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A REVISTA “NATURE” desta semana revela uma história de sucesso: a procura e recolha de fragmentos de um meteoro caído há poucos meses no deserto do Sudão. Falámos já aqui, em 11 de Outubro passado, sobre a descoberta e queda desse meteoro, que recebeu o nome pouco atraente de 2008TC3.
A história é excepcional desde a primeira hora. Dia 6 de Outubro, às 6h 39min (TUC), um telescópio no Arizona detectou um ponto muito ténue movendo-se contra o fundo estelar. A detecção de um corpo tão pequeno e que reflectia tão pouca luz equivaleu, como depois explicaram os astrónomos, à descoberta de um homem vestido de negro, viajando pelo espaço para lá da Lua.
Verificou-se que o objecto iria atingir a Terra dentro de 20 horas. O alarme foi lançado e, 16 horas depois, às 22h 28min, nas Canárias, consegui-se medir melhor a sua luminosidade e estimar o seu tamanho. Não havia motivos para alarme; tratava-se de um pedregulho que certamente se iria desfazer em contacto com a atmosfera.
O movimento do pequeno asteróide era tão rápido e os cálculos foram tão precisos que se conseguiu calcular com rigor a sua órbita. Soube-se que iria cair sobre o deserto do Sudão e espalhou-se a notícia, esperando que alguém observasse a queda. Às 2h 45min do dia seguinte o satélite Meteosat-8 registou nuvens quentes de poeira no local em que o objecto atingiu a atmosfera terrestre. Na mesma altura, um piloto da KLM voando sobre o Chade diminuiu a luminosidade da cabina e perscrutou o horizonte. Notou, à distância, alguns breves rastos luminosos. Uma fotografia feita uma hora depois registou ainda rastos de nuvens semelhantes aos deixados pelos jactos comerciais quando passam alto no céu.
Esta sequência de factos é, só por si, excepcional. Foi a primeira vez que a queda de um objecto interplanetário foi prevista e verificada. Foi um sucesso da ciência e da técnica que, ainda há poucos anos, seria impossível. A possibilidade de observar potenciais ameaças vindas do espaço — naturalmente objectos maiores que o pedregulho que desta vez nos atingiu — já não é apenas ficção.
A história, contudo, não termina aqui. Depois de encontrar uma agulha no palheiro celeste, o desafio seria encontrar fragmentos do pequeno asteróide sobre a Terra — uma agulha no palheiro do deserto.
O pequeno asteróide ou meteoróide, desfeito pelo atrito da atmosfera, transformou-se em pequenos blocos que geraram traços luminosos característicos de estrelas cadentes, os chamados meteoros. Os pedaços maiores devem ter gerado rastos muito intensos, por vezes chamados bolas de fogo. Tratando-se de um objecto de dimensões apreciáveis, muitos dos seus destroços deveriam ter sobrevivido e poderiam ser encontrados os correspondentes meteoritos sobre o solo.
Em Dezembro, Peter Jenniskens, um astrónomo do Instituto SETI, na Califórnia, foi ao Chade e ao Sudão e organizou, com a Universidade de Khartoum, uma pesquisa sistemática. Caminhando lado a lado, separados de 20 metros entre si, cinco dezenas de pessoas percorreram o deserto. Em três meses de pesquisa conseguiram recuperar cerca de 280 meteoritos.
É a primeira vez que se faz a conexão entre um objecto visualizado no espaço e os seus fragmentos sobre o solo. Tudo isto pode ter passado despercebido nos noticiários. Mas é uma notícia histórica.
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«Passeio Aleatório» - «Expresso» de 28 de Março de 2009 (adapt.)
NOTA: Este texto é uma extensão do que está publicado no 'Sorumbático' [aqui], onde eventuais comentários deverão ser afixados.