terça-feira, 3 de março de 2009

Acesso livre

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Por Nuno Crato
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APESAR DE OS MEIOS DIGITAIS e a Internet terem introduzido novas soluções, a transmissão de informação na ciência continua a ter por base um processo inventado há cerca de 250 anos, quando apareceram as primeiras revistas científicas. O sistema generalizou-se e diversificou-se, tornando-se uma autêntica indústria.
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Ao se falar de revistas científicas fala-se hoje, acima de tudo, nas revistas internacionais, que publicam resultados novos e que seguem um sistema de garantia de qualidade conhecido como “peer review” ou “referee” — o que se pode traduzir por revisão ou arbitragem pelos pares. Os artigos submetidos a uma revista são primeiramente revistos por outros especialistas, convidados pelos directores, que dão a sua opinião tanto quanto possível independente, fazendo uma crítica impiedosa aos erros e imprecisões dos trabalhos e verificando se os resultados são de facto novos e estão sustentados por observações, experiências ou demonstrações feitas com rigor. Para maximizar a independência, os revisores não são conhecidos dos autores (“blind review”), e muitas vezes não os conhecem, pois é-lhes apenas fornecido um texto anónimo (“double blind referee”).
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Os revisores fazem habitualmente sugestões e os directores decidem, caso a caso, se devem aceitar os artigos tal como estão (o que é raro), se devem enviá-los para os autores, para estes os reverem de acordo com as sugestões dos revisores, ou se os devem simplesmente rejeitar. As melhores revistas têm taxas de rejeição muito altas, rondando por vezes os 90% ou mais. Os artigos revistos são resubmetidos e todo o processo pode demorar anos.
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Nos últimos 15 anos, tudo se simplificou. As revistas adoptaram sistemas electrónicos de gestão das submissões e revisões. E quase todas complementaram o tradicional papel com uma edição na Internet. Para aceder a esses artigos, no entanto, é necessária uma assinatura digital da revista, que pode ser custosa.
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Mais recentemente, surgiu um movimento a favor da publicação aberta. Os artigos deveriam ter acesso livre (“open access”), pois isso seria favorável ao desenvolvimento da ciência. As editoras e sociedades proprietárias das revistas não estão de acordo, naturalmente, pois sem as receitas das vendas e das assinaturas electrónicas não poderiam subsistir. O debate está aberto.
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Num artigo acabado de publicar na “Science”, dois académicos de Chicago (323, p. 1025) estudaram o problema, analisando uma amostra de 26 milhões de artigos, e chegaram a algumas conclusões interessantes. Como é natural, quando as revistas passaram a estar disponíveis electronicamente, os artigos nelas contidos passaram a ser mais lidos e mais citados. Mas, não muito; apenas cerca de 10%. Também ao contrário do que seria de esperar, quando o acesso electrónico é pago, o uso sobe mais (12%) do que quando o acesso é livre (8%). Parece que os cientistas, tal com muita gente, valorizam mais o que é pago do que o que lhes é oferecido.
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Há uma excepção, contudo. Nos países menos desenvolvidos, onde mesmo as universidades têm dificuldade em fazer assinaturas electrónicas das revistas, os artigos disponíveis gratuitamente são muito mais usados que os outros. No cômputo global, esta vantagem pode aparecer diluída, mas não deixa de revelar um aspecto muito positivo do acesso livre na difusão do conhecimento científico.

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«Passeio Aleatório» - «Expresso» de 28 de Fevereiro de 2009
NOTA: Este texto é uma extensão do que está publicado no 'Sorumbático' [aqui], onde eventuais comentários deverão ser afixados.