Por João Duque
JÁ HÁ MUITO que Dª Zezinha jurava a si mesma que tinha de mudar de vida. Mas as bolas eram de mais. Cada vez que entrava na pastelaria não resistia ao sorriso, em recheio amarelo, daquelas bolas de Berlim. E como "um minuto na boca, nas ancas toda a vida", a balança ia paulatinamente esticando a mola aferidora.
Um dia foi o fim. "Ó gorda! Vai mas é para dentro de água, ó baleia!", gritaram-lhe uns miúdos de dentro do carro eléctrico enquanto ela, afogueada e a rebentar o botão das calças justas a pedirem mais tecido, corria e perdia o trem. A partir de amanhã mudo de vida!
E mudou!
Com esta crise de origem financeira dissemos uníssono: Nunca mais! Logo, o mundo mudou!
Sim, mudou. As empresas cotadas voltaram a dar lucros, os máximos de doze meses. Estão cotadas nas mesmas bolsas e supervisionadas pelos mesmos reguladores, a realizarem basicamente as mesmas operações.
Sim, o mundo mudou. O mercado americano de acções teve uma das subidas mais vertiginosas da sua história em 2009.
Sim, o mundo mudou. Um ano após o subprime ter estoirado, empresas financeiras americanas apoiadas em imobiliárias americanas estavam a realizar contratos undoc: crédito não documentado. Significa que as respostas dadas pelos devedores quando preenchem candidaturas a empréstimos não têm de dar provas do que declaram, tal como a declaração de rendimentos que vai garantir o reembolso das dívidas que contraem. Em que balanços estão esses créditos undoc? Espero que não estejam a forrar o fundo do meu fundo de pensões...
Sim, o mundo mudou. As empresas que foram ajudadas pelos Estados nos seus meses difíceis e que suspenderam os planos de pagamento de remunerações extraordinárias aos seus gestores, estão agora a reembolsar rapidamente essas ajudas para se libertarem do jugo do Estado e assim poderem remunerar alegremente os seus gestores.
Sim, o mundo mudou. Como, em resultado da crise, assistimos a uma onda de concentrações forçada, e como ainda se não observaram os necessários spin-off ou as privatizações, as instituições financeiras estão cada vez maiores. Em lugar da tão enunciada justificação too big to fail estamos agora na situação de even bigger to fail.
Sim, o mundo mudou. O Banco Central Europeu bateu no mínimo de seis anos em acções de cedência de liquidez! A liquidez voltou ao normal! Os volumes de negócios em derivados voltam a crescer. Os spreads de risco de crédito estão a reduzir-se.
Sim, o mundo mudou. E nós? We are back in business!
Mas alguém queria que ele mudasse? O sr. Mervyn King, governador do Banco de Inglaterra, chamou recentemente a atenção para a urgente necessidade de prevenirmos as instituições financeiras de se tornarem too important to fail. A dificuldade está em operacionalizá-lo, mas há quem argumente que se deve consegui-lo com base em regras que punem quem cresce e não com limitações à dimensão ou à actividade. Claro que palavra de King vale mais que a de Duke...
Sim. Dª Zezinha sentou-se à mesa da pastelaria. Pediu uma bica, um copo de água e, munida da maior determinação de mudança, pediu segura: "- duas bolas de Berlim!"
«Expresso» de 14 de Novembro de 2009