Por Baptista-Bastos
HÁ DIAS, O RUI VELOSO foi internado e operado de urgência, num hospital particular. A experiência permitiu-lhe dizer uma evidência que se oculta ou de que se fala com amena prudência: quem tem dinheiro salva-se; quem o não tem, morre. O mesmo acontece com a Justiça: ela só é cega para alguns.
Simultaneamente, prepara-se o assalto final à educação pública. Agora, esta: há treze hospitais, em Portugal, que tratam o cancro sem oncologistas! Como pode acontecer tanta coisa má e tão pouca coisa boa num belo país como é o nosso? Um poder que não é limitado por qualquer obrigação de tomar em conta as precisões da sociedade enfraquece-se a si mesmo.
"Falta consciência aos políticos", dizia, na televisão, um pescador de Sesimbra. Os náufragos do mundo moderno não encontram salvação nos paliativos que reproduzem as mentiras dos discursos. A ausência de consciência moral atinge uns e outros. Os módulos do Legos que constituíram a lógica social do nosso antigo viver estão fragmentados. "Se não há Deus e a alma é mortal, então, tudo é permitido", disse Dostoievski, através de Ivan Karamazov. Deus como consciência da realidade múltipla e não como religião do único. Quer dizer: a consciência dos valores e a religião dos princípios. Está tudo estilhaçado.
A dr.ª Manuela Ferreira Leite que surge, apopléctica e áspera, a chamar "mentiroso", a todo o instante, ao eng.º José Sócrates, não é melhor do que ele. Este diz que a promessa faz parte do corpus politicus, mas só diz meia verdade; a outra meia é o seu cumprimento, sempre raro e duvidoso. Quando duas vezes ministra, a