terça-feira, 5 de maio de 2009

Vale a pena estudar matemática?

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Por Nuno Crato
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OS PROFESSORES DE MATEMÁTICA estão habituados a ouvir queixumes dos seus alunos. Um dos mais frequentes é o lamento de que para nada serve o que se está a aprender. O problema não é exclusivamente português, e talvez o que esteja em causa seja outra coisa. Um dos grandes divulgadores contemporâneos da matemática, o britânico Ian Stewart, descreveu a questão de maneira muito incisiva. «Comecei a observar que, habitualmente, quando as pessoas perguntam se algo é necessário, isso acontece porque não se sentem à vontade com o assunto, e têm esperanças de se poderem libertar da tarefa.»
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Estas palavras foram escritas nas Cartas a uma Jovem Matemática, um livro de 2006 que está traduzido pela Relógio D’Água. Nele, Stewart explica-se com a sua habitual energia: «Um estudante que saiba construir demonstrações nunca pergunta para que elas servem. Um estudante que consegue fazer multiplicações de cabeça enquanto faz o pino também nunca pergunta se o cálculo mental é necessário. Quem faz facilmente e com gosto uma determinada actividade não se questiona sobre o seu valor; o gosto é suficiente. Por isso, um estudante que pergunta para que servem as demonstrações está provavelmente com problemas em compreendê-las ou com dificuldade em construí-las.»
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Tudo isto, que é óbvio para qualquer professor experimentado, tem sido, no nosso país como noutros, fonte de confusões. Procuram-se explicações para as dificuldades dos alunos e tomam-se à letra o que são apenas lamentações e pretextos, para os transformar em justificações racionais. A aumentar a confusão, difundiram-se várias ideias pedagógicas antiquadas, inspiradas no que há mais de dois séculos escreveu Rousseau sobre a motivação, no que há século e meio escreveu Herbert Spencer sobre a adaptação do estudo às necessidades profissionais imediatas, e no que há quase cem anos William H. Kilpatrick escreveu sobre o ensino por projectos e a pretensa inutilidade do ensino abstracto.
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Uma teoria pedagógica mais recente, que não é mais que uma formulação moderna das ideias de Spencer, tem feito tudo para desvalorizar o conhecimento, dizendo que apenas interessa o saber em acção, o saber aplicado, as chamadas «competências». Tudo tem servido de pretexto para simplificar os conteúdos, simplificar os exames e simplificar a progressão nas carreiras. Com isso, as estatísticas podem melhorar, mas a realidade não.
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No decorrer de um roteiro da ciência dedicado à matemática, o bastonário da Ordem dos Engenheiros denunciou o facto de o exame de matemática não ser obrigatório para a entrada em quase metade dos cursos de engenharia existentes no país. O Presidente da República fez eco do alerta e o ministro Mariano Gago anunciou mudanças, tornando obrigatório o exame de matemática para cursos de Economia, Engenharia, Informática e Matemática. É uma medida muito positiva, que esperemos que não seja contrariada por uma ainda maior simplificação dos conteúdos e dos exames.
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A matemática é necessária por ser uma disciplina de base, que se tornou a linguagem da natureza e da acção sobre a natureza, a linguagem da ciência e do estudo da sociedade. A matemática é um corpo estruturado de conhecimentos e não uma colecção de truques de que se poderiam escolher apenas os que têm aplicabilidade imediata. Tal como o trabalhador leva consigo uma caixa de ferramentas, mesmo sabendo que nesse dia apenas irá precisar de uma meia dúzia de instrumentos, assim o que se estuda não pode ser limitado ao que se julga ser de utilidade imediata
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«Passeio Aleatório» - «Expresso de 30 de Abril de 2009
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NOTA: Este texto é uma extensão do que está publicado no 'Sorumbático' [v. aqui], onde eventuais comentários deverão ser afixados.