sábado, 2 de maio de 2009

Primeiro de Maio engripado... e a política da chapada

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Por Antunes Ferreira
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FOI UM PRIMEIRO DE MAIO ENGRIPADO, um pouco por todo o Mundo. Aqui, neste País encantado, graças, penso, à intercessão do nosso recém-promovido São Nuno (ainda que sem grande entusiasmo da parte do Governo e, singularmente, do Povo) as coisas parecia que iam correr bem. O que infelizmente não aconteceu. Não por causa da gripe, mas sim pela justificação da política da chapada. Isto porque a já famosa gripe A – antes mexicana, ab initio porcina – ainda não atacava. Um caso, um apenas, motivava interrogação. Nestes preparos, nós, os Portugueses, somos uns privilegiados.
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Antes de tudo, temos um Condestável, especialista na trolha aos castellanos, já graduado em Beato, que subiu à corte celestial. Nada mais justo, nada mais salutar. Desde o Bulhões que não nos saía este euromilhões abençoado. Ainda que haja dois pastorinhos prestes a ocupar a poole position, o que se me afigura uma discriminação à irmã Lúcia. Porém, nestas passagens etéreas quem sou eu para comentar, que fui católico, mas curei-me?
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Muito se tem-se comentado por aí a ajuda que o neo-virtuoso recebeu do peixe frito. Mais precisamente do óleo utilizado pela Dona Guilhermina de Castelo de Ourém para a fritura do peixe, cujo nome não foi divulgado, quiçá por ser de menor idade. E da córnea afectada na ocorrência. Umas quantas bocas maldizentes atreveram-me mesmo a dizer que se tratava de glosa ao pela boca morre o peixe. Ingratos, provocadores e acintosos - sempre os houve e sempre os haverá.
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Recordo, neste contexto, a abnegada e piedosa mas determinada actuação do doutor Oliveira Baltazar (ou seria…?) que nos livrou da II Guerra Mundial. Acompanhado, permito-me sublinhar, pela Virgem de Fátima, o que não é, de modo nenhum, despiciendo. Já na Grande, os iconoclastas da I República não foram capazes de o fazer. Claro, até tinham suspeitado das aparições, para não dizer mesmo, negado. Ímpios.
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Não admira, portanto, este facto um tanto singular, de estarmos, pelo menos até hoje, imunes ao pandemónio da pandemia. Somos um Povo e um País singulares e tal como o nosso afilhado Brasil, abençoados por Deus e bonitos por natureza. E solidários no Carnaval, em que estamos por estas bandas em perene comemoração. E não se venha citar o pobretes mas alegretes. Somos o que somos – e pronto. Ponto.
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Esta praga quase mundial, por conseguinte, está a originar consequências impensáveis mas pertinentes. A produção de máscaras anti poluição e anti contaminação subiu em flecha, não havendo já gráfico que a aguente. Os empresários garantem mesmo que a gripe é a primeira medida conseguida e razoável contra a crise. Outras decorrências se puderam constatar, como é o caso do país dos mariachis.
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O puente do Primeiro de Maio correrá até terça-feira, para que o período alargado possa servir de tampão ao contágio e, portanto, à disseminação da doença. Manter-se em casa, durante esses dias é remédio que não se avia nas farmácias e, alem disso, mais barato. A população que saia à rua – e muita terá de ser e certamente foi – deve usar sempre a máscara. Nos países orientais, em que o apetrecho é de uso regular, as pessoas não se admiram. No México resignam-se, mas torcem o nariz.
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Pelos locais em que as comemorações do Dia do Trabalhador são habituais e interventivas, constatou-se que manifes maiores ou «menos grandes», por melhor organizadas que tenham sido, dificilmente venceram a gripe. A balança inclinou-se um tanto para o lado dos miasmas preocupantes. Pode dizer-se que entre o risco do contágio e a vontade dos que trabalham, as coisas penderam para os primeiros. Infelizmente.
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Entre nós, tocou-se outra música, porque era também outra a partitura. CGTP e UGT desfilaram nas ruas, o que é muito pouco vulgar no caso da sedeada na Rua de Buenos Aires. As intervenções centraram-se, nos respectivos comícios – como sempre, separados, tais como as marchas citadinas –, no desemprego e no seu combate. Os números são preocupantes.
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Se os compararmos com os que se registam aqui ao nosso lado, somos, novamente, uns quase felizardos. E mesmo no ranking dos países do euro, pasme-se, não ocupamos a nossa habitual e triste condição de sermos os primeiros… a contar do fim. Fraca consolação, mas, mesmo assim, é melhor que nada. Com o mal dos outros…
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Mas – malditos mas que não desarmam – eis que no Martim Moniz, Vital Moreira (que ali se deslocara para cumprimentar a Intersindical à frente de uma delegação do PS) foi vítima de impropérios, tentativas de agressão e alguma concretização delas. E, espanto dos espantos, perante a declaração dos socialistas de que lhes eram devidas desculpas, Manuel Carvalho da Silva, o longevo chefe máximo daquela Central Sindical, fez declarações.
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Eu vi e ouvi o que ele disse, frente à câmara da SIC. Não me contaram, podia ter acontecido, mas vi e ouvi, repito. Li, depois, que ele lamentara o ocorrido, o que não constatei da reportagem televisiva, mas falou de acto isolado de alguns trabalhadores «em sofrimento e no desemprego». E ainda afirmou que os políticos que estão na base de tais situações, deviam tomar cuidado para que coisas dessas não acontecessem.
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Os cabeças de lista às europeias do PPD e do CDS-PP condenaram o acontecido. Já Jerónimo de Sousa, pela sua parte, não quis fazer comentários «ao que não presenciara». São Tomé não teria dito melhor. Claro que, com tal fogueira, o PS veio responsabilizar a CGTP e o PCP pelo ódio que dirigem contra o partido e, por isso mesmo, pelo que acontecera. Achas e mais achas.
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Vitalino Canas, em conferência de Imprensa no largo do Rato, referiu que Carvalho da Silva «procurou desculpar agressões» e «insinuou que quem deve reflectir sobre estas agressões é o agredido e não o agressor», declarações que considerou serem «absolutamente lamentáveis».
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Ou seja, penso que no Primeiro de Maio à portuguesa, como antes escrevi, até houve a justificação da política da chapada. Não é mau, é péssimo.
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NOTA: Este texto é uma extensão do que está publicado no 'Sorumbático' [v. aqui], onde eventuais comentários deverão ser afixados.