Por J.L. Saldanha Sanches
A DISCUSSÃO sobre o bloco central tem esquecido o mais importante: o PS e o PSD só se coligarão se o país se encontrar de novo sob tutela, com um programa de reequilíbrio imposto de fora e em estado de necessidade financeira, tal como sucedeu no tempo de Mário Soares/Mota Pinto.
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A má vontade do PS e do PSD em relação a qualquer possível coligação explícita é uma característica central na nossa cena política. A acrimónia patológica da actual dirigente do PSD para com o primeiro-ministro pode ser doentia, mas tem raízes muito fortes no seu partido.
Contudo, como a própria já reconheceu para desmentir a seguir, naqueles avanços e recuos desastrados que marcam o seu estilo de actuação, essa aversão não impede nada.
Se a Europa sair da crise e Portugal continuar instalado na sua eterna crise com o défice externo sempre a subir, a dívida pública com problemas de refinanciamento e a necessitar de novas e mais radicais reduções da despesa pública, um governo minoritário não pode funcionar.
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O primeiro governo de Cavaco Silva tomou posse imediatamente a seguir ao bloco central ter suportado o odioso da redução do défice externo, dispôs de boas condições financeiras e durou pouco. Da sua existência nada se pode concluir.
O longo governo minoritário de Guterres só se pôde manter no poder com concessões a todos os interesses especiais, sem necessidade de decisões duras que em minoria nunca poderia ter tomado e só durou enquanto foi possível adiar estas decisões. O tal pântano que justificou a sua demissão era a apenas a necessidade de mudar de rumo sem que uma maioria qualquer o permitisse.
Governar em minoria negociando tudo e dando tudo a toda a gente, pressupõe um orçamento confortável com receitas fiscais a subir sem penhoras, nem aumentos de taxa. Na economia nunca se pode prever nada, mas será possível que isso se repita?
Além disso, o pior bloco central, com a sua merecida má reputação - o bloco central dos tráficos de influência e da corrupção – existe para além das coligações políticas e não depende delas. O bloco central governativo depende de uma não-existência da margem de decisão: uma solução única na política que é exigida pela existência de uma solução única na economia.
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As caras da solução podem ser várias: o bloco central não é um casamento, é uma convergência de políticas imposta pela situação de tutela exterior em que os desequilíbrios crónicos das balanças de pagamentos deixam um país: quando começam as negociações para financiamentos de emergência estas têm de ser feitas com uma maioria que possa pôr em prática as medidas desagradáveis que as acompanham.
Por isso o bloco central é o grau zero da política, acompanhado da descrença generalizada na coisa pública e na morte das ideologias: PS e PSD unem-se porque o eleitorado e o estado da economia não foi capaz de escolher e não lhes deixa outra alternativa. Os eleitores não escolhem porque não conseguem confiar em nenhum dos programas e, por isso, nem mesmo afastam o Governo em funções; a sua indecisão conduz a uma solução que lhes repugna e os afasta ainda mais da política.
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Nesse sentido o bloco central é a incapacidade de escolher e de decidir: a crise política a acompanhar a crise económica.
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«Expresso» de 23 de Maio de 2009- http://www.saldanhasanches.pt/
NOTA: Este texto é uma extensão do que está publicado no 'Sorumbático' [v. aqui], onde eventuais comentários deverão ser afixados.