terça-feira, 17 de março de 2009

Praticando! Praticando! Praticando!

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Por Nuno Crato
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HÁ EM NOVA IORQUE muitos locais famosos dedicados à música. Mas não há nenhum tão venerado e vetusto como Carnegie Hall. Construído em 1891, nele residiram algumas das companhias e orquestras mais famosas do mundo. Tocar nessa imponente sala de espectáculos é, ainda hoje, uma ambição de muitos grandes músicos.
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Conta-se que, um dia, quando Arthur Rubinstein se passeava pela Sétima Avenida, nas redondezas do teatro, foi abordado por um transeunte perdido, que lhe perguntou como se ia para Carnegie Hall. O grande pianista terá respondido “Praticando! Praticando! Praticando!”.
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O dito ficou famoso e tornou-se uma piada predilecta de alguns educadores norte-americanos. Apesar de desaconselhada por algumas correntes pedagógicas hoje antiquadas, que consideram a prática e a memorização como contraproducente, a importância da repetição organizada tem sido reforçada por muitos estudos modernos sobre o funcionamento da mente humana. Henry L. Roediger, um dos psicólogos norte-americanos que mais se têm dedicado à investigação do sucesso das práticas de estudo, esteve esta semana em Portugal e proferiu uma conferência sobre o tema na Universidade de Lisboa.
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Roediger reconhece a importância da prática de memorização repetida. Tem feito estudos experimentais sobre diferentes maneiras de memorizar o vocabulário de uma língua estrangeira e sobre temas de estudo mais complexos em sala de aula.
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Uma das conclusões mais interessantes dos seus estudos é que os conhecimentos ganham em ser recapitulados e reavivados, mesmo quando estão já memorizados ou assimilados. A ideia muito comum de que, uma vez estudados uns assuntos, o estudante deve progredir para outros, sem revisitar as matérias aprendidas, parece ser errónea.
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Alguns psicólogos, nomeadamente David Geary, que também esteve entre nós há algum tempo, corroboram esta ideia e falam em “sobreaprender”, dizendo que os estudantes não devem parar depois de terem assimilado o estritamente necessário de determinada matéria, mas devem prosseguir, estudando mais, de forma a reterem o máximo da própria matéria original.
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Outros psicólogos e estudiosos da cognição, como Nathaniel Lasry (“Science” 320, p. 1720), interpretam estes resultados no quadro das descobertas recentes sobre o carácter activo e adaptável (“labile”) da memória. Ao contrário do que por vezes se pensa, cada vez que um facto é relembrado, a memória transforma-se e reforça-se, recriando-se em novas versões.
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Mas a revelação mais interessante dos estudos apresentados por Roediger é o papel dos testes. Sendo importante que os estudantes sejam capazes de ter uma noção do seu estado de aprendizagem, parece que essa noção é geralmente limitada e dificilmente leva a que os estudantes reforcem o estudo no que mais necessitam.
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A avaliação organizada parece ser um factor determinante na consolidação dos conhecimentos. É importante que o estudante seja avaliado de forma repetida e espaçada. Ao testar os conhecimentos, procede-se a uma recuperação activa da memória, que reforça os conhecimentos. Como diz Roediger “o factor decisivo para a aprendizagem de longo prazo é a introdução de testes” (“Science” 319, p. 967, 2008).
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Estes trabalhos científicos fornecem novos argumentos aos modernos estudiosos de pedagogia. Reforçam o papel da instrução dirigida e põem em causa as velhas recomendações românticas de um estudo puramente autónomo, conduzido ao ritmo do aluno.

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«Passeio Aleatório» - «Expresso» de 14 de Março de 2009