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Por Nuno Brederode Santos
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CONHECI-LHE O VIÇO, o rubor natural e as formas generosas. Não de ser moça, pois bem mais moço era eu. Mas por respirar segurança, convicção, civilidade. Agora, que tão raramente a vejo, está magrinha. Parece que o mundo exterior a aperta e lhe traça, rente à pele, uma fronteira intransponível. Um mundo exterior povoado, não só por políticos, mas por todo o tipo de agentes de intervenção política. Um mundo que, dia após dia, a vai comprimindo mais. É a tolerância, mãe e filha de uma revolução que se fez libertadora e que tantos intolerantes acabam de celebrar. Uma criatura cultural e cívica que se conforma e vai minguando, a cada proclamação veemente de que o acto e a palavra do outro nos são “intoleráveis”. Não receio que se extinga. Desde logo, porque um dos seus mais firmes redutos defensivos está no próprio intolerante, que tem de a usar – e sempre a usa com largueza – para consigo mesmo. Depois, porque na intolerância habita o medo e a impotência: só não tolera quem não consegue impedir. Enfim, porque nem a pior tirania conseguiu a proeza de mergulhar tão fundo na alma de todos os homens. Mas, pese embora a tudo isto, é também certo que se vai tornando difícil aos que a prezam virem a merecer o epitáfio: “viveu entre intolerantes e nem assim conheceu o intolerável”. Porque a última legítima defesa da tolerância continua a residir em não tolerar a intolerância.
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Uma delegação partidária desloca-se ao local da cidade onde se encontra a direcção da maior central sindical portuguesa, no cumprimento da prática recorrente de apresentação de cumprimentos. Consumado o propósito, o seu responsável é atacado, verbal e fisicamente, por alguns manifestantes. O que os próximos dias vão trazer é a deliberada confusão do costume. O sofrimento em que os agressores se encontram. A culpa alheia na escolha da pessoa que encabeça a representação. Os sibilinos propósitos eleitorais da mesma. Etc. Tudo matérias em que devemos recusar liminarmente entrar. A questão é simples e simples devia ficar.
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CONHECI-LHE O VIÇO, o rubor natural e as formas generosas. Não de ser moça, pois bem mais moço era eu. Mas por respirar segurança, convicção, civilidade. Agora, que tão raramente a vejo, está magrinha. Parece que o mundo exterior a aperta e lhe traça, rente à pele, uma fronteira intransponível. Um mundo exterior povoado, não só por políticos, mas por todo o tipo de agentes de intervenção política. Um mundo que, dia após dia, a vai comprimindo mais. É a tolerância, mãe e filha de uma revolução que se fez libertadora e que tantos intolerantes acabam de celebrar. Uma criatura cultural e cívica que se conforma e vai minguando, a cada proclamação veemente de que o acto e a palavra do outro nos são “intoleráveis”. Não receio que se extinga. Desde logo, porque um dos seus mais firmes redutos defensivos está no próprio intolerante, que tem de a usar – e sempre a usa com largueza – para consigo mesmo. Depois, porque na intolerância habita o medo e a impotência: só não tolera quem não consegue impedir. Enfim, porque nem a pior tirania conseguiu a proeza de mergulhar tão fundo na alma de todos os homens. Mas, pese embora a tudo isto, é também certo que se vai tornando difícil aos que a prezam virem a merecer o epitáfio: “viveu entre intolerantes e nem assim conheceu o intolerável”. Porque a última legítima defesa da tolerância continua a residir em não tolerar a intolerância.
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Uma delegação partidária desloca-se ao local da cidade onde se encontra a direcção da maior central sindical portuguesa, no cumprimento da prática recorrente de apresentação de cumprimentos. Consumado o propósito, o seu responsável é atacado, verbal e fisicamente, por alguns manifestantes. O que os próximos dias vão trazer é a deliberada confusão do costume. O sofrimento em que os agressores se encontram. A culpa alheia na escolha da pessoa que encabeça a representação. Os sibilinos propósitos eleitorais da mesma. Etc. Tudo matérias em que devemos recusar liminarmente entrar. A questão é simples e simples devia ficar.
