Por Baptista-Bastos
TONY BLAIR, ex-primeiro-ministro de Inglaterra, "socialista", católico recém-converso, actual conselheiro de empresas e conferencista de temas vários, fez declarações inquietantes, a uma comissão de inquérito, sobre as suas responsabilidades na Guerra do Iraque. Há muito, perdera a dignidade; restava-lhe, acaso a tivesse, um mínimo de decência. "Faria tudo outra vez", disse, sem que a cara se lhe transformasse em sal podre. Ante o assombro dos inquiridores confessou: em nenhuma circunstância da sua vida, posterior à invasão de Bagdad, "houve arrependimento, nem desculpas, nem remorsos".
Sabe-se: a política deixou de ser pedagogia, para se converter em malícia, omissão e mentira. Neste caso, como em muitos outros, deixa atrás de si um caudal de morte, de destruição, de horror e de ressentimento. Quando da Cimeira dos Açores, em 2003, na qual Durão Barroso foi o mordomo jovial e adulador de Bush, de Blair e de Aznar, os dados estavam lançados e as informações adquiridas. O diplomata sueco Hans Blix, chefe da missão das Nações Unidas, procurara, em vão, durante 2002, as "armas de destruição maciça" de que Saddam teria posse. As advertências de Blix, para travar o inevitável, chegaram a ser excruciantes. Mas o monumental embuste fora montado com cínica minúcia e calculada eficácia. Os senhores da guerra e os seus catecúmenos berravam com tal amplidão que abafavam as vozes da sensatez e do acerto. A lista daqueles que, em Portugal, alinharam na infâmia, só não é patética porque excessivamente abominável.
Perante a tragédia no Iraque, com o lúgubre desfile de crimes contra a Humanidade, de sórdidos negócios de que o ex-secretário de Defesa Donald Rumsfeld é um dos beneficiários (está relacionado com empresas de construção, a actuar em Bagdad), pode alguém, e ainda por cima católico, como Blair, manifestar ausência de arrependimento, sendo um dos responsáveis da carnificina? A inversão de valores parece ter encontrado, no comportamento de muitos políticos, a verdadeira natureza dos seus objectivos. Desejam tornar conversíveis para a "normalidade" o que, ainda não há muito tempo, era entendido como desonestidade e vileza. Blair e seus cúmplices são culpados não somente do que acontece de medonho no Iraque como, também, de manipulação emocional e intelectual de milhões de pessoas.
As coisas vão perpassando, as afirmações de arrogância sucedem-se, a soberba das decisões chega a ser afrontosa porque resulta na miséria moral em que o mundo se afunda - e ninguém é apontado à execração, poucos combatem a hegemonia da desigualdade e da injustiça. Entretanto, os assassinos andam por aí.
«DN» de 3 Fev 10
TONY BLAIR, ex-primeiro-ministro de Inglaterra, "socialista", católico recém-converso, actual conselheiro de empresas e conferencista de temas vários, fez declarações inquietantes, a uma comissão de inquérito, sobre as suas responsabilidades na Guerra do Iraque. Há muito, perdera a dignidade; restava-lhe, acaso a tivesse, um mínimo de decência. "Faria tudo outra vez", disse, sem que a cara se lhe transformasse em sal podre. Ante o assombro dos inquiridores confessou: em nenhuma circunstância da sua vida, posterior à invasão de Bagdad, "houve arrependimento, nem desculpas, nem remorsos".
Sabe-se: a política deixou de ser pedagogia, para se converter em malícia, omissão e mentira. Neste caso, como em muitos outros, deixa atrás de si um caudal de morte, de destruição, de horror e de ressentimento. Quando da Cimeira dos Açores, em 2003, na qual Durão Barroso foi o mordomo jovial e adulador de Bush, de Blair e de Aznar, os dados estavam lançados e as informações adquiridas. O diplomata sueco Hans Blix, chefe da missão das Nações Unidas, procurara, em vão, durante 2002, as "armas de destruição maciça" de que Saddam teria posse. As advertências de Blix, para travar o inevitável, chegaram a ser excruciantes. Mas o monumental embuste fora montado com cínica minúcia e calculada eficácia. Os senhores da guerra e os seus catecúmenos berravam com tal amplidão que abafavam as vozes da sensatez e do acerto. A lista daqueles que, em Portugal, alinharam na infâmia, só não é patética porque excessivamente abominável.
Perante a tragédia no Iraque, com o lúgubre desfile de crimes contra a Humanidade, de sórdidos negócios de que o ex-secretário de Defesa Donald Rumsfeld é um dos beneficiários (está relacionado com empresas de construção, a actuar em Bagdad), pode alguém, e ainda por cima católico, como Blair, manifestar ausência de arrependimento, sendo um dos responsáveis da carnificina? A inversão de valores parece ter encontrado, no comportamento de muitos políticos, a verdadeira natureza dos seus objectivos. Desejam tornar conversíveis para a "normalidade" o que, ainda não há muito tempo, era entendido como desonestidade e vileza. Blair e seus cúmplices são culpados não somente do que acontece de medonho no Iraque como, também, de manipulação emocional e intelectual de milhões de pessoas.
As coisas vão perpassando, as afirmações de arrogância sucedem-se, a soberba das decisões chega a ser afrontosa porque resulta na miséria moral em que o mundo se afunda - e ninguém é apontado à execração, poucos combatem a hegemonia da desigualdade e da injustiça. Entretanto, os assassinos andam por aí.
«DN» de 3 Fev 10