Por Rui Tavares
É ESTRANHO dizê-lo, mas se o orçamento (previsto) fosse apenas injusto, nós já nem daríamos por isso. O nosso país é injusto há muito tempo; nos últimos anos só pontualmente e parcialmente contrariou essa tendência.
Mas é preciso dizer que este orçamento não é só injusto; é errado.
É perturbante pensá-lo, mas se este orçamento fosse apenas errado talvez nos limitássemos a encolher os ombros. Este país tem vivido com mais políticas erradas do que certas. E por vezes o errado é a única coisa que existe.
Mas é preciso insistir que este orçamento não é só errado; é trágico.
E por aí adiante. Essa tragédia vai ser feita de muitas micro-tragédias: quem tem um mínimo de noção de como vive em Portugal a maioria das pessoas só pode ficar arrepiado com o que aí vem. Isto não é só injusto, errado e trágico. Isto vai ficar muito pior.
E mesmo isso não é o pior. O pior é a forma tonitruante, insistente e demagógica como isto foi matraqueado nos últimos tempos. Num momento da verdade como este, esperaríamos que ao menos aqueles que passaram os últimos anos clamando por esta receita (cortes de salários, recessão induzida) sentissem a credibilidade em risco. Neste particular, eu já não tenho quaisquer ilusões. O pensamento do status quo é, afinal de contas, isso mesmo. O partido que mais pediu por austeridade — o PSD — faz agora uma tremebunda birra, como se a não quisesse aprovar. Os profetas do sofrimento já sabem o que vão dizer quando isto falhar, até porque é o mesmo de antes: que não sofremos o bastante. Fica sempre bem.
Em vez de nos salvar, esta receita vai aproximar-nos do agravamento da dívida, da bancarrota e da liquidação total. A primeira obrigação de quem discorde é dizer isto mesmo. Que ao menos fique registado. Nem todos os economistas, políticos e comentadores achavam o mesmo em Outubro de 2010.
Mas não chega. Se o caminho que nos trouxe até aqui foi errado, é preciso explicar como teria sido melhor. E para mostrar outro caminho, não adianta olhar apenas para as estreitas ravinas que delimitam o percurso nacional e que fazem crer que cada passo que demos foi inevitável. É preciso olhar para o mapa. Neste caso é, inevitavelmente, o mapa da Europa.
Os líderes políticos e a opinião tiveram um ano inteiro para poder olhar para esta crise como resultado das debilidades institucionais europeias. Na fase crítica, os nossos governos tiveram o último semestre para montar uma resposta a estas debilidades: levando o Banco Central Europeu a comprar dívida soberana diretamente (em vez de fazer disso um belo negócio para os privados), emitindo eurotítulos que permitissem àUE ter uma política expansionista na escala continental em que ela é globalmente sustentável. Havia oposição? Claro. Mas eles (Sócrates, Zapatero, Sarkozy) falharam miseravelmente no debate; nem sequer o trouxeram para a opinião pública europeia, onde ele poderia ser ganho.
E mesmo dizer isto não chega. Agora que estamos onde estamos, é preciso dizer como se poderia reagir de uma forma mais justa: fazendo os bancos pagar os mesmos impostos que as outras empresas, acabando com o desperdício nas parcerias público-privadas, mantendo a rede de segurança para a população mais pobre.
Onde é injusto, há que mostrar como poderia ter sido mais justo. Onde é errado, é preciso dizer como poderia ter sido de outra forma. Onde vai ser uma tragédia, é essencial demonstrar que poderia ter sido uma oportunidade. Fazer mais justo não teria apenas sido menos errado. Teria sido melhor.
.É ESTRANHO dizê-lo, mas se o orçamento (previsto) fosse apenas injusto, nós já nem daríamos por isso. O nosso país é injusto há muito tempo; nos últimos anos só pontualmente e parcialmente contrariou essa tendência.
Mas é preciso dizer que este orçamento não é só injusto; é errado.
É perturbante pensá-lo, mas se este orçamento fosse apenas errado talvez nos limitássemos a encolher os ombros. Este país tem vivido com mais políticas erradas do que certas. E por vezes o errado é a única coisa que existe.
Mas é preciso insistir que este orçamento não é só errado; é trágico.
E por aí adiante. Essa tragédia vai ser feita de muitas micro-tragédias: quem tem um mínimo de noção de como vive em Portugal a maioria das pessoas só pode ficar arrepiado com o que aí vem. Isto não é só injusto, errado e trágico. Isto vai ficar muito pior.
E mesmo isso não é o pior. O pior é a forma tonitruante, insistente e demagógica como isto foi matraqueado nos últimos tempos. Num momento da verdade como este, esperaríamos que ao menos aqueles que passaram os últimos anos clamando por esta receita (cortes de salários, recessão induzida) sentissem a credibilidade em risco. Neste particular, eu já não tenho quaisquer ilusões. O pensamento do status quo é, afinal de contas, isso mesmo. O partido que mais pediu por austeridade — o PSD — faz agora uma tremebunda birra, como se a não quisesse aprovar. Os profetas do sofrimento já sabem o que vão dizer quando isto falhar, até porque é o mesmo de antes: que não sofremos o bastante. Fica sempre bem.
Em vez de nos salvar, esta receita vai aproximar-nos do agravamento da dívida, da bancarrota e da liquidação total. A primeira obrigação de quem discorde é dizer isto mesmo. Que ao menos fique registado. Nem todos os economistas, políticos e comentadores achavam o mesmo em Outubro de 2010.
Mas não chega. Se o caminho que nos trouxe até aqui foi errado, é preciso explicar como teria sido melhor. E para mostrar outro caminho, não adianta olhar apenas para as estreitas ravinas que delimitam o percurso nacional e que fazem crer que cada passo que demos foi inevitável. É preciso olhar para o mapa. Neste caso é, inevitavelmente, o mapa da Europa.
Os líderes políticos e a opinião tiveram um ano inteiro para poder olhar para esta crise como resultado das debilidades institucionais europeias. Na fase crítica, os nossos governos tiveram o último semestre para montar uma resposta a estas debilidades: levando o Banco Central Europeu a comprar dívida soberana diretamente (em vez de fazer disso um belo negócio para os privados), emitindo eurotítulos que permitissem àUE ter uma política expansionista na escala continental em que ela é globalmente sustentável. Havia oposição? Claro. Mas eles (Sócrates, Zapatero, Sarkozy) falharam miseravelmente no debate; nem sequer o trouxeram para a opinião pública europeia, onde ele poderia ser ganho.
E mesmo dizer isto não chega. Agora que estamos onde estamos, é preciso dizer como se poderia reagir de uma forma mais justa: fazendo os bancos pagar os mesmos impostos que as outras empresas, acabando com o desperdício nas parcerias público-privadas, mantendo a rede de segurança para a população mais pobre.
Onde é injusto, há que mostrar como poderia ter sido mais justo. Onde é errado, é preciso dizer como poderia ter sido de outra forma. Onde vai ser uma tragédia, é essencial demonstrar que poderia ter sido uma oportunidade. Fazer mais justo não teria apenas sido menos errado. Teria sido melhor.
In RuiTavares.Net