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Por Maria Filomena Mónica
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HÁ DIAS, UM CONJUNTO de circunstâncias levou-me a pensar que deveria ingressar rapidamente na ordem da Cartuxa, onde, como se sabe, o silêncio é a regra de oiro. Até cheguei a indagar da possibilidade junto de uns amigos que conhecem esta congregação religiosa por dentro, mas eles logo me preveniram que uma das condições, a obediência, se não adequava ao meu temperamento. Perguntar-me-ão o que levou uma ateia como eu a pensar em tal hipótese. A resposta é simples: a poluição sonora crescente das sociedades contemporâneas.
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Raro é o restaurante de luxo onde, enquanto tento almoçar, não tenha que suportar música de fundo; não há sala de espera de clínicos, por mais famosos, onde não seja forçada a conviver com seres, aparentemente civilizados, falando ao telemóvel aos berros; não há jantares com amigos que não sejam interrompidos por um intervalo em que um deles sente a necessidade urgente de enviar um SMS; não há sala de espera VIP de um aeroporto em que não seja forçada a ouvir o bipbipbip dos mails recebidos pelos yuppies que passaram a habitar estes espaços; não há elevador de um prédio elevado que não nos ofereça uma musiquinha pateta: não há serviço, público ou privado, que antes de nos pôr em contacto com quem desejamos falar, não nos obrigue a escutar um disco qualquer; não há lanche de crianças em que se não ouça obrigatoriamente os ringringring dos Nitendos que hoje parecem fazer parte da anatomia infantil.
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Isto se mencionar apenas os meios privilegiados. Descendo na escala social, temos as televisões eternamente ligadas nas tascas, as gritarias das vizinhas que gostam de intrigar à janela, os nininini das máquinas registadores dos hipermercados e os cães encarcerados nos logradouros de Lisboa que passam o dia e a noite a ladrar furiosamente na tentativa de que alguém os salve daquele calvário.
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Se exceptuarmos a sala de leitura da Biblioteca Nacional – e mesmo esta sabe Deus! - o quotidiano moderno está a ser invadido por uma multiplicidade de ruídos que, permanentes, passam contudo desapercebido. Tem-se publicado muitos e desvairados estudos sobre as causas da criminalidade, mas em nenhum deles foi incluído a variável ruído, o que é surpreendente. A actual ASAE tem como fim vigiar a segurança alimentar. Sugiro ao governo que alargue rapidamente o seu âmbito, de forma a que a instituição persiga ainda todos aqueles que, no espaço público, quebrem o silêncio, visto ser este um bem necessário ao nosso bem-estar psíquico.
HÁ DIAS, UM CONJUNTO de circunstâncias levou-me a pensar que deveria ingressar rapidamente na ordem da Cartuxa, onde, como se sabe, o silêncio é a regra de oiro. Até cheguei a indagar da possibilidade junto de uns amigos que conhecem esta congregação religiosa por dentro, mas eles logo me preveniram que uma das condições, a obediência, se não adequava ao meu temperamento. Perguntar-me-ão o que levou uma ateia como eu a pensar em tal hipótese. A resposta é simples: a poluição sonora crescente das sociedades contemporâneas.
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Raro é o restaurante de luxo onde, enquanto tento almoçar, não tenha que suportar música de fundo; não há sala de espera de clínicos, por mais famosos, onde não seja forçada a conviver com seres, aparentemente civilizados, falando ao telemóvel aos berros; não há jantares com amigos que não sejam interrompidos por um intervalo em que um deles sente a necessidade urgente de enviar um SMS; não há sala de espera VIP de um aeroporto em que não seja forçada a ouvir o bipbipbip dos mails recebidos pelos yuppies que passaram a habitar estes espaços; não há elevador de um prédio elevado que não nos ofereça uma musiquinha pateta: não há serviço, público ou privado, que antes de nos pôr em contacto com quem desejamos falar, não nos obrigue a escutar um disco qualquer; não há lanche de crianças em que se não ouça obrigatoriamente os ringringring dos Nitendos que hoje parecem fazer parte da anatomia infantil.
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Isto se mencionar apenas os meios privilegiados. Descendo na escala social, temos as televisões eternamente ligadas nas tascas, as gritarias das vizinhas que gostam de intrigar à janela, os nininini das máquinas registadores dos hipermercados e os cães encarcerados nos logradouros de Lisboa que passam o dia e a noite a ladrar furiosamente na tentativa de que alguém os salve daquele calvário.
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Se exceptuarmos a sala de leitura da Biblioteca Nacional – e mesmo esta sabe Deus! - o quotidiano moderno está a ser invadido por uma multiplicidade de ruídos que, permanentes, passam contudo desapercebido. Tem-se publicado muitos e desvairados estudos sobre as causas da criminalidade, mas em nenhum deles foi incluído a variável ruído, o que é surpreendente. A actual ASAE tem como fim vigiar a segurança alimentar. Sugiro ao governo que alargue rapidamente o seu âmbito, de forma a que a instituição persiga ainda todos aqueles que, no espaço público, quebrem o silêncio, visto ser este um bem necessário ao nosso bem-estar psíquico.
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Dezembro de 2007
Dezembro de 2007
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NOTA: Este texto é uma extensão do que está publicado no 'Sorumbático' [aqui], onde eventuais comentários deverão ser afixados.