Por Baptista-Bastos
O PARADIGMA DE SOCIEDADE sob o qual temos vivido está a esboroar-se. E parece não haver resposta imediata para esta nova desagregação histórica. Em termos políticos somos herdeiros de um enredo corrompido que nos fez viver entre a opressão e o medo, o ódio e a resignação. Quem nos tem dirigido não possui estofo de estadista nem a dignidade de confessar a sua impotência. As últimas décadas são cerzidas com remendos, mistificações, ideologias esgotadas, sem nenhum dos dirigentes ter, alguma vez, apostado, seriamente, na verdade e na liberdade. Sem o menor rebuço nem a mais escassa repulsa, os governantes do PS e do PSD restauraram, nos últimos trinta e tal anos em que se sentaram no poder, o reino da indecisão, da infelicidade e da renúncia.
Os três ex-presidentes que foram ao Prós e Contras (RTP1, dia 11 de Outubro, p.p.) sublinharam essas características, e apenas nos incitaram a resistir e a procurar entender o mundo que nos foi imposto. Nenhum deles falou em resignação. Mas, como não estavam ali para pregar a virtude, nem para evocar excitações antigas, repetiram que a natureza do que nos acontece exige que impeçamos o mundo, o nosso pequeno, assustado e aflito mundo, de se desfazer totalmente. Como? De uma forma ou de outra disseram-nos que a "classe política" é um desfalecimento de causa, e que temos de nos haver e ungir com o que há. O que há, porém, é muito mau. Paciência, é assim.
O paradigma económico, social, político e cultural em que vivemos soçobra a olhos vistos. E ninguém analisa, explica e debate a origem do mal. Os nossos intelectuais mergulharam na nostalgia demencial dos seus insuportáveis universos e das suas angústias insignificantes, desligados das obrigações difíceis que, moralmente, lhes são exigidas. O jornalismo não explica porque não sabe. É penoso ler o que preopinantes impreparados escrevem sobre o que nos rodeia e, afinal, nos limita e escraviza. Os sinais do tempo não se reflectem numa imprensa pejada de comentadores do óbvio, notoriamente inclinada para um só lado da história. As televisões atingem os níveis da desonra. Não são, exclusivamente, "telelixo", constituem, em boa consciência, humilhações que nos infligem.
Soares, Eanes e Sampaio desconhecem como dar a volta ao texto no qual fomos enredados. A padronização do mundo, inculcada pelo capitalismo vitorioso, favorece não só o "pensamento único" (de que tanto se falou, há anos, com presunção e ignorância) como a democracia de superfície e a abdicação de pensar. Evidentemente, há perigos ocultos e ameaças latentes. Eanes falou nas explosões sociais inorgânicas que podem pôr em causa a própria definição de sociedade, tal como a entendemos. Pergunta-se: e essa não será a solução, virar tudo do avesso?
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«DN» de 13 Out 10
O PARADIGMA DE SOCIEDADE sob o qual temos vivido está a esboroar-se. E parece não haver resposta imediata para esta nova desagregação histórica. Em termos políticos somos herdeiros de um enredo corrompido que nos fez viver entre a opressão e o medo, o ódio e a resignação. Quem nos tem dirigido não possui estofo de estadista nem a dignidade de confessar a sua impotência. As últimas décadas são cerzidas com remendos, mistificações, ideologias esgotadas, sem nenhum dos dirigentes ter, alguma vez, apostado, seriamente, na verdade e na liberdade. Sem o menor rebuço nem a mais escassa repulsa, os governantes do PS e do PSD restauraram, nos últimos trinta e tal anos em que se sentaram no poder, o reino da indecisão, da infelicidade e da renúncia.
Os três ex-presidentes que foram ao Prós e Contras (RTP1, dia 11 de Outubro, p.p.) sublinharam essas características, e apenas nos incitaram a resistir e a procurar entender o mundo que nos foi imposto. Nenhum deles falou em resignação. Mas, como não estavam ali para pregar a virtude, nem para evocar excitações antigas, repetiram que a natureza do que nos acontece exige que impeçamos o mundo, o nosso pequeno, assustado e aflito mundo, de se desfazer totalmente. Como? De uma forma ou de outra disseram-nos que a "classe política" é um desfalecimento de causa, e que temos de nos haver e ungir com o que há. O que há, porém, é muito mau. Paciência, é assim.
O paradigma económico, social, político e cultural em que vivemos soçobra a olhos vistos. E ninguém analisa, explica e debate a origem do mal. Os nossos intelectuais mergulharam na nostalgia demencial dos seus insuportáveis universos e das suas angústias insignificantes, desligados das obrigações difíceis que, moralmente, lhes são exigidas. O jornalismo não explica porque não sabe. É penoso ler o que preopinantes impreparados escrevem sobre o que nos rodeia e, afinal, nos limita e escraviza. Os sinais do tempo não se reflectem numa imprensa pejada de comentadores do óbvio, notoriamente inclinada para um só lado da história. As televisões atingem os níveis da desonra. Não são, exclusivamente, "telelixo", constituem, em boa consciência, humilhações que nos infligem.
Soares, Eanes e Sampaio desconhecem como dar a volta ao texto no qual fomos enredados. A padronização do mundo, inculcada pelo capitalismo vitorioso, favorece não só o "pensamento único" (de que tanto se falou, há anos, com presunção e ignorância) como a democracia de superfície e a abdicação de pensar. Evidentemente, há perigos ocultos e ameaças latentes. Eanes falou nas explosões sociais inorgânicas que podem pôr em causa a própria definição de sociedade, tal como a entendemos. Pergunta-se: e essa não será a solução, virar tudo do avesso?
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«DN» de 13 Out 10