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Por Alice Vieira
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VIVEMOS NO PAÍS do logo-se-vê. Do pode-ser-que. Do em-princípio. Do se-tudo-correr-bem.
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A dificuldade que temos em tomar decisões já quase se tornou característica nacional. É qualquer coisa que deve estar nos genes.
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Diante de qualquer problema dizer “é assim, é assim, pronto, vamos a isso” - é frase que os portugueses nem sabem como se pronuncia.
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E essa capacidade de ser rápido e eficaz - tipo “o que tem de se fazer que se faça depressa” - reflecte-se nas coisas (aparentemente) banais do dia a dia.
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Por exemplo: já repararam na dificuldade que as pessoas têm em pôr fim a uma simples conversa telefónica?
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“Adeus, adeus, beijinhos, sim, eu depois ligo, tá bem, adeus, sim, não me esqueço, sim, em princípio eu vou, beijinhos, então vá, pronto, tudo bem, adeus, adeus, beijinhos, vá, tá bem, sim..”— são capazes de ficar naquilo horas seguidas!
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Será tão difícil tomar a decisão de desligar depois de um honesto “então adeus” ou qualquer outra variante do mesmo género?
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Uma amiga minha esteve quase um mês zangada comigo porque, segundo ela, eu lhe tinha desligado o telefone na cara, coisa que evidentemente ela não admitia a ninguém.
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Tudo porque eu pensava que receber três doses de “beijinhos, beijinhos” era mais do que suficiente para uma despedida calorosa q.b.
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Pelos vistos não era.
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Nunca é.
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Ontem fui embalada ao telemóvel pelas palavras de despedida de uma vizinha o tempo todo que durou a viagem de metro da Baixa-Chiado a S.Sebastião. Sempre que eu me preparava para clicar, lá voltava ela “adeus, até um dia destes, se puder ligo, sim, adeuzinho, boa tarde, adeus, adeus, obrigada, adeus”.
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Tomar decisões , nem que seja a banalidade de desligar um telefone, é trabalho demasiado hercúleo para os nossos pobres ombros.
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Por essas e por outras é que eu venho desde há muito tempo a divulgar por todos os meios ao meu alcance aquela extraordinária canção dos “Deolinda”, chamada “Movimento Perpétuo Associativo” em que, depois de um incitamento revolucionário às massas para que tome uma atitude (“agora sim, temos a força toda/ agora sim, há pernas para andar”) lá vem, em contraponto, o desfiar de todos os habituais impedimentos desta terra do logo-se-vê: “agora não, que é hora do almoço”, “agora não, que me dói a barriga”, “agora não, porque joga o Benfica”, “agora não, porque falta um impresso”, “agora não, que há engarrafamento”, etc, etc, etc…
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Há sempre uma justificação para prolongar todos os “agora não” do nosso fado.
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«JN» de 28 de Março de 2009
Por Alice Vieira
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VIVEMOS NO PAÍS do logo-se-vê. Do pode-ser-que. Do em-princípio. Do se-tudo-correr-bem.
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A dificuldade que temos em tomar decisões já quase se tornou característica nacional. É qualquer coisa que deve estar nos genes.
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Diante de qualquer problema dizer “é assim, é assim, pronto, vamos a isso” - é frase que os portugueses nem sabem como se pronuncia.
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E essa capacidade de ser rápido e eficaz - tipo “o que tem de se fazer que se faça depressa” - reflecte-se nas coisas (aparentemente) banais do dia a dia.
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Por exemplo: já repararam na dificuldade que as pessoas têm em pôr fim a uma simples conversa telefónica?
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“Adeus, adeus, beijinhos, sim, eu depois ligo, tá bem, adeus, sim, não me esqueço, sim, em princípio eu vou, beijinhos, então vá, pronto, tudo bem, adeus, adeus, beijinhos, vá, tá bem, sim..”— são capazes de ficar naquilo horas seguidas!
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Será tão difícil tomar a decisão de desligar depois de um honesto “então adeus” ou qualquer outra variante do mesmo género?
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Uma amiga minha esteve quase um mês zangada comigo porque, segundo ela, eu lhe tinha desligado o telefone na cara, coisa que evidentemente ela não admitia a ninguém.
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Tudo porque eu pensava que receber três doses de “beijinhos, beijinhos” era mais do que suficiente para uma despedida calorosa q.b.
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Pelos vistos não era.
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Nunca é.
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Ontem fui embalada ao telemóvel pelas palavras de despedida de uma vizinha o tempo todo que durou a viagem de metro da Baixa-Chiado a S.Sebastião. Sempre que eu me preparava para clicar, lá voltava ela “adeus, até um dia destes, se puder ligo, sim, adeuzinho, boa tarde, adeus, adeus, obrigada, adeus”.
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Tomar decisões , nem que seja a banalidade de desligar um telefone, é trabalho demasiado hercúleo para os nossos pobres ombros.
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Por essas e por outras é que eu venho desde há muito tempo a divulgar por todos os meios ao meu alcance aquela extraordinária canção dos “Deolinda”, chamada “Movimento Perpétuo Associativo” em que, depois de um incitamento revolucionário às massas para que tome uma atitude (“agora sim, temos a força toda/ agora sim, há pernas para andar”) lá vem, em contraponto, o desfiar de todos os habituais impedimentos desta terra do logo-se-vê: “agora não, que é hora do almoço”, “agora não, que me dói a barriga”, “agora não, porque joga o Benfica”, “agora não, porque falta um impresso”, “agora não, que há engarrafamento”, etc, etc, etc…
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Há sempre uma justificação para prolongar todos os “agora não” do nosso fado.
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«JN» de 28 de Março de 2009
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NOTA: Este texto é uma extensão do que está publicado no 'Sorumbático' [aqui], onde eventuais comentários deverão ser afixados.