domingo, 22 de março de 2009

No palco da cidade

.
Por Nuno Brederode Santos
.
TRÊS ELEIÇÕES de dimensão nacional: eis o que nos espera para o ano em curso.
.
Num primeiro relance, o que é, logo à partida, preocupante são uns cadernos eleitorais, ao que se lê, enxameados de mortos e ausentes e, por isso, geradores de taxas de abstenção certamente enganosas e provavelmente alarmistas, que ocultam a exacta medida do fenómeno. Nos processos mais recentes e já com os resultados oficialmente proclamados, todos pudemos assistir à vozearia dos observadores, mas a coisa não durou mais do que o decoro exigia. Intenções dos vencedores, estados de alma dos vencidos, tácticas de sobrevivência e novidades nas políticas, nos cargos e nas nomeações, tudo isto fez o ruído maior que abafou o eco dos queixumes em torno da abstenção. Aqui reside – se é que não jaz – o principal. Porque o resto, que desespera uns tantos e galvaniza outros, apenas exprime a vontade popular. São os resultados e é para o seu apuramento que as eleições se fazem. Os ainda muitos que, como eu, não tiveram eleições livres até (praticamente) aos trinta anos, dificilmente se cansam do direito de votar – desde que já como direito o vissem no tempo em que não podiam exercê-lo. Confiemos que, não por essa experiência passada, mas por zelo, interesse e aposta no futuro, os mais jovens procedam igualmente. No que a mim envolve – porque não quero envolver ninguém nestas frivolidades que amamento - até diria que não aceito ser privado do lado vivaz e lúdico que as eleições também comportam e que os trinta e três anos decorridos não fizeram, nem farão, adormecer.
.
Mas esta bem-aventurança não vem só. Traz consigo ónus e espinhos que já todos vamos conhecendo. Três campanhas que antevemos ruidosas e obsessivamente mediatizadas, apostadas em manobras ínvias (de diversão ou dilatórias), palavras irrevogáveis e gestos rancorosos, farão o caldo de cultura para que se abra a úlcera no mais pacato e fleumático cidadão (ele próprio já chocalhado por convicções, anseios e interesses, cuja conciliação raramente é linear). Sirvam de exemplo as já marcadas europeias. Os exércitos, de esquerda e de direita, a que eufemisticamente chamamos eurocépticos – e que mais necessitariam da campanha para explicar a Europa por que querem que nos batamos em Bruxelas – fazem abertamente a pedagogia segundo a qual a utilidade dessas eleições é protestar contra as políticas internas e prefaciar vitórias nas que se seguem. Os exércitos ditos pró-europeus estão cem por cento empenhados numa estimulante e mútua carnificina, o que obviamente também só por razões internas se explica. Enfim, a Europa propriamente dita – seja ela projecto, contingência ou circunstância – será, provavelmente e se a tanto lhe chegar a sorte, um pretexto. Não para comícios, que até são um meio digno que rareia, mas para a arruaça comicieira. E para uns ajustes de contas de viela escura, com navalhas a calar razões. Mas como nada disto é nosso apanágio - se é que há um apanágio nosso - sacudam-se ombros e destrave-se o calendário.
.
De caminho, tocava a fanfarra se resolvêssemos o problema do Provedor de Justiça, um cargo honrado por quantos nele se sentaram. Nascimento Rodrigues incluído. Pena foi o desvario, de atitude e linguagem, com que reagiu ao inexplicável atraso da sua substituição. Sobre isso, mantenho o que já aqui escrevi. É compreensível que haja consultas ou contactos informais entre partidos que assegurem a maioria qualificada necessária. E é óbvio que um deles é sempre o partido que governa, mesmo se o cargo pressupõe independência até do órgão que o elege. Mas este expediente prático, que visa também proteger o elegendo de uma desnecessária exposição pública, não é mais do que isso: um expediente. Ao primeiro sinal de dificuldade consistente, deve a questão ser colocada no seu terreno, que é a Assembleia, onde a Constituição não contempla titulares e reservistas. E onde uma hipotética pretensão do partido no poder em impor um comissário (que não vi, em nenhum dos nomes divulgados) terá de fazer-se à vista da cidade. Mas onde também nenhum partido de oposição poderá reclamar um especial estatuto, majorador da medida dos seus votos. O recato pode ser bom conselheiro, o sigilo raramente o é. E quando o recato falha, mais vale passar logo ao palco público, onde ninguém escapa às suas responsabilidades, do que insistir nas sombras. Que tapam a luz, não a geram.

.
«DN» de 22 de Março de 2009.

NOTA: Este texto é uma extensão do que está publicado no 'Sorumbático' [v. aqui], onde eventuais comentários deverão ser afixados.