segunda-feira, 2 de novembro de 2009

A ciência terrena

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Por Nuno Crato

COMO TEMOS A CERTEZA de estar a horas? Acertando o nosso relógio com um sinal horário ou com algum dos servidores disponíveis na Internet - é claro! Esses relógios de referência verificam o tempo por um sistema de relógios atómicos, que são os melhores marcadores de tempo que temos. Conseguimos uma precisão impensável até há algumas décadas.

Antes dos relógios atómicos - o primeiro foi inaugurado em Washington em 1949 -, o marcador de tempo mais preciso que se conhecia era o céu. Vem daí a tradição de serem os observatórios astronómicos os responsáveis pela hora legal.

Como podia o céu servir de relógio? Olhando para o firmamento pode-se seguir o movimento da Terra, pois é a rotação do nosso planeta que nos dá a ilusão do movimento dos astros. Seguindo-os, pode-se marcar o tempo, pois a velocidade de rotação do nosso planeta, não sendo perfeitamente uniforme, é suficientemente precisa para todos os propósitos práticos imagináveis até há algumas décadas.

Este e outros usos práticos da astronomia estão agora patentes numa exposição que abriu na antiga Escola Politécnica, em Lisboa, no actual Museu de Ciência. Com o título "Medir os céus para dominar a Terra", a mostra assinala o Ano Internacional da Astronomia de uma maneira singular. O tópico da exposição são as aplicações terrenas da astronomia, que constituíram muitas vezes o maior incentivo ao desenvolvimento desta ciência.

Medir o tempo foi um dos primeiros usos da astronomia. A construção de relógios de sol, muito bem tratada na exposição, necessitou de conhecimentos pormenorizados sobre o movimento aparente da nossa estrela. Mais tarde, a medida mais precisa do tempo baseou-se na passagem meridiana das estrelas e noutros acontecimentos celestes possíveis de marcar com maior exactidão.

Outro dos importantes usos práticos da astronomia foi a navegação. A princípio, fez-se uma medida rudimentar da latitude do lugar vendo a altura da estrela polar: quanto mais baixa esta estivesse mais perto se estaria do equador. Portugueses e outros desenvolveram a navegação astronómica transformando esta ideia aproximada numa técnica rigorosa. Fizeram-se medidas precisas da latitude dos lugares usando a Polar, o Sol e, depois, estrelas austrais que a Cruzeiro do Sul indicava. Para isso, construíram-se e aperfeiçoaram-se instrumentos e tabelas astronómicas.

Nesta exposição, o Museu de Ciência da Universidade de Lisboa mostra vários astrolábios, sextantes e outros instrumentos que permitiram a navegação orientada pelos astros. Tem também actividades para os mais jovens, que podem ser navegadores virtuais tirando medidas de alturas com réplicas de instrumentos da época.

Igualmente interessante é a forma como os céus ajudaram a medir a terra. Serpa Pinto, pioneiro da travessia de África, explica no seu relato de viagem como observava os satélites de Júpiter para perceber as coordenadas do local em que estava. A mostra da Politécnica explica como observações desse tipo permitiam medir as coordenadas do lugar e exibe instrumentos de topografia e muitos documentos históricos da cartografia portuguesa. É uma exposição que nos mostra a astronomia como ciência terrena.

«Passeio Aleatório» - «Expresso» de 31 de Outubro de 2009