sábado, 7 de março de 2009

Parlamentar para lamentar

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Por Antunes Ferreira
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BANDALHO! Entre outros insultos este terá sido o que mais burburinho causou no hemiciclo de São Bento, quinta-feira. O autor foi o deputado do Partido Social Democrata, José Eduardo Martins, e os mimos tiveram como alvo Afonso Candal que faz parte do Grupo Partido Socialista. Uma cena parlamentar que, para mim, melhor se caracteriza como para lamentar.
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O representante social-democrata, que já fora Secretário de Estado nos Governos presididos por Durão Barroso (XV) e Santana Lopes (XVI), reconheceu que tinha errado e prejudicado essencialmente a sua bancada e o debate. Pelo que pediu desculpas aos restantes pares – menos ao que o provocara, no seu entender. Por isso quanto ao deputado Afonso Candal, afirmou que «com franqueza não retiro nada do que disse». E acrescentou em declarações à Comunicação Social «Não é qualquer um que pretende insultar-me, ainda que o faça com a manha que o fez, porque eu não sou de meias tintas».
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Ora muito bem. A Assembleia da I República registou inúmeros episódios como este. Em variadíssimos casos, com uma terminologia ainda pior. Tribunos houve que usaram o insulto como arma de arremesso frequente. Um exemplo, apenas: Brito Camacho. Mas, muitos outros. A Assembleia Nacional do Estado Novo foi muito diferente. A moral, os bons costumes e os desígnios mais elevados ao serviço da Pátria conduziram a uma linguagem suave, moderada, subtil, idílica.
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Enquanto as sessões primo republicanas eram aliciantes, frementes, até mesmo empolgantes, as da Velha Senhora eram medíocres, insossas, entediantes. A herança para o Parlamento de hoje é, portanto, complexa. Quais terão sido as sequelas de um e do outro sistema? A esgrima atacante da Primeira República ou o gamão sonífero da Velha Senhora? A ousadia ou o marasmo?
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Neste actual São Bento ainda há quem recorde o cerco feito por trabalhadores e a discriminação concomitante dos deputados, consoante as cores partidárias. O dedo comunista apontado a todos os que não representavam o Partido pode ter sido um exemplo significativo do que teria sido uma vitória do leninismo/estalinismo em Portugal. Há mesmo quem considere que foi uma vacina para os que pensavam que o País fosse uma nova Cuba.
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Aliás, o episódio é ainda recordado quando se refere a figura estranha do almirante Pinheiro de Azevedo e o sonoro badamerda que proferiu durante a ocorrência. Isso é uma das alíneas mais conhecidas do folclore revolucionário entre nós. O PREC sem esse tipo de Cóias não teria tido a piada que teve.
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Agora, o caricato incidente que decorreu no hemiciclo legislador traz de novo à superfície aquilo que nós somos. Encaixamos coisas que ninguém poderia imaginar. Engolimos sapos vivíssimos da costa, como diria o meu Amigo Augusto Ferreira do Amaral. Intrigamos com mestria, dando de barato que é habilidade inata. E, sobretudo, assobiamos para disfarçar. Nisso, somos especialistas. E desenrascados.
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É por isso que o desbocado deputado laranja interpretou um episódio que soube a reprise do Parlamento da Primeira República, mas que ultrapassou a modorra da Assembleia Nacional. Sem curar de culpas, só por isso, o nome de José Eduardo Martins ficará nos anais de São Bento. A má educação tem um preço; mas, por vezes, dá a eternidade a quem a pratica.
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NOTA: Este texto é uma extensão do que está publicado no 'Sorumbático' [aqui], onde eventuais comentários deverão ser afixados.