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Quem recebe, respeita. Porque responde pelo que vai na sua própria casa. Sobretudo se esta é emprestada, por se tratar de via pública da Lisboa de tantos mais. Se quem recebe não tem mão na sua própria casa, tenta prevenir eventuais desmandos (que se vão tornando habituais). Se, de todo, os não puder impedir, cabe-lhe uma reparação capaz junto dos ofendidos – representante e representado - o que necessariamente inclui a demonstração mínima de um esforço honesto para que tais factos se não possam repetir. Este dever deve ser cumprido de um modo que tranquilize a cidade, em cujo espaço comum (a via pública) a desordem ocorreu. E o país, cuja serenidade perturbou, para lhe assegurar o carácter anómalo, excepcional e irrepetível de acontecimentos similares.
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Estas obrigações são cívicas (e políticas, portanto). Das jurídicas não cuido aqui, porque para isso existem autoridades com competência específica e os media deram do facto testemunho. Para já não falar dos cidadãos que lá estavam, dos vizinhos à janela, dos imigrantes e dos turistas que passavam. O que importa aqui é não calar que os ofendidos são múltiplos e nenhum deles pode falar pelos outros. O cidadão agredido, o partido representado, a cidade cuja tranquilidade (e cujo espaço) foi perturbada, o país cujos sistema e valores foram postos em causa. E a palavra de reparação compete, antes de mais, a quem recebia e, mesmo que em espaço alheio, era o anfitrião. Porque lhe cabe assegurar as condições necessárias a que nada disto aconteça.
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É óbvio que um outro juízo popular se vai fazer (independentemente até de consequências, tão circunstanciais quanto incertas, nas urnas de um próximo voto – que é onde sempre reside o último juízo político). Pela notória razão de que vem sendo feito, à medida que tão desbragados “precedentes” se acumulam. E esse abraçará o círculo maior da ocorrência, pois levará todos e cada um a reflectirem sobre se querem uma cidade e um país onde possa campear o que politica, cultural e socialmente já tantas vezes recusámos: o incivil, o descortês e o anti-cívico.
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E, se tudo isto for piedoso, não faz mal. Também o sou quando quero.
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Estas obrigações são cívicas (e políticas, portanto). Das jurídicas não cuido aqui, porque para isso existem autoridades com competência específica e os media deram do facto testemunho. Para já não falar dos cidadãos que lá estavam, dos vizinhos à janela, dos imigrantes e dos turistas que passavam. O que importa aqui é não calar que os ofendidos são múltiplos e nenhum deles pode falar pelos outros. O cidadão agredido, o partido representado, a cidade cuja tranquilidade (e cujo espaço) foi perturbada, o país cujos sistema e valores foram postos em causa. E a palavra de reparação compete, antes de mais, a quem recebia e, mesmo que em espaço alheio, era o anfitrião. Porque lhe cabe assegurar as condições necessárias a que nada disto aconteça.
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É óbvio que um outro juízo popular se vai fazer (independentemente até de consequências, tão circunstanciais quanto incertas, nas urnas de um próximo voto – que é onde sempre reside o último juízo político). Pela notória razão de que vem sendo feito, à medida que tão desbragados “precedentes” se acumulam. E esse abraçará o círculo maior da ocorrência, pois levará todos e cada um a reflectirem sobre se querem uma cidade e um país onde possa campear o que politica, cultural e socialmente já tantas vezes recusámos: o incivil, o descortês e o anti-cívico.
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E, se tudo isto for piedoso, não faz mal. Também o sou quando quero.
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«DN» de 3 de Maio de 2009
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NOTA: Este texto é uma extensão do que está publicado no 'Sorumbático' [v. aqui], onde eventuais comentários deverão ser afixados.