Por Maria Filomena Mónica
NÃO VOU COMENTAR os artigos que os Prof. Doutores José Alberto de Azeredo Lopes e Maria Estrela Serrano, doutorados pela Universidade Católica do Porto e pelo ISCTE, escreveram, a propósito do anunciado encerramento do programa de Marcelo Rebelo de Sousa e do texto que, sobre tal assunto, aqui publiquei. O leitor teve acesso directo ao que povoa aquelas cabeças.
Para o caso de não se ter apercebido suficientemente do que se tratava, esclareço: a coberto da defesa do «pluralismo ideológico», a ERC pretende intervir na programação da TV estatal, de forma a favorecer o governo do dia. Apesar dos seus doutoramentos – abstenho-me de dizer o que quer que seja sobre a qualidade das instituições que os concederam – não penso que estes indivíduos tenham o prestígio suficiente para estar à frente de uma entidade que exige uma cultura geral invulgar, uma elevada capacidade intelectual e uma independência política à prova de bala.
Ao escrever o meu artigo – já o segundo, visto, em tempos, o ter feito quando Marcelo foi saneado da TVI - nunca pensei que estava a tocar num ninho de víboras, mas foi isso que aconteceu. Ao longo das várias décadas em que tenho vindo a público a fim de expor as minhas opiniões, jamais recebi telefonemas como os que, desta vez, me chegaram. Excluindo a hipótese de os jornalistas que me contactaram estarem todos bêbados, alguém – e não estou a acusar a ERC, porque não tenho provas – andou pelas redacções a espalhar boatos. Não julguem que me intimidam. Na presunção de que existirão sempre órgãos que possam exibir vozes dissidentes, continuarei a dizer o que penso.
Por ter ficado deprimida com o incidente, dei comigo a reflectir sobre se haveria algum organismo, em Portugal, pelo qual nutrisse o mínimo de respeito. Descobri o Tribunal de Contas, uma instituição que, segundo me é dado julgar, tem exercido competentemente o seu papel de vigilante das contas do Estado. Antes que me perguntem se alguma ligação familiar existe entre mim e Guilherme Oliveira Martins, respondo, desde já, pela negativa. Encontrei-o nalguns colóquios, durante os quais trocámos, quando muito, uma dezena de palavras. Quem o tenha visto na TV, poderá concluir que tão pouco é pelo seu carisma que o vou louvar. Faço-o pela isenção que tem demonstrado no exercício do cargo.
É verdade que, às vezes, a função faz o homem, mas este também faz a função. Quando foi nomeado Presidente do Tribunal de Contas, Guilherme de Oliveira Martins, que descende de um historiador que escreveu livros tão geniais quanto Portugal Contemporâneo e outros tão medíocres quanto A Vida de Nun´Álvares, foi olhado com desconfiança, por, em vários momentos, ter sido ministro de governos dirigidos por António Guterres. A presunção era a de que, estando próximo dos socialistas, não exerceria o cargo com independência. Até eu o imaginei.
Enganava-me. Basta ver o que, no relatório sobre 2008, se publica. O Tribunal de Contas não valida – o que é grave – o défice apresentado na Conta Geral do Estado. Não contente com isso, afirma que a contabilização das receitas do Estado não cumpre os requisitos legais; que a Segurança Social cometeu «erros significativos» na classificação das receitas e das despesas; que a contribuição de serviço rodoviário criada para financiar as Estradas de Portugal não foi devidamente orçamentada; que existem deficiências na afectação do IVA; que há falta de transparência na passagem de dinheiros do Fundo de Estabilização da Segurança Social por off-shores; que a Inspecção Geral de Finanças detectou irregularidades no crédito bonificado; que há incoerências no valor da receita cobrada por alienação de bens do Estado; que o aval do Estado ao empréstimo de 450 milhões de euros contraído pelo BPP junto de outros bancos não cumpriu os requisitos exigidos por lei e até que o governo autorizou indevidamente um subsídio de 9 milhões de euros à Fundação Ricardo Espírito Santo. Deste enredo, retiro duas conclusões: a primeira, a de que não importa tanto a forma como se é nomeado, mas quem se escolhe para a função; a segunda, a de que o Tribunal de Contas é a única oposição que existe em Portugal.
