Por Nuno Crato
UM DIA DE INVERNO, ao fim da tarde, fazia já escuro, passava eu com o meu pai pela rua de Arroios e um grupo de operários, à porta de uma oficina, abordou-nos: «Faz favor, diz-nos as horas?». Ergui o pulso, orgulhoso com o meu novo relógio, a que dava corda religiosamente, todas as noites, e disse-lhes. «São quase sete!». Imagino que estivessem à espera de transporte e lembro-me que estava contente por ter sido útil. Devia ter os meus oito ou nove anos.
Continuámos pela rua e deixámos para trás os operários. «Reparaste quantos homens ali estavam?», perguntou-me o meu pai, «Uns 15 ou 20. E nenhum deles tinha relógio. Nenhum deles tem dinheiro para comprar um relógio.»
Na altura um relógio era um instrumento caro. Muitos dos meus colegas na escola não o possuíam. Era um presente que as famílias que o podiam fazer davam aos jovens quando eles passavam a primária, ou mesmo mais tarde. Ia já no meu segundo ou terceiro emprego quando me lembro de ter quebrado um relógio, ter atravessado a rua e comprado outro. Surpreendi-me com o à-vontade. Anos antes seria preciso ser-se rico para comprar um relógio assim, do outro lado da rua, num impulso. Hoje, muitos jovens mudam de relógio num impulso ainda mais ligeiro, só porque estão fartos da cor da pulseira e porque apareceu um novo modelo, cheio de desenhos psicadélicos.
O que tornou possível esta revolução nos preços foi um avanço tecnológico que perfez agora 40 anos: o quartzo. Com efeito, foi em 1969, que a Seiko, no Japão, e a Hamilton Watch, nos Estados Unidos, apresentaram os seus primeiros modelos de relógios de quartzo de pulso, e foi nos primeiros meses de 1970 que esses novos instrumentos chegaram aos mercados mundiais. A princípio, a grande novidade era não se ter de dar a corda ao relógio todos os dias; depois, foi a fiabilidade; finalmente, foi a incrível descida dos preços. Foi um progresso vertiginoso, que é descrito em pormenor na monumental obra de David S. Landes, A Revolução no Tempo, acabada de sair entre nós. Vale a pena ler de uma ponta a outra essa fascinante referência, que nos mostra como a medida do tempo tem mudado as nossas vidas.
Para completar a história do quartzo, é preciso recuar mais de um século, até 1880, quando os irmãos Jacques e Pierre Curie, este último futuro marido da famosa madame Curie, descobriram um comportamento estranho nos cristais de quartzo e noutros do mesmo tipo (hemiédrico). Submetidos a pressão, esses cristais desenvolvem cargas eléctricas de sinais contrários nos seus extremos; submetidos a uma carga eléctrica, deformam-se. É o chamado efeito piezoeléctrico.
A vibração dos cristais é muito precisa, de tal forma que, iniciando-a e mantendo-a com uma pequena carga eléctrica, o quartzo reage e gera um sinal eléctrico que funciona como oscilador e regulador do tempo. O princípio é o mesmo do de um pêndulo que bate os segundos num relógio de parede ou de uma mola que oscila nos relógios mecânicos mais pequenos. Só que os osciladores de quartzo são muito mais precisos e permitem por isso uma fiabilidade muito maior. Antigamente, os relógios mecânicos usuais atrasavam-se ou adiantavam-se cerca de um segundo por dia. Hoje, os vulgares relógios de quartzo mantêm um erro muito inferior a um segundo por ano. E são mais baratos. Felizmente, quando hoje me perguntam as horas na rua, não é por falta de dinheiro para comprar um relógio.
«Passeio Aleatório» - «Expresso» de 9 Jan 10
UM DIA DE INVERNO, ao fim da tarde, fazia já escuro, passava eu com o meu pai pela rua de Arroios e um grupo de operários, à porta de uma oficina, abordou-nos: «Faz favor, diz-nos as horas?». Ergui o pulso, orgulhoso com o meu novo relógio, a que dava corda religiosamente, todas as noites, e disse-lhes. «São quase sete!». Imagino que estivessem à espera de transporte e lembro-me que estava contente por ter sido útil. Devia ter os meus oito ou nove anos.
Continuámos pela rua e deixámos para trás os operários. «Reparaste quantos homens ali estavam?», perguntou-me o meu pai, «Uns 15 ou 20. E nenhum deles tinha relógio. Nenhum deles tem dinheiro para comprar um relógio.»
Na altura um relógio era um instrumento caro. Muitos dos meus colegas na escola não o possuíam. Era um presente que as famílias que o podiam fazer davam aos jovens quando eles passavam a primária, ou mesmo mais tarde. Ia já no meu segundo ou terceiro emprego quando me lembro de ter quebrado um relógio, ter atravessado a rua e comprado outro. Surpreendi-me com o à-vontade. Anos antes seria preciso ser-se rico para comprar um relógio assim, do outro lado da rua, num impulso. Hoje, muitos jovens mudam de relógio num impulso ainda mais ligeiro, só porque estão fartos da cor da pulseira e porque apareceu um novo modelo, cheio de desenhos psicadélicos.
O que tornou possível esta revolução nos preços foi um avanço tecnológico que perfez agora 40 anos: o quartzo. Com efeito, foi em 1969, que a Seiko, no Japão, e a Hamilton Watch, nos Estados Unidos, apresentaram os seus primeiros modelos de relógios de quartzo de pulso, e foi nos primeiros meses de 1970 que esses novos instrumentos chegaram aos mercados mundiais. A princípio, a grande novidade era não se ter de dar a corda ao relógio todos os dias; depois, foi a fiabilidade; finalmente, foi a incrível descida dos preços. Foi um progresso vertiginoso, que é descrito em pormenor na monumental obra de David S. Landes, A Revolução no Tempo, acabada de sair entre nós. Vale a pena ler de uma ponta a outra essa fascinante referência, que nos mostra como a medida do tempo tem mudado as nossas vidas.
Para completar a história do quartzo, é preciso recuar mais de um século, até 1880, quando os irmãos Jacques e Pierre Curie, este último futuro marido da famosa madame Curie, descobriram um comportamento estranho nos cristais de quartzo e noutros do mesmo tipo (hemiédrico). Submetidos a pressão, esses cristais desenvolvem cargas eléctricas de sinais contrários nos seus extremos; submetidos a uma carga eléctrica, deformam-se. É o chamado efeito piezoeléctrico.
A vibração dos cristais é muito precisa, de tal forma que, iniciando-a e mantendo-a com uma pequena carga eléctrica, o quartzo reage e gera um sinal eléctrico que funciona como oscilador e regulador do tempo. O princípio é o mesmo do de um pêndulo que bate os segundos num relógio de parede ou de uma mola que oscila nos relógios mecânicos mais pequenos. Só que os osciladores de quartzo são muito mais precisos e permitem por isso uma fiabilidade muito maior. Antigamente, os relógios mecânicos usuais atrasavam-se ou adiantavam-se cerca de um segundo por dia. Hoje, os vulgares relógios de quartzo mantêm um erro muito inferior a um segundo por ano. E são mais baratos. Felizmente, quando hoje me perguntam as horas na rua, não é por falta de dinheiro para comprar um relógio.