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Por Alice Vieira
Por Alice Vieira
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CONFESSO: não sou capaz de deitar livros fora.
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De resto, eu pertenço a uma geração que tem muita dificuldade em deitar fora seja o que for. Por isso os objectos se vão acumulando e eu perguntando-me “o que é que faço a isto?” Já pensei em fazer uma trouxa e ir vendê-los para a Feira da Ladra, mas os meus horários não me permitem ficar lá uma data de horas à espera de ver aparecer multidões interessadas em galhardetes, quadros com o brasão de juntas de freguesia de terras que nem sei onde ficam, frascos de perfume há muito vazios, amostras de tecidos, restos de lãs que nem para quadrados de mantas de patchwork já servem, etc.
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Mesmo assim, de vez em quando tapo a vista com a mão, encho-me de coragem, e reúno sacos a abarrotar de lixarada, e venho colocá-los à noite ao lado dos contentores, não vá passar alguém que ainda lhes descubra serventia.
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Mas livros é que não.
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Livros não sou mesmo capaz.
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O pior é que, para lá de receber muitos livros (os meus amigos pertencem quase todos ao ramo…), eu ainda sou uma compradora compulsiva! Compro livros porque são de autores de que eu gosto, ou porque li uma crítica que me entusiasmou, ou até — assumo…- porque têm capas que são um espanto… Mas às vezes, prometem muito e dão pouco.
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Então, periodicamente, encho caixotes de livros que vou enviando para bibliotecas ou escolas: livros que sei que nunca mais vou reler, livros que tenho em várias reedições, ou até livros de que eu, pessoalmente, até posso não gostar mas entendo que outros amem de paixão.
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Mas não é desses que estou a falar: refiro-me àqueles que não mereceriam (se eu fosse capaz…) outro destino a não ser o lixo. Tão maus, ou tão inúteis, ou tão fora de prazo que não me passa pela cabeça dá-los nem ao meu pior inimigo.
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Nos primeiros tempos da revolução, quando, de repente, descobrimos que podíamos viajar para os países até então proibidos da Europa de Leste, era fatal: regressávamos todos de lá vergados ao peso de toneladas de volumes encadernados com todas as intervenções dos camaradas nos diversos órgãos de soberania dos seus países. E – requinte dos requintes! - muitos deles na língua original.
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Lembro-me de ter tido de comprar um saco só para nele enfiar os discursos do camarada Jivkov, que me ofereceram na minha primeira ida à Bulgária.
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Digam-me: o que é que eu lhes faço?
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Contava o meu querido Alçada Baptista que uma das suas tias, ao ver-se confrontada com a pergunta de uma das criadas (“o que é que eu faço às listas velhas do telefone?”) terá respondido: “dê a um pobrezinho.”
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Se calhar, vou seguir-lhe o exemplo. Tal como eu, ela também era de um tempo em que não se deitava nada fora.
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De resto, eu pertenço a uma geração que tem muita dificuldade em deitar fora seja o que for. Por isso os objectos se vão acumulando e eu perguntando-me “o que é que faço a isto?” Já pensei em fazer uma trouxa e ir vendê-los para a Feira da Ladra, mas os meus horários não me permitem ficar lá uma data de horas à espera de ver aparecer multidões interessadas em galhardetes, quadros com o brasão de juntas de freguesia de terras que nem sei onde ficam, frascos de perfume há muito vazios, amostras de tecidos, restos de lãs que nem para quadrados de mantas de patchwork já servem, etc.
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Mesmo assim, de vez em quando tapo a vista com a mão, encho-me de coragem, e reúno sacos a abarrotar de lixarada, e venho colocá-los à noite ao lado dos contentores, não vá passar alguém que ainda lhes descubra serventia.
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Mas livros é que não.
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Livros não sou mesmo capaz.
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O pior é que, para lá de receber muitos livros (os meus amigos pertencem quase todos ao ramo…), eu ainda sou uma compradora compulsiva! Compro livros porque são de autores de que eu gosto, ou porque li uma crítica que me entusiasmou, ou até — assumo…- porque têm capas que são um espanto… Mas às vezes, prometem muito e dão pouco.
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Então, periodicamente, encho caixotes de livros que vou enviando para bibliotecas ou escolas: livros que sei que nunca mais vou reler, livros que tenho em várias reedições, ou até livros de que eu, pessoalmente, até posso não gostar mas entendo que outros amem de paixão.
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Mas não é desses que estou a falar: refiro-me àqueles que não mereceriam (se eu fosse capaz…) outro destino a não ser o lixo. Tão maus, ou tão inúteis, ou tão fora de prazo que não me passa pela cabeça dá-los nem ao meu pior inimigo.
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Nos primeiros tempos da revolução, quando, de repente, descobrimos que podíamos viajar para os países até então proibidos da Europa de Leste, era fatal: regressávamos todos de lá vergados ao peso de toneladas de volumes encadernados com todas as intervenções dos camaradas nos diversos órgãos de soberania dos seus países. E – requinte dos requintes! - muitos deles na língua original.
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Lembro-me de ter tido de comprar um saco só para nele enfiar os discursos do camarada Jivkov, que me ofereceram na minha primeira ida à Bulgária.
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Digam-me: o que é que eu lhes faço?
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Contava o meu querido Alçada Baptista que uma das suas tias, ao ver-se confrontada com a pergunta de uma das criadas (“o que é que eu faço às listas velhas do telefone?”) terá respondido: “dê a um pobrezinho.”
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Se calhar, vou seguir-lhe o exemplo. Tal como eu, ela também era de um tempo em que não se deitava nada fora.
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«JN» de 9 de Maio de 2009
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NOTA: Este texto é uma extensão do que está publicado no 'Sorumbático' [aqui], onde eventuais comentários deverão ser afixados.