Por Maria Filomena Mónica
NUM MUNDO MACHISTA, as divas tendem a ser femininas. Na minha opinião, se há um actor com qualificações ao título, no masculino evidentemente, ele é Gary Cooper. Hesitei bastante antes de o escolher, mas, depois de ter visto há tempos, numa exposição em Madrid, a fotografia que Edward Steichen lhe tirou em 1930, tudo se tornou claro no meu espírito. Gary Cooper aparece vestido com um fato escuro, uma camisa branca e um lenço no bolso. O que nos atrai, na fotografia, é o olhar, que nos desafia, e as rugas, evocativas de um passado conturbado. À época, tinha apenas 29 anos, mas, ao lado da boca, notam-se já os traços verticais que, ao longo da vida, caracterizariam a sua face. Há depois, e não é de somenos, o seu corpo. Ao contrário de Marlon Brando, Gary Cooper nunca exibiu o torso em t-shirts apertadas, mas basta ver, em The Foutainhead (Vontade Indómita), de 1949, os tendões dos braços emergindo das mangas da camisa, quando a heroína, Patricia Neal, com ele se cruza na pedreira onde está a trabalhar, para adivinharmos o resto.
Não é aqui o momento para analisar um filme que idolatrei quando, pela primeira vez, o vi no cinema e que depois contemplei, em êxtase, no Ciclo de Cinema Americano dos anos 40, organizado pela Fundação Gulbenkian. Percebo agora que o fascínio vinha sobretudo da presença de Gary Cooper. Não apenas devido à sua beleza, mas à forma – fria, lacónica, seca – como interpreta a figura do arquitecto Roark, um homem que não cede a compromissos, venham eles das elites ou do mercado. Há depois o romance entre ele e a jornalista, chique e arrogante, que decidira nunca se apaixonar. Até à grande cena do beijo, quando, sem ser esperado, ele salta para dentro do quarto dela, tudo é possível. Apesar de Roark aparentar serenidade, a violência nunca está longe da relação. O enredo desenrola-se de forma a que tudo se conjugue para tornar impossível um encontro sexual que, no entanto, pressentimos ser inevitável.
Tenho de admitir que, revisto hoje, em DVD, o filme me pareceu demasiado palavroso. Nunca o produtor deveria ter deixado Ayn Rand ser a autora do guião, pois raro é o escritor capaz de reduzir a linguagem literária à cinematográfica. Não nego que, pelo meio, existam frases dignas de uma antologia: é mesmo disso que me queixo. The Fountainhead é, em grande medida, uma arma na luta pela imposição da filosofia a que a autora chamou «objectivismo», uma corrente de pensamento influenciada pelo clima da Guerra Fria, que afirmava ser o povo uma massa amorfa e o génio a medida de todas as coisas. Felizmente, as palavras de Gary Cooper leva-as o vento. Fica apenas ele e isso chega.
Gary Cooper apareceu em muitos outros filmes. Recordo, por exemplo, High Noon (1952), um filme sobre a construção do Estado de Direito nos EUA. É por considerar que, dentro do western, ninguém chega aos calcanhares de John Ford que, até agora, o não revira. Dele apenas recordava o tema musical, «Do not forsake me of my darlin’…», da autoria de Dimitri Tiomkin. Muitas coisas aconteceram na minha vida desde que ouvi esta canção pela primeira vez, mas jamais a esqueci, como jamais esqueceria o rosto de Gary Cooper – então com 51 anos – no papel do marshall Will Kane. Casado nessa manhã, o herói decide abandonar a mulher, a virginal Grace Kelly, a fim de cumprir o que pensa constituir o seu dever. Enquanto os habitantes da aldeia se refugiam, cheios de medo, numa igrejinha, ele parte a fim de combater o bandido Frank Miller. Ao longo do filme, Gary Cooper quase não fala, mas mexe-se. Reparem na cena final. A maneira de andar de Gary Cooper é hierática e o balançar do coldre sobre a nádega mágico. É isto que recordamos quando tudo o resto se esvai.
Curiosamente, há algumas semelhanças ideológicas entre High Noon, de Fred Zinneman, e The Fountainhead, de King Vidor. Como o arquitecto Roark, o marshall Will Kane luta, sem o apoio do povo, contra os maus. As massas populares são, mais uma vez, consideradas como intrinsecamente covardes. Apesar de ser uma individualista, a mensagem contida nestes filmes não me atrai, mas tão pouco chega para destruir o prazer de, hoje como ontem, admirar os braços de Gary Cooper.
