Por Nuno Crato
CONHECEMO-LOS DA ESCOLA: dizem-se primos os números inteiros maiores que a unidade e que apenas são divisíveis por si próprios e por um — 2, 3, 5 e 7 são primos, enquanto 4, 6 e 8 não o são. Dizem-se primos, não por nenhum parentesco especial, mas sim por serem primordiais, por serem os tijolos a partir dos quais se constroem todos os outros números. O teorema fundamental da aritmética diz precisamente que todos os inteiros são decomponíveis de maneira única, aparte a ordem, no produto de primos. O número 12, por exemplo, é o resultado do produto de 2 por 2 e por 3, e não há nenhuma outra colecção de primos capaz de o obter.
Sendo tão elementares que recebem esse curioso nome, pensar-se-ia que os números primos são triviais para os matemáticos, e que estes andariam à procura de segredos em matérias mais complexas. Na realidade, os primos têm-nos intrigado durante séculos e continuam a ser objecto de investigação.
Três séculos antes de Cristo já se sabia que há um número infinito de primos, mas não se lhes conhece nenhuma fórmula geradora. Distribuem-se aleatoriamente entre os números inteiros, mas fazem-no de forma muito regular. À medida que progredimos na contagem, a sua percentagem entre os inteiros reduz-se de acordo com uma lei simples. Quando procuramos perto do número dez mil, por exemplo, aproximadamente um em cada nove números é primo; quando estamos perto mil milhões, apenas um em cada 21 números o é.
O estudo estatístico dos primos tem-se desenvolvido nas últimas décadas, mercê de meios computacionais cada vez mais eficientes. Sabe-se, por exemplo, que os primeiros dígitos significativos dos primos se distribuem uniformemente. Assim, há aproximadamente tantos primos começados pelo dígito 1, como começados com o dígito 2, como 3, e assim sucessivamente até se chegar a 9 (o dígito zero nunca pode ser primeiro significativo).
Há poucos dias, dois matemáticos espanhóis acabaram de descobrir outro facto surpreendente. Se é verdade que os primeiros dígitos significativos dos primos têm todos igual probabilidade, o mesmo não se passa para sequências finitas. Se pegarmos nos primeiros mil primos, por exemplo, encontramos 149 começando com o dígito 1 e apenas 15 começando com o 9. É uma distribuição semelhante à da chamada lei de Benford, que tem sido encontrada em muitos exemplos reais, tais como a contabilidade de empresas, os números de porta de rua e os índices de preços. Os matemáticos Bartolo Luque e Lucas Lacasa, da Universidade Politécnica de Madrid, num artigo publicado na revista «Proceedings of the Royal Society A» (DOI: 10.1098/rspa.2009.0126), mostram que uma lei de Benford generalizada, que se aproxima da uniforme à medida que o número de casos aumenta, se ajusta bastante bem aos primos conhecidos. É uma lei descoberta por físicos, no decorrer do estudo de processos naturais aleatórios. Reaparece agora no estudo de um tema de matemática pura. O grande mistério do mundo é o da unidade da matemática.
«Passeio Aleatório» - «Expresso» de 4 de Julho de 2009