Por Nuno Crato
SERÁ QUE as tempestades na Florida foram causadas por uma insignificante borboleta, que agitou indevidamente as asas em Madagáscar? Ninguém acreditará que isso seja possível, mas é um dito que se tornou moda. Foi inventado pelo escritor de ficção científica Ray Bradbury, em 1952. Usa-se hoje para descrever o conceito matemático de caos.
A ideia é antiga. Já em 1860 o físico escocês James Clerk Maxwell falava da possibilidade de pequenas colisões entre moléculas criarem turbulência em gases. Trinta anos mais tarde, o matemático Henri Poincaré descobriu que um sistema gravitacional de três corpos, como o do Sol, Terra e Lua, podia ser muito instável. Mas foi o matemático e meteorologista Edward Lorenz que posteriormente tornou a ideia popular.
O interesse de Lorenz pelo problema despertou em 1961. Estava na altura a trabalhar num programa de computador para previsão do tempo e truncou um parâmetro. Em vez de introduzir 0,506127, escreveu 0,506, pensando que o resultado não iria diferir muito. Enganou-se. A previsão ficou completamente diferente. Lorenz corrigiu os dados e voltou a correr o programa. Obteve as previsões anteriores. Mas, em vez de ficar satisfeito com isso, interrogou-se sobre o que se tinha passado. Trabalhou o problema de forma mais geral e verificou que há sistemas matemáticos robustos, em que uma pequena modificação nas condições de partida não altera significativamente o resultado final. Mas há outros que são caóticos, como depois se veio a dizer, pois uma pequena alteração nas condições iniciais provoca diferenças gigantescas nos resultados.
A descoberta teve um impacto profundo na matemática pura e na análise de fenómenos físicos. Tornou-se claro que, mesmo em sistemas em que nada é deixado ao acaso, a previsão torna-se extremamente falível ou mesmo impossível, a partir de certa altura, pois seria necessário conhecer os parâmetros iniciais com absoluta precisão, o que nunca acontece, para conseguir prever com rigor a evolução do sistema. Do ponto de vista filosófico, o impacto da teoria do caos foi também importante, pois percebeu-se que a imprevisibilidade pode ser inerente à nossa apreensão do mundo, mesmo que os fenómenos sejam puramente determinísticos.
Onde não há a ilusão de determinismo é no mundo quântico. As partículas sub-atómicas têm um comportamento que, tanto quanto se sabe, é intrinsecamente imprevisível. Num conjunto de átomos idênticos, um núcleo de um desintegra-se e o do lado fica imperturbável, sem ser possível determinar porque um se porta de uma maneira e outro de outra. Não é caos. É aleatoriedade pura.
Numa experiência recente, contudo, um grupo de físicos da Universidade do Arizona conseguiu verificar comportamentos caóticos no mundo atómico (“Nature” 461, 768–771). Submetendo átomos de césio a oscilações de um campo magnético e de um feixe laser, notaram que os átomos, portando-se como um pião, mostravam uma estabilidade dinâmica em algumas áreas, e um comportamento errático noutras, reproduzindo as distinções clássicas entre o caos e a estabilidade dinâmica. É a primeira vez que estas características caóticas são observadas num sistema quântico. Que nos vai isso trazer? A beleza da resposta é que não se sabe: a ciência também é imprevisível.
SERÁ QUE as tempestades na Florida foram causadas por uma insignificante borboleta, que agitou indevidamente as asas em Madagáscar? Ninguém acreditará que isso seja possível, mas é um dito que se tornou moda. Foi inventado pelo escritor de ficção científica Ray Bradbury, em 1952. Usa-se hoje para descrever o conceito matemático de caos.
A ideia é antiga. Já em 1860 o físico escocês James Clerk Maxwell falava da possibilidade de pequenas colisões entre moléculas criarem turbulência em gases. Trinta anos mais tarde, o matemático Henri Poincaré descobriu que um sistema gravitacional de três corpos, como o do Sol, Terra e Lua, podia ser muito instável. Mas foi o matemático e meteorologista Edward Lorenz que posteriormente tornou a ideia popular.
O interesse de Lorenz pelo problema despertou em 1961. Estava na altura a trabalhar num programa de computador para previsão do tempo e truncou um parâmetro. Em vez de introduzir 0,506127, escreveu 0,506, pensando que o resultado não iria diferir muito. Enganou-se. A previsão ficou completamente diferente. Lorenz corrigiu os dados e voltou a correr o programa. Obteve as previsões anteriores. Mas, em vez de ficar satisfeito com isso, interrogou-se sobre o que se tinha passado. Trabalhou o problema de forma mais geral e verificou que há sistemas matemáticos robustos, em que uma pequena modificação nas condições de partida não altera significativamente o resultado final. Mas há outros que são caóticos, como depois se veio a dizer, pois uma pequena alteração nas condições iniciais provoca diferenças gigantescas nos resultados.
A descoberta teve um impacto profundo na matemática pura e na análise de fenómenos físicos. Tornou-se claro que, mesmo em sistemas em que nada é deixado ao acaso, a previsão torna-se extremamente falível ou mesmo impossível, a partir de certa altura, pois seria necessário conhecer os parâmetros iniciais com absoluta precisão, o que nunca acontece, para conseguir prever com rigor a evolução do sistema. Do ponto de vista filosófico, o impacto da teoria do caos foi também importante, pois percebeu-se que a imprevisibilidade pode ser inerente à nossa apreensão do mundo, mesmo que os fenómenos sejam puramente determinísticos.
Onde não há a ilusão de determinismo é no mundo quântico. As partículas sub-atómicas têm um comportamento que, tanto quanto se sabe, é intrinsecamente imprevisível. Num conjunto de átomos idênticos, um núcleo de um desintegra-se e o do lado fica imperturbável, sem ser possível determinar porque um se porta de uma maneira e outro de outra. Não é caos. É aleatoriedade pura.
Numa experiência recente, contudo, um grupo de físicos da Universidade do Arizona conseguiu verificar comportamentos caóticos no mundo atómico (“Nature” 461, 768–771). Submetendo átomos de césio a oscilações de um campo magnético e de um feixe laser, notaram que os átomos, portando-se como um pião, mostravam uma estabilidade dinâmica em algumas áreas, e um comportamento errático noutras, reproduzindo as distinções clássicas entre o caos e a estabilidade dinâmica. É a primeira vez que estas características caóticas são observadas num sistema quântico. Que nos vai isso trazer? A beleza da resposta é que não se sabe: a ciência também é imprevisível.
«Passeio Aleatório» - «Expresso» de 7 Nov 09