NUM MUNDO MACHISTA, as divas tendem a ser femininas. Na minha opinião, se há um actor com qualificações ao título, no masculino evidentemente, ele é Gary Cooper. Hesitei bastante antes de o escolher, mas, depois de ter visto há tempos, numa exposição em Madrid, a fotografia que Edward Steichen lhe tirou em 1930, tudo se tornou claro no meu espírito. Gary Cooper aparece vestido com um fato escuro, uma camisa branca e um lenço no bolso. O que nos atrai, na fotografia, é o olhar, que nos desafia, e as rugas, evocativas de um passado conturbado. À época, tinha apenas 29 anos, mas, ao lado da boca, notam-se já os traços verticais que, ao longo da vida, caracterizariam a sua face. Há depois, e não é de somenos, o seu corpo. Ao contrário de Marlon Brando, Gary Cooper nunca exibiu o torso em t-shirts apertadas, mas basta ver, em The Foutainhead (Vontade Indómita), de 1949, os tendões dos braços emergindo das mangas da camisa, quando a heroína, Patricia Neal, com ele se cruza na pedreira onde está a trabalhar, para adivinharmos o resto.
Não é aqui o momento para analisar um filme que idolatrei quando, pela primeira vez, o vi no cinema e que depois contemplei, em êxtase, no Ciclo de Cinema Americano dos anos 40, organizado pela Fundação Gulbenkian. Percebo agora que o fascínio vinha sobretudo da presença de Gary Cooper. Não apenas devido à sua beleza, mas à forma – fria, lacónica, seca – como interpreta a figura do arquitecto Roark, um homem que não cede a compromissos, venham eles das elites ou do mercado. Há depois o romance entre ele e a jornalista, chique e arrogante, que decidira nunca se apaixonar. Até à grande cena do beijo, quando, sem ser esperado, ele salta para dentro do quarto dela, tudo é possível. Apesar de Roark aparentar serenidade, a violência nunca está longe da relação. O enredo desenrola-se de forma a que tudo se conjugue para tornar impossível um encontro sexual que, no entanto, pressentimos ser inevitável.
Tenho de admitir que, revisto hoje, em DVD, o filme me pareceu demasiado palavroso. Nunca o produtor deveria ter deixado Ayn Rand ser a autora do guião, pois raro é o escritor capaz de reduzir a linguagem literária à cinematográfica. Não nego que, pelo meio, existam frases dignas de uma antologia: é mesmo disso que me queixo. The Fountainhead é, em grande medida, uma arma na luta pela imposição da filosofia a que a autora chamou «objectivismo», uma corrente de pensamento influenciada pelo clima da Guerra Fria, que afirmava ser o povo uma massa amorfa e o génio a medida de todas as coisas. Felizmente, as palavras de Gary Cooper leva-as o vento. Fica apenas ele e isso chega.
Gary Cooper apareceu em muitos outros filmes. Recordo, por exemplo, High Noon (1952), um filme sobre a construção do Estado de Direito nos EUA. É por considerar que, dentro do western, ninguém chega aos calcanhares de John Ford que, até agora, o não revira. Dele apenas recordava o tema musical, «Do not forsake me of my darlin’…», da autoria de Dimitri Tiomkin. Muitas coisas aconteceram na minha vida desde que ouvi esta canção pela primeira vez, mas jamais a esqueci, como jamais esqueceria o rosto de Gary Cooper – então com 51 anos – no papel do marshall Will Kane. Casado nessa manhã, o herói decide abandonar a mulher, a virginal Grace Kelly, a fim de cumprir o que pensa constituir o seu dever. Enquanto os habitantes da aldeia se refugiam, cheios de medo, numa igrejinha, ele parte a fim de combater o bandido Frank Miller. Ao longo do filme, Gary Cooper quase não fala, mas mexe-se. Reparem na cena final. A maneira de andar de Gary Cooper é hierática e o balançar do coldre sobre a nádega mágico. É isto que recordamos quando tudo o resto se esvai.
Curiosamente, há algumas semelhanças ideológicas entre High Noon, de Fred Zinneman, e The Fountainhead, de King Vidor. Como o arquitecto Roark, o marshall Will Kane luta, sem o apoio do povo, contra os maus. As massas populares são, mais uma vez, consideradas como intrinsecamente covardes. Apesar de ser uma individualista, a mensagem contida nestes filmes não me atrai, mas tão pouco chega para destruir o prazer de, hoje como ontem, admirar os braços de Gary Cooper.
«GQ» de Novembro 2009