sábado, 16 de outubro de 2010

PIDE é a piza turca

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Por Antunes Ferreira

O AUTOCARRO passava em boa velocidade na estrada de duas vias de cada lado do separador central. É um itinerário principal, que os turcos vão construindo a partir do desenho inicial só com uma rodovia de ida e vinda. Liga Antalya à Capadócia, passando por Konya, a antiga capital. Sucedem-se estações de gasolineiras, penso que nunca vi tantas. E cartazes publicitários. Palavras complicadíssimas, a língua é tramada, entre as quais avulta PIDE. Será que por cá…

Perguntei ao guia, Olgun Doğaray, o significado e a ameaça de uma polícia política dilui-se: PIDE é a piza turca. Agradeci: teşekkűrederim, muito obrigado. Quem havia de dizer?... O homem é licenciado em filologia hispânica, começou a aprender Português em Novembro do ano passado, depois de anos a trabalhar com turistas de habla española.

Esteve em Portugal para o efeito. E fala com bastante correcção, por vezes entremeada de um portuñol que tenta corrigir logo. Chegámos à na Capadócia. Mais precisamente no sábado passado, ou seja, há oito dias. Amigos, familiares, conhecidos e correlativos tinham-me dito que a região era um espanto. E, numa altura como a que vivemos, em que não se pode acreditar em ninguém, nem mesmo em nós próprios, não é que tinham razão?

Graças a uma promoção de três empresas do ramo editorial, a minha mulher e eu decidimos avançar para a visita, claro, sem consultar o Senhor Presidente da República. Turquia é estrangeiro de fora – e de acordo com Sua Excelência, as férias dos lusitanos, ou seja, de todos nós, devem ser passadas cá dentro, incluindo, obviamente, o Allgarve. Porém, como sempre gostei de dar uma facadinha no poder e fugir aos ditames ou aos diktats, ainda que sejam made in Belém, fomos até ao ex-império otomano. Razão acrescida: este ano anda tivemos subsídio de férias e conto que tenhamos 13.º mês. Há, até, quem reze para que isso não fuja. Novenas em curso e abaixo-assinados no Facebook são o pão-nosso de cada dia.

Com 2011 não se pode brincar. Garante o Sol – o distinto semanário da nossa praça, não a estrela refulgente que nos ampara e ilumina – que o OE já está apurado. Se o jornal o disse – está dito. Habemus Orçamentus. Fumetto, bianco. Podemos, portanto, estar descansados. Já nem é necessário perderem-se muitas horas em São Bento. São dispensáveis muitas dores de cabeça no hemiciclo.

Em verdade, em verdade, deixem-me que vos diga. Sugestiva é a Turquia, onde hoje, depois dos solavancos e tropeções políticos, não se sabe se a Constituição foi alterada, não se sabe se quem terá aprovado as emendas estava legal, não se sabe como que as ditas emendas terão passado no Parlamento, não se sabe se este, antes da aprovação já estaria dissolvido, não se sabe como vai ser eleito o próximo Chefe do Estado, não se sabe se alguém sabe que não se sabe. Portugal é surrealista; mas não tanto.

Os outdoors continuavam a passar. ET MANGO diziam bastantes dentre eles. Nada a fazer; reincido na pergunta ao Olgun, licenciado em filologia hispânica. E ele, pacientemente, ET é carne, MANGO é churrasco, mas também pode ser churrasqueira. Aprender até morrer. Não posso esquecer-me de que por ali passaram sumérios, hititas, vândalos, gregos, romanos, e uns quantos mais, além de, evidentemente os já mencionados otomanos. E, naturalmente, o Senhor Kemal Mustafa Ataturk. Enfim, turcos, como as toalhas.