Por Alice Vieira
ESCREVER A CRÓNICA DE HOJE é uma coisa estranha, porque estou a escrevê-la em 2009, mas quando a lerem já estamos em 2010 - e sinto-me assim naquela terra de ninguém que são sempre as vésperas dos anos novos.
E ponho no leitor de CD’s músicas piegas, porque hoje tudo é permitido, e encho-me de aznavours e domenicos modugnos e coisas do tempo em que o tempo demorava muito tempo a passar, não era como agora em que as horas têm cada vez menos minutos e os minutos menos segundos.
E de repente voltam-me à cabeça as imagens do almoço de ontem, daqueles almoços anuais de gente que anda perdida mas que, quando toca a reunir, não falta: e eu no meio dos meus velhos camaradas de trabalho do “Diário de Notícias”, mais de trinta, da redacção, do laboratório, da revisão, da contabilidade, da preparação, do arquivo, palavras que se calhar hoje já nem se usam, mas que foram a nossa casa comum durante anos e anos.
E tal como as músicas no leitor de CD’s continuam piegas, este texto também o vai ser, e ridículo, evidentemente, como todas as cartas de amor desde Fernando Pessoa.
Não sei o que os novos jornalistas entendem hoje por “amor à camisola”, “espírito de corpo” e outras expressões igualmente em vias de extinção. Não sei se serão capazes de imaginar um jornal onde havia pessoas — e não máquinas. Pessoas que berravam, barafustavam, insultavam, davam murros na mesa — mas que eram um corpo só, capaz de enfrentar, como um corpo só, tudo o que viesse. Pessoas de todas as ideologias (num tempo em que isso ainda estava quente…) mas que gostavam verdadeiramente umas das outras. Pessoas que não eram apenas jornalistas mas gente de todos os sectores, incluindo motoristas e contínuos. Nós todos éramos o “Diário de Notícias”.
É evidente que esta é uma geração que acabou. Nunca haverá outra igual. Uma geração de gente que esteve no “Diário de Notícias” uma vida inteira e não apenas meia dúzia de anos (ou de meses, que isto agora é tudo efémero...).
Hoje os tempos são outros, a maneira de fazer jornais é outra, as relações entre as pessoas é outra.
E nestes últimas horas de 2009, quando é da praxe desejarmos felicidades aos nossos amigos, eu só desejo às novas gerações de jornalistas que um dia, já reformados, possam reunir, todos os anos, mais de trinta velhos camaradas das suas redacções e terem, como nós, tanta coisa, para lá das notícias, a recordar em conjunto.
(Uma palavra só para o nosso velho chefe de redacção, que por doença não pôde estar connosco: chefe Pires, eu sei que lhe demos um trabalhão dos diabos, mas todos bebemos à sua saúde, e todos concordámos que foi consigo que aprendemos tudo.)
Repito: foi uma geração que acabou.
Mas sinto um orgulho enorme em lhe ter pertencido.
ESCREVER A CRÓNICA DE HOJE é uma coisa estranha, porque estou a escrevê-la em 2009, mas quando a lerem já estamos em 2010 - e sinto-me assim naquela terra de ninguém que são sempre as vésperas dos anos novos.
E ponho no leitor de CD’s músicas piegas, porque hoje tudo é permitido, e encho-me de aznavours e domenicos modugnos e coisas do tempo em que o tempo demorava muito tempo a passar, não era como agora em que as horas têm cada vez menos minutos e os minutos menos segundos.
E de repente voltam-me à cabeça as imagens do almoço de ontem, daqueles almoços anuais de gente que anda perdida mas que, quando toca a reunir, não falta: e eu no meio dos meus velhos camaradas de trabalho do “Diário de Notícias”, mais de trinta, da redacção, do laboratório, da revisão, da contabilidade, da preparação, do arquivo, palavras que se calhar hoje já nem se usam, mas que foram a nossa casa comum durante anos e anos.
E tal como as músicas no leitor de CD’s continuam piegas, este texto também o vai ser, e ridículo, evidentemente, como todas as cartas de amor desde Fernando Pessoa.
Não sei o que os novos jornalistas entendem hoje por “amor à camisola”, “espírito de corpo” e outras expressões igualmente em vias de extinção. Não sei se serão capazes de imaginar um jornal onde havia pessoas — e não máquinas. Pessoas que berravam, barafustavam, insultavam, davam murros na mesa — mas que eram um corpo só, capaz de enfrentar, como um corpo só, tudo o que viesse. Pessoas de todas as ideologias (num tempo em que isso ainda estava quente…) mas que gostavam verdadeiramente umas das outras. Pessoas que não eram apenas jornalistas mas gente de todos os sectores, incluindo motoristas e contínuos. Nós todos éramos o “Diário de Notícias”.
É evidente que esta é uma geração que acabou. Nunca haverá outra igual. Uma geração de gente que esteve no “Diário de Notícias” uma vida inteira e não apenas meia dúzia de anos (ou de meses, que isto agora é tudo efémero...).
Hoje os tempos são outros, a maneira de fazer jornais é outra, as relações entre as pessoas é outra.
E nestes últimas horas de 2009, quando é da praxe desejarmos felicidades aos nossos amigos, eu só desejo às novas gerações de jornalistas que um dia, já reformados, possam reunir, todos os anos, mais de trinta velhos camaradas das suas redacções e terem, como nós, tanta coisa, para lá das notícias, a recordar em conjunto.
(Uma palavra só para o nosso velho chefe de redacção, que por doença não pôde estar connosco: chefe Pires, eu sei que lhe demos um trabalhão dos diabos, mas todos bebemos à sua saúde, e todos concordámos que foi consigo que aprendemos tudo.)
Repito: foi uma geração que acabou.
Mas sinto um orgulho enorme em lhe ter pertencido.
«JN» de 2 Jan 10