J.L. Saldanha Sanches
O AUTOR LAUREADO (AL): Sr. Dr., cheguei a uma época da minha vida em que finalmente o meu labor incansável foi compensado. Vendo bastante por toda a parte e pagam-me bem. Mas aqueles ladrões do fisco ficam-me com tudo. O que me aconselha?
O Consultor Fiscal (CF): Que quer meu caro Mestre, isto é o país da inveja. Em vez de premiar o mérito, tributa-se. Mas talvez tenhamos algumas soluções. Qual a origem dos seus rendimentos?
AL: Uns são de cá, mas outros são do resto do mundo.
CF: Óptimo. Está disposto a mudar de país?
AL: Claro, estou farto desta piolheira. Este país não me merece.
CF: O que me diz de Londres, meu caro Mestre? Nem precisa de mudar a nacionalidade, basta residir lá. Tem uma vida cultural muito intensa: museus, música, teatro.
AL: Ora, ora… arte burguesa e decadente. Literatura e teatro que não estejam ao serviço da transformação social não me interessam nada.
CF: Claro, claro, meu caro Mestre. Esquecia-me que está de alma e coração com os explorados deste mundo. Como diz a canção: “De pé, famélicos da terra…”
AL: Não é canção, homem, é hino. Deixe lá isso. Em Londres as casas são caríssimas e está a ver-me a morar num bairro social com aquela gentinha? Outra solução.
CF (encavacado): Bermudas, Ilhas Caimão, Panamá?
AL: Detesto esses arrabaldes do imperialismo norte-americano. Um amigo da minha mulher falou-me das Canárias: diz que dá para uns arranjos fiscais muito interessantes. E está na União Europeia, essa coisa.
CF: Não conheço. Mas vou ligar para o nosso escritório em Madrid.
(Uns minutos depois)
CF: Já sei. Está tudo na net. É o Regime Económico Fiscal das Canárias, autorizado por Bruxelas por ser uma zona ultra-periférica. Como a Madeira, mas em bom…
AL: Madeira?! Eu não quero nada com a Madeira… Sempre ouvi dizer que aquilo era uma completa pouca vergonha.
CF: Não, não, é outra coisa. Até podemos sustentar que não é bem um paraíso fiscal. Mas se obtiver rendimentos e os reinvestir, ou fizer uma reserva, pode ter uma vantagem até 90%. Isso é que interessa!
AL: Reinvestir?! Então tenho que ser empresário? Homem, poupe-me. Eu não posso com essa gente. Não sou nenhum explorador do povo.
CF: Reinvestir é um modo de dizer. Tudo se arranja. Compra títulos de dívida pública das Canárias, com juros, ou certo tipo de activos e está reinvestido. Para os rendimentos vindos de fora, se conseguirmos que sejam tratados como royalties, a taxa é muito baixa.
AL: E isso não é ilegal? E não dará má-língua, falatório? Sabe, a minha imagem…
CF: Perfeitamente legal. E só nós, consultores fiscais, é que sabemos disto e não temos o hábito de falar de coisas que possam prejudicar os nossos clientes.
AL: E quanto aos rendimentos que vêm de Portugal? Como é que posso escapar?
CF: Mestre, os direitos de autor já pagam tão pouco… Mas faça uma fundação. Para a defesa do ambiente, ajuda aos mais pobres, essas coisas. Assim sempre tem um escritório em Lisboa. Dá sempre jeito.
AL: Boa ideia! E ainda hei-de conseguir que um político qualquer me dê uma sede. Até tenho uma debaixo de olho. Eu sei muito bem como se lida com essa gente…
«Expresso» de 31 de Outubro de 2009
O AUTOR LAUREADO (AL): Sr. Dr., cheguei a uma época da minha vida em que finalmente o meu labor incansável foi compensado. Vendo bastante por toda a parte e pagam-me bem. Mas aqueles ladrões do fisco ficam-me com tudo. O que me aconselha?
O Consultor Fiscal (CF): Que quer meu caro Mestre, isto é o país da inveja. Em vez de premiar o mérito, tributa-se. Mas talvez tenhamos algumas soluções. Qual a origem dos seus rendimentos?
AL: Uns são de cá, mas outros são do resto do mundo.
CF: Óptimo. Está disposto a mudar de país?
AL: Claro, estou farto desta piolheira. Este país não me merece.
CF: O que me diz de Londres, meu caro Mestre? Nem precisa de mudar a nacionalidade, basta residir lá. Tem uma vida cultural muito intensa: museus, música, teatro.
AL: Ora, ora… arte burguesa e decadente. Literatura e teatro que não estejam ao serviço da transformação social não me interessam nada.
CF: Claro, claro, meu caro Mestre. Esquecia-me que está de alma e coração com os explorados deste mundo. Como diz a canção: “De pé, famélicos da terra…”
AL: Não é canção, homem, é hino. Deixe lá isso. Em Londres as casas são caríssimas e está a ver-me a morar num bairro social com aquela gentinha? Outra solução.
CF (encavacado): Bermudas, Ilhas Caimão, Panamá?
AL: Detesto esses arrabaldes do imperialismo norte-americano. Um amigo da minha mulher falou-me das Canárias: diz que dá para uns arranjos fiscais muito interessantes. E está na União Europeia, essa coisa.
CF: Não conheço. Mas vou ligar para o nosso escritório em Madrid.
(Uns minutos depois)
CF: Já sei. Está tudo na net. É o Regime Económico Fiscal das Canárias, autorizado por Bruxelas por ser uma zona ultra-periférica. Como a Madeira, mas em bom…
AL: Madeira?! Eu não quero nada com a Madeira… Sempre ouvi dizer que aquilo era uma completa pouca vergonha.
CF: Não, não, é outra coisa. Até podemos sustentar que não é bem um paraíso fiscal. Mas se obtiver rendimentos e os reinvestir, ou fizer uma reserva, pode ter uma vantagem até 90%. Isso é que interessa!
AL: Reinvestir?! Então tenho que ser empresário? Homem, poupe-me. Eu não posso com essa gente. Não sou nenhum explorador do povo.
CF: Reinvestir é um modo de dizer. Tudo se arranja. Compra títulos de dívida pública das Canárias, com juros, ou certo tipo de activos e está reinvestido. Para os rendimentos vindos de fora, se conseguirmos que sejam tratados como royalties, a taxa é muito baixa.
AL: E isso não é ilegal? E não dará má-língua, falatório? Sabe, a minha imagem…
CF: Perfeitamente legal. E só nós, consultores fiscais, é que sabemos disto e não temos o hábito de falar de coisas que possam prejudicar os nossos clientes.
AL: E quanto aos rendimentos que vêm de Portugal? Como é que posso escapar?
CF: Mestre, os direitos de autor já pagam tão pouco… Mas faça uma fundação. Para a defesa do ambiente, ajuda aos mais pobres, essas coisas. Assim sempre tem um escritório em Lisboa. Dá sempre jeito.
AL: Boa ideia! E ainda hei-de conseguir que um político qualquer me dê uma sede. Até tenho uma debaixo de olho. Eu sei muito bem como se lida com essa gente…
«Expresso» de 31 de Outubro de 2009