segunda-feira, 25 de maio de 2009

Amor virtual

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Por Alice Vieira
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OS COMPUTADORES E A NET dominam cada vez mais a nossa vida.
E o jeito que nos fazem…
Já se ama e se desama através da net.
Rápido, eficaz e indolor.
Em vez de chorarmos no ombro do homem que nos deixou implorando-lhe que volte, clicamos para o Youtube, escolhemos uma cantiga daquelas que o vão pôr — esperamos…- de rastos, e não pensamos mais no assunto.
Aznavour é óptimo porque tem cantigas para todas as ocasiões e poupa-nos o esforço de arranjarmos palavras nossas.
É claro que há também quem responda aos ataques e se queira defender, deixar-te, eu?, sabes que se não fosse a minha mulher eras tu a mulher da minha vida! Para esses recomenda-se o recurso aos e-cards (convém misteriosamente assiná-los “Alguém”…) : tem muita saída aquele com dois ursinhos de peluche abraçados, e de dentro do peito de ambos explodem dezenas e dezenas de coraçõezinhos vermelhos, tantos que o écran até parece montra de loja de chinês em Dia dos Namorados.
Se não se trata de namorados mas de simples amigos ou familiares, as possibilidades são infinitas.
Nunca mais teremos remorsos por passarmos meses e meses sem falarmos com a tia Carlota, ou com a Prima Felisbela que é tão nossa amiga, coitadinha, mas também tão chata e, se a gente cai em ligar-lhe, acabamos por perder o episódio da “Anatomia de Gray” em que, pela 500ª vez, a Meredith manda o Dr. Sheppard às malvas.
Há uma gama infinita de textos que só querem o nosso bem.
Podemos escolher textos clássicos ou recorrer a autores contemporâneos (e já agora: se escolherem umas imagens de Paris com palavras de Garcia Marquez, pelo menos avisem que aquele texto é uma aldrabice, e que o pobre está careca de explicar que nunca escreveu uma piroseira daquelas).
E há textos muito jeitosos, com música de fundo tipo “El Condor Pása”, ao melhor estilo Rua Augusta, e que explicam o que é um amigo e para que serve.
E ficamos a saber que um amigo é aquela pessoa para quem tu vens sempre em primeiro lugar, para quem podes ligar a qualquer hora da manhã, da tarde, da noite e da madrugada porque está sempre disponível e, viva onde viver, vem a voar se sonha que precisas dele. E então a gente clica e manda aquilo para todos os que estão na nossa lista de contactos, sem esquecer de os separar por vírgulas, e por isso no espaço de segundos todos recebem exactamente o mesmo texto mas não faz mal – e embora a gente não tenha tempo de fazer um simples telefonema para dizer “olá”, garantimos, por interpostas pessoas, que estamos disponíveis para tudo e para todos.
E que, virtualmente, amamos o mundo inteiro.

«JN» de 23 de Maio de 2009

NOTA: Este texto é uma extensão do que está publicado no 'Sorumbático' [aqui], onde eventuais comentários deverão ser afixados.