sábado, 9 de outubro de 2010

À tesourada

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Por João Duque

FACE A UMA injustificada descontinuidade no fornecimento das águas com que a companhia das mesmas brindou José Maria de Eça de Queirós, exigiu este ao digno diretor da dita (e membro do Partido Legitimista) a justa e equitativa contrapartida contratual.

A um previsto incumprimento no pagamento, tinha a companhia o poder de cortar, por contrato, o fornecimento de água à cozinha e ao quarto de banho de Eça.

Como contrapartida, Eça exige: "Para que o nosso contrato não seja inteiramente leonino, eu preciso, no análogo àquele em que V. Exa. me cortaria a canalização, de cortar alguma coisa a V. Exa. Oh! E hei-de cortar-lha!"

O senhor ministro Teixeira dos Santos incitou a oposição parlamentar a cortar alguma coisa em alternativa aos já previsíveis aumentos de impostos. Onde cortar 4500 milhões de euros ao défice orçamental de 2011?

Atemorizado, mudei de canal, protegendo a família de um previsível e repelente cenário de centenas de parlamentares, de tesoura em riste, a escortanhar em tudo e mais alguma coisa. E com tanto apêndice e penduricalho seco, inútil, mas consumidor, pelo país fora, imaginei tesouradas a torto e a direito a ferirem o mais íntimo da sensibilidade familiar, que olhos delicados não podem suportar.

Ai quereis cortes, pois aqui vão!

Do Orçamento do Estado dependem 13.740 instituições que compõem as administrações públicas. Só primos mais afastados, dependem do "grande irmão" 639 fundações, 343 empresas municipais, 1182 empresas públicas, 356 institutos públicos, 485 associações sem fins lucrativos, e ainda 166 outras instituições de classificação indefinida.

Deixo de fora as 5271 instituições que compõe a administração central, 5094 a local e 204 que completam a regional. Querem convencer-me de que todas aquelas instituições são essenciais à manutenção do Estado português e à realização do seu desígnio? E as PPP? E as SCUT, onde uns andam e não pagam e outros pagam e não andam?

Mas não houve ainda a coragem para se rever as pensões de reforma calculadas sob fórmulas erradas, com base em tabelas de mortalidade desadequadas, em taxas de atualização desconformes, generosas mas irresponsáveis, e que resultam na maior das injustiças sociais a que vamos assistir.

A geração que se vai reformar dentro de anos vai sofrer o que outros não são chamados a repartir.

Quem vir os seus salários agora amputados em 10% vai ver toda a carreira profissional futura amputada nesse valor, mas vai também ver afetada a sua pensão de reforma em continuidade!

Quando se reformar vai ser muito mais pobre do que os que se lhe anteciparam em circunstâncias semelhantes, apesar de terem descontado mais durante toda a carreira contributiva.

O Governo propôs agora significativos cortes e aumentos de impostos. Podia ser diferente? Sim, e não seria a mesma coisa!
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«Expresso» de 2 Out 10