sexta-feira, 6 de março de 2009

Foi para isto?

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Por Maria Filomena Mónica
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FOI PARA ISTO que se fez o 25 de Abril? De tão usada a frase está gasta, mas nunca como agora foi tão adequado inscrevê-la num título. O que mais me alegrou quando os capitães de Abril derrubaram o governo de Marcelo Caetano foi o estabelecimento de um Estado de Direito. Nada e criada sob um regime em que as pessoas apenas podiam ler jornais censurados, não podiam pensar nem escrever livremente, não podiam falar ao telefone sem medo de estarem a ser escutadas pela polícia, exultei. A partir de então, pensei, as liberdades fundamentais estavam garantidas.
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Mas eis que acabo de ter conhecimento que, na sequência do escândalo causado pelo chamado «envelope 9» (respeitante a uma real ou suposta rede pedófila), num só dia, o da data em que a comissão parlamentar visitou a Policia Judiciária, esta andava a «escutar» 1.600 chamadas. Entre 2003 e 2005, realizaram-se 26.000 escutas legais (as ilegais permanecem claro fora de qualquer contabilidade). Como se aquele relatório não bastasse, existem as declarações que o Procurador-Geral da República fez anteontem na Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais de Direitos, Liberdades e Garantias e que resumiu em três palavras: «Não tenho poderes». Se nem ele pode garantir que as suas conversas estão fora das escutas que por aí pululam, incontroláveis, o que se passará connosco?
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No meio da crise económica, da falência do sistema de ensino, do aumento do desemprego, temo que os portugueses se não tenham apercebido da gravidade do que se passa. Portugal é, sei-o há muito, um país sem tradições liberais, mas nada me preparara para o choque destas revelações. Que devemos fazer: conversar em linguagem cifrada?; comunicar à PT que prescindimos do aparelho telefónico?; emigrar? Mesmo se a mais apetecível, a última solução é, no meu caso, tardia, pelo que exijo que alguém - o Presidente da República, o Parlamento, eu sei lá - me assegure que tenho a liberdade de falar ao telefone sem ser espiada. Caso isso não aconteça, a única solução é proibir toda e qualquer escuta, o que causará o desespero da PJ, mas que nos garantirá a nós, cidadãos – e é isso que importa – que podemos falar ao telefone em paz.
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Outubro de 2007
NOTA: Este texto é uma extensão do que está publicado no 'Sorumbático' [aqui], onde eventuais comentários deverão ser afixados.