«i» de 1 Fev 10
NÃO VOU COMENTAR os artigos que os Prof. Doutores José Alberto de Azeredo Lopes e Maria Estrela Serrano, doutorados pela Universidade Católica do Porto e pelo ISCTE, escreveram, a propósito do anunciado encerramento do programa de Marcelo Rebelo de Sousa e do texto que, sobre tal assunto, aqui publiquei. O leitor teve acesso directo ao que povoa aquelas cabeças.
Para o caso de não se ter apercebido suficientemente do que se tratava, esclareço: a coberto da defesa do «pluralismo ideológico», a ERC pretende intervir na programação da TV estatal, de forma a favorecer o governo do dia. Apesar dos seus doutoramentos – abstenho-me de dizer o que quer que seja sobre a qualidade das instituições que os concederam – não penso que estes indivíduos tenham o prestígio suficiente para estar à frente de uma entidade que exige uma cultura geral invulgar, uma elevada capacidade intelectual e uma independência política à prova de bala.
Ao escrever o meu artigo – já o segundo, visto, em tempos, o ter feito quando Marcelo foi saneado da TVI - nunca pensei que estava a tocar num ninho de víboras, mas foi isso que aconteceu. Ao longo das várias décadas em que tenho vindo a público a fim de expor as minhas opiniões, jamais recebi telefonemas como os que, desta vez, me chegaram. Excluindo a hipótese de os jornalistas que me contactaram estarem todos bêbados, alguém – e não estou a acusar a ERC, porque não tenho provas – andou pelas redacções a espalhar boatos. Não julguem que me intimidam. Na presunção de que existirão sempre órgãos que possam exibir vozes dissidentes, continuarei a dizer o que penso.
Por ter ficado deprimida com o incidente, dei comigo a reflectir sobre se haveria algum organismo, em Portugal, pelo qual nutrisse o mínimo de respeito. Descobri o Tribunal de Contas, uma instituição que, segundo me é dado julgar, tem exercido competentemente o seu papel de vigilante das contas do Estado. Antes que me perguntem se alguma ligação familiar existe entre mim e Guilherme Oliveira Martins, respondo, desde já, pela negativa. Encontrei-o nalguns colóquios, durante os quais trocámos, quando muito, uma dezena de palavras. Quem o tenha visto na TV, poderá concluir que tão pouco é pelo seu carisma que o vou louvar. Faço-o pela isenção que tem demonstrado no exercício do cargo.
É verdade que, às vezes, a função faz o homem, mas este também faz a função. Quando foi nomeado Presidente do Tribunal de Contas, Guilherme de Oliveira Martins, que descende de um historiador que escreveu livros tão geniais quanto Portugal Contemporâneo e outros tão medíocres quanto A Vida de Nun´Álvares, foi olhado com desconfiança, por, em vários momentos, ter sido ministro de governos dirigidos por António Guterres. A presunção era a de que, estando próximo dos socialistas, não exerceria o cargo com independência. Até eu o imaginei.
Enganava-me. Basta ver o que, no relatório sobre 2008, se publica. O Tribunal de Contas não valida – o que é grave – o défice apresentado na Conta Geral do Estado. Não contente com isso, afirma que a contabilização das receitas do Estado não cumpre os requisitos legais; que a Segurança Social cometeu «erros significativos» na classificação das receitas e das despesas; que a contribuição de serviço rodoviário criada para financiar as Estradas de Portugal não foi devidamente orçamentada; que existem deficiências na afectação do IVA; que há falta de transparência na passagem de dinheiros do Fundo de Estabilização da Segurança Social por off-shores; que a Inspecção Geral de Finanças detectou irregularidades no crédito bonificado; que há incoerências no valor da receita cobrada por alienação de bens do Estado; que o aval do Estado ao empréstimo de 450 milhões de euros contraído pelo BPP junto de outros bancos não cumpriu os requisitos exigidos por lei e até que o governo autorizou indevidamente um subsídio de 9 milhões de euros à Fundação Ricardo Espírito Santo. Deste enredo, retiro duas conclusões: a primeira, a de que não importa tanto a forma como se é nomeado, mas quem se escolhe para a função; a segunda, a de que o Tribunal de Contas é a única oposição que existe em Portugal.