sexta-feira, 24 de julho de 2009

É tempo de rapar tachos

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Por Manuel João Ramos



O DISCURSO POLÍTICO É UM CAMPO de metáforas constantes, nem todas de grande “elevação” ou “profundidade”. Uma das mais usadas em tempos recentes provêm da actividade financeira: fala-se de “descrédito” das propostas políticas e de “descredibilização” da classe política, para qualificar discursos em crise de sentido e posturas eticamente questionáveis.

Usam-se também metáforas biológicas, como a “morte” das ideologias ou o “insuflar vida” na política, para identificar a perda de objectivos utópicos colectivos que resultou do fim da guerra fria, e o actual estado de descrença nas ilusões de futuros risonhos.


Simultâneo ao “esgotamento” do sentido que atinge as propostas e programas partidários (uma metáfora a um tempo financeira e ecológica), desponta uma nova prática política – e um novo campo metafórico – que ganha especial incidência em períodos eleitorais: trata-se de “rapar o fundo do tacho”, “deitar mão” e “lançar a rede” às causas cívicas de modo a atrair votantes cada vez mais recalcitrantes.

Esta prática que nasceu em Portugal com a cooptação de sindicalistas ainda nos anos 70, estendeu-se posteriormente a “personalidades independentes”, em particular a docentes universitários, e chegou enfim aos “representantes da sociedade civil”, geralmente figuras de movimentos associativos e mandatários de anseios e insatisfações de temáticas sociais ou ambientais específicas.

Assistimos este Verão, com um olho na temperatura das águas balneares, na preparação do próximo Outono eleitoral, a um frenético “rapar o fundo do tacho” por parte dos organizadores de candidaturas – sobretudo autárquicas.
Vários universitários deixam agora o governo rejubilando-se porque, recorrendo a uma esconsa lei sobre “desempenho de cargos de interesse nacional”, se aprestam a pedir a subida de categoria no regresso às suas escolas (são os cadedráticos cangurus, que saltam sobre os colegas sem terem de provar competência para aceder aos novos cargos).

Outros estarão certamente a preparar o “salto” para a política (será uma metáfora de raiz desportiva ou contrabandista?). Vários associativos cedem à tentação melíflua de “marcar a agenda política” aceitando lugares fracamente elegíveis em listas autárquicas, enquanto outros “lambem as feridas” de tentações passadas.


Face a este “quadro” (uma metáfora artística), e não confiando que os guardiães das mesas de voto respeitem a brancura do meu boletim de voto sem se tentarem a marcar nele uma sorrateira cruz, desde já declaro que vou votar NULO (e, porque uma imagem vale mais que mil metáforas, vou tirar uma fotografia ao boletim com o meu telemóvel, ainda dentro da cabina de voto).