Por João Paulo Guerra
QUASE CAI O GOVERNO, rolam umas tantas cabeças, desvendam-se mais uns quantos ‘boys' e respectivas sinecuras, atinge-se a credibilidade de um dos maiores potentados económicos e financeiros do país na questão central da participação do Estado, chega-se ao financiamento dos partidos e das campanhas eleitorais, aos pagamentos por baixo do balcão e para cima do ‘offshore', atinge-se mesmo um dos fundamentos essenciais da democracia, a liberdade de expressão e de imprensa. E tudo isto assente em escutas telefónicas a suspeitos negócios de sucatas. Pode então tirar-se uma conclusão perturbante: a democracia tem os pés na sucata, assim como cada vez mais democratas têm as mãos nas massas. Ou será que a democracia foi para a sucata?
Já o Eduardo Guerra Carneiro escrevia, em 1970, que "Isto anda tudo ligado". Mas talvez nem o bom do Eduardo vislumbrasse ao longe quão imbricada se tornaria - quatro décadas e um regime depois - a sociedade portuguesa, toda ela tecida na base de interesses, poder e dinheiro, de tal maneira que puxando por um fio se desenrola toda uma teia.
E depois, como é velho timbre de uma sociedade farisaica, enrola-se o novelo que vai para o fundo do baú e acabou-se a conversa. "Está tudo bem assim e não podia ser de outra maneira", pregava o velho Botas ou, como se dizia na versão refundida do salazarismo: "Reina a ordem em todo o país". A quantidade de autos, inquéritos, demandas, buscas, escutas, relatórios, devassas, sindicâncias, processos que vão, improcedentes, para o fundo dos arquivos mortos constitui um lastro de tal peso que, um dia, a situação vai ao fundo. Não tem nada que saber: será quando os actuais situacionistas começarem a mudar de ares.
«DE» de 22 Fev 10
Já viram o que dá mexer num negócio de sucatas em Portugal?
QUASE CAI O GOVERNO, rolam umas tantas cabeças, desvendam-se mais uns quantos ‘boys' e respectivas sinecuras, atinge-se a credibilidade de um dos maiores potentados económicos e financeiros do país na questão central da participação do Estado, chega-se ao financiamento dos partidos e das campanhas eleitorais, aos pagamentos por baixo do balcão e para cima do ‘offshore', atinge-se mesmo um dos fundamentos essenciais da democracia, a liberdade de expressão e de imprensa. E tudo isto assente em escutas telefónicas a suspeitos negócios de sucatas. Pode então tirar-se uma conclusão perturbante: a democracia tem os pés na sucata, assim como cada vez mais democratas têm as mãos nas massas. Ou será que a democracia foi para a sucata?
Já o Eduardo Guerra Carneiro escrevia, em 1970, que "Isto anda tudo ligado". Mas talvez nem o bom do Eduardo vislumbrasse ao longe quão imbricada se tornaria - quatro décadas e um regime depois - a sociedade portuguesa, toda ela tecida na base de interesses, poder e dinheiro, de tal maneira que puxando por um fio se desenrola toda uma teia.
E depois, como é velho timbre de uma sociedade farisaica, enrola-se o novelo que vai para o fundo do baú e acabou-se a conversa. "Está tudo bem assim e não podia ser de outra maneira", pregava o velho Botas ou, como se dizia na versão refundida do salazarismo: "Reina a ordem em todo o país". A quantidade de autos, inquéritos, demandas, buscas, escutas, relatórios, devassas, sindicâncias, processos que vão, improcedentes, para o fundo dos arquivos mortos constitui um lastro de tal peso que, um dia, a situação vai ao fundo. Não tem nada que saber: será quando os actuais situacionistas começarem a mudar de ares.
«DE» de 22 Fev 10