terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

O nível do mar

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Por Nuno Crato

IMAGINE-SE NA PRAIA, olhando as ondas rolarem na areia e pensando que a maré subiu mais que o costume. Subiu mesmo? Como poderá sabê-lo? Vai colocar uma marca no local mais elevado onde o mar molhou a areia? Mas o mar avançou até esse ponto porque houve uma onda mais alta. E se amanhã o mar estiver completamente calmo, a maré poderá atingir um nível mais elevado e a onda mais alta ficar aquém da de hoje; ou não?

Medir o nível das águas não é fácil, pois é preciso filtrar o efeito das ondas. É preciso filtrar o ruído, como se diz em estatística. Para isso foram inventados marégrafos. O marégrafo marítimo mais antigo e ainda em funcionamento que no nosso país é o de Cascais. É um casinhoto em forma de guarita, junto à fortaleza, já quase na Marina. Pode ser visitado, mas é preciso falar com a Câmara, que organiza visitas guiadas ao seu interior.

Esse marégrafo, como outros do mesmo tipo, tem uma bóia colocada num poço em contacto com as águas da baía. O poço é um tubo que mergulha pelo mar, de forma que as ondas são amortecidas e o nível da bóia sofre pouco com o seu movimento. A bóia está suspensa por um cabo em contacto com um sistema mecânico. Esse sistema transmite o movimento a uma caneta que marca num papel a altura das águas. O papel roda sobre um tambor e vai registando as variações da maré. O resultado, apesar de oscilações pequenas das ondas, são registos suaves que mostram com grande precisão a altura das águas ao longo das horas, dos dias e dos anos. É complicado, mas todos estes registos permitem estimar os níveis médios das águas do mar e ver a sua evolução ao longo das décadas. As águas estão a subir ligeiramente, conclui-se.

Se esta conclusão necessita de registos históricos de instrumentos complexos, mais difícil ainda é extrapolar estas subidas de décadas para o horizonte de séculos e milénios. Será que a subida que estamos a observar é apenas o equivalente a uma onda mais alta que atingiu a areia e não revela nenhuma tendência séria?

O problema tem sido muito discutido, pois o aumento do nível das águas pode ser catastrófico — salga as águas subterrâneas, prejudica a agricultura, aumenta o nível de inundações provocadas pelas chuvas e acelera a destruição da costa. Mas é difícil extrapolar de uma subida em Cascais, ou noutro ponto costeiro, para uma subida global, provocada pelo volume de água nos oceanos. Esta depende da massa de gelos polares, que por sua vez deriva das temperaturas globais no planeta.

Esta semana chegaram dados novos. Não de Cascais, mas de Israel. A geóloga Dorit Sivan e a sua equipa estudaram uma série de achados arqueológicos costeiros e com eles estimaram os níveis do mar ao longo de 2500 anos. As suas estimativas apontam para variações muito mais amplas que as registadas nas últimas décadas. No período helenístico, estavam metro e meio abaixo do nível actual. Mas poucos séculos depois, no período romano, tinham subido ao nível de hoje. Baixaram em seguida e continuaram a baixar até que há cerca de 500 anos começaram a subir, por vezes com períodos de subida acelerada, ao ritmo de um centímetro por ano. Dorit Sivan conclui que a subida actual não tem nada de característico de que se possa inferir uma tendência à subida. Foi apenas uma onda mais alta que chegou à praia. Será?

«Passeio Aleatório» - «Expresso» de 6 Fev 10