terça-feira, 26 de outubro de 2010

Uma conversa com Mandelbrot

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Por Nuno Crato

SÁBADO DE MANHÃ, a primeira mensagem a entrar no meu computador foi lacónica. No assunto, anunciava “Benoit B. Mandelbrot has died :-(“; no corpo da mensagem havia apenas um apontador para a página do falecido matemático na Universidade de Yale. Tinha 85 anos e morreu de cancro. A missiva vinha de uma comunidade matemática de correio electrónico a que pertenço, e poucos comentários obteve. Um deles, de um colega de Mandelbrot dizia “Benoit was a very stimulating colleague. Much better to have a conversation with him than to listen to a lecture.” Lembrei-me da primeira vez que o vi. E da última. O meu correspondente tinha razão.

Tomei primeiramente contacto com o matemático Benoit B. Mandelbrot da mesma forma que muitos e muitos milhares de pessoas: lendo o seu livro “The Fractal Geometry of Nature”, de 1982. Aí, Mandelbrot desenvolveu a ideia de objecto “fractal”, termo que inventou e que rapidamente popularizou. Trata-se de um conceito matemático, de objecto que reproduz as mesmas propriedades a diversas escalas. Costuma-se dar o exemplo de uma couve-flor, ou dos bronquíolos, os pequenos canais que conduzem o ar nos pulmões. Se os virmos ao microscópio, reparamos nas mesmas características em diversas escalas. Os canais dividem-se e subdividem-se, parecendo que aumentando a visão com um microscópio se vai encontrar o mesmo que antes se via a olho nu — só que mais pequeno. Estas características de auto-semelhança em diversas escalas encontram-se muitas vezes na vida real, desde as plantas aos movimentos dos preços.

“The Fractal Geometry of Nature” foi magnificamente traduzida para português por Carlos Fiolhais e por Malaquias Lima e apareceu publicada em 1991 pela Gradiva com o título “Objectos Fractais”. O livro, como muitos do mesmo autor, é uma mistura fascinante de explicações de conceitos matemáticos, de ilustrações, de exemplos de aplicação tirados de diversas áreas do conhecimento, da hidrologia à linguística, e de referências históricas, semeadas de explicações matemáticas. Fui lendo-o, aos bocados, saltando capítulos, ao capricho dos dias. Achava-o interessante. Muito interessante. Mas apenas isso.

Mais tarde, quando estava a estudar para o doutoramento, encaminhado para os processos aleatórios e para as séries temporais, o meu orientador recomendou-me um trabalho de Mandelbrot onde este explicava como certos processos estranhos, de variabilidade infinita, podiam ter propriedades surpreendentes. Fiquei seduzido e acabei por defender uma tese nessa área. Pelo meio, encontrei Mandelbrot, em Minnesota, numa conferência. Foi em 1990 e lembro-me que não apreciei especialmente a sua palestra, que demorou mais de uma hora, em que falou de tudo, desde música a teoremas matemáticos difíceis. Pareceu-me que vagueava. Alguns amigos que também estavam na conferência diziam-me “Não sabias!? Ele é sempre assim, mas cada minuto da sua palestra dá uma ideia nova para uma tese de doutoramento.” Nos intervalos, conversei um pouco com Mandelbrot. Vimo-nos várias vezes, mas nunca tive coragem para falar muito com ele.

A minha última conversa com Mandelbrot ocorreu dez anos mais tarde. Pelo meio defendi a minha tese e publiquei vários trabalhos na área. Tivemos algumas oportunidades para interagir, mas sempre brevemente. Em 2000 fui visitá-lo a casa, nos arredores de Nova Iorque. O tempo estava magnífico e ficámos um bocado no jardim. Fomos depois ver algumas obras de arte que lhe tinham oferecido, com desenhos fractais, e sentámo-nos ao que nos trazia. Felizmente, um amigo presente em parte do encontro tirou-nos algumas fotografias; eu tomei notas e gravei partes da conversa. Fui agora recuperar umas e outras. Com um sentimento estranho. A gravação deteriorou-se e sobraram apenas pedaços entrecortados.

Falámos primeiramente do que me trazia: um trabalho que estava a finalizar sobre o comportamento de alguns algoritmos e as estatísticas dos custos de computação. “Trabalhei para a IBM durante 35 anos,” disse ele, “por isso sei que tudo o que tem a ver com computação é hoje muito importante”. A IBM foi o emprego mais longo deste matemático nascido em Varsóvia em 1924, registado francês e, mais tarde, também cidadão dos Estados Unidos. Passou pelo CNRS em Paris, pelo MIT, por Harvard e por muitas outras universidades.

Referimo-nos ao seu novo emprego na Universidade de Yale, e Mandelbrot falou entusiasmado de uma cadeira que tinha começado a leccionar para estudantes de Humanidades. “É muito importante que eles tenham contacto com a ciência e a matemática, essa possibilidade é uma das coisas boas do ensino nos Estados Unidos”.

Falámos da origem dos fractais, da razão por que se encontram em tantos objectos geométricos, físicos e sociais. Mandelbrot não tinha uma explicação completa, mas afirmou “Em ciência é muitas vezes assim: primeiro descreve-se, depois percebem-se as razões. Em muitas áreas estamos ainda a descrever a natureza.”
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«Passeio Aleatório» - «Expresso» de 23 Out 10 (adaptado)

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