso banqueiro dos vencimentos faraónicos, dos jactos particulares, dos não sei-quantos guarda-costas; significativo tem sido o aluir das aparências, quando a mentira é desmascarada e a pequenez do mentiroso é exposta.

O nosso desenvolvimento moral também depende muito da exemplaridade das relações entre pessoas e instituições. Há muito que perdemos a confiança nas estruturas e nas organizações do sistema. A cedência à tentação da irresponsabilidade nasceu na crença da impunidade dos prevaricadores. Cabe à educação, à Imprensa, à sociedade a tarefa de reabilitar o espírito público.

Este episódio não põe fim às desigualdades afrontosas, mas pode iluminar as obscuridades arrogantes. E, eventualmente, despertar as consciências para a revelação de que, afinal, tudo isto anda ligado, sendo a disjunção privado e público a pura hipótese de uma mistificação.

«DN» de 27 Jan 10

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