sexta-feira, 27 de março de 2009

Crise nos fogos – e no tempo

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Por Antunes Ferreira
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VOLTARAM OS FOGOS – antes do habitual tempo deles. Tudo está mudado e dizem os meteorogistas que as modificações climatéricas têm muito a ver com isso. Por mim, apesar de umas quantas, poucas, dúvidas, acho que têm razão. Num contexto sazonal cada vez mais incongruente, se o que se convencionou serem as estações do ano está subvertido, os incêndios não podiam escapar. E, pelos vistos, não escapam.
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Era regra – mesmo até no domínio das providências governamentais de combate às chamas – haver uma data para o flagelo motivar homens e meios. Mas o homem põe e Deus dispõe, afirma o Povo, baseado na sábia e milenar ciência do dia-a-dia. Não acredito na actuação calamitosa de uma qualquer divindade. Se é que não sabiam – costumo dizer que fui católico, mas curei-me. Deste modo estou.
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Mal seria para a Humanidade que assim fosse. Catástrofes determinadas do alto – sempre me pergunto por que bulas os deuses, sejam eles quais forem, tenham a cor que tenham, o feitio que desejem, a figuração que melhor achem, vivem sempre nas alturas – podiam ser então perfeitamente evitadas através de método dialogal que tivesse sido inventado para o efeito. Uma espécie de linha vermelha entre o pessoal cá de baixo e o lá de cima.
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Já não falo nas discussões que hoje se tornaram triviais, à volta de uma mesa, as mais das vezes suficientemente grande dada a sua finalidade, para contemplar todas as partes interessadas, sem faltas de uma qualquer delas, ou abandonos despropositados. Umas e outros passíveis de justificação? Não senhor. Isto do astro ser mais ou menos ameaçador e, sobretudo, concretizar volta não volta essas suas más disposições, não comporta atestado médico justificativo. Não deve? Não pode.
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Porém, esta aspiração que, a concretizar-se, deveria constar de apólice se seguro contra todos – absolutamente todos – os riscos, o que faria levantar as gentes, neste planeta cada vez menos azul por mor da poluição, para, em uníssono aplaudir o cometimento. Há um bom par de séculos, houve um tal Senhor Morus que se permitiu escrever umas coisas sobre a Utopia. Por mal dos nossos pecados – os meus devem ser muitíssimos – os homens aferram-se ao livro e foi um ar que deu às boas intenções. E à sua transmudação em realidade.
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Restou-nos, assim, marcar uma data para se preparar o combate aos fogos. É óbvio que, antes disso, tornava-se conveniente avisar os soldados e os restantes habitantes sobre a prevenção. Se esta fosse séria e a sério, muitas perdas em vidas e em fazenda poderiam ser evitadas. Apenas uma anotação, de passagem. Nunca fui grande adepto da expressão, que se tornou calina, soldados da paz. Mas, é apenas um gosto pessoal que me permito. Adiante.
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O busilis da questão é que a data se me afigura cada vez mais incerta e prostituída. A abertura da época dos incêncios não é, nunca foi, nem será, semelhante à época da abertura da caça, perdoe-se-me a comparação torpe. Uma coisa é matar chamas, outra bem diferente é abater animais. Nisto, estamos conversados. Os seguidores do Santo Huberto podem reclamar e apostrofar o escriba que eu sou. Não me preocupo; tenho as costas largas.
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Avaliam-se, até essa dead line, os destacamentos de detecção, os de intervenção, as viaturas, os meios aéreos, as comunicações, os procedimentos das autoridades, a coordenação de tudo isto e o mais necessário. Isto é: avaliavam-se. O clima baralhou tudo, incluindo as deslocações das aves migratórias, vejam lá. As andorinhas, as cegonhas, os gansos e outros pássaros andam... despassarados. Um despautério do meteoro.
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Daí que os fogos cheguem, como já estão a chegar, fora das horas previstas, temporãos e desaustinados. Não deveria ser assim. Regras são regras e por consequência devem ser cumpridas. Só que o tempo está-se nas tintas para elas. Daí o Peneda Gerez, Braga, Viana do Castelo, Viseu, Montalegre, Melgaço, Sever do Vouga e mais uns quantos. Preocupações e perdas, por antecipação. A prevenção, portanto, tem de ser, ela sim, regra de cumprimento, imperativa e indiscutível. Raio de crise – até nas chamas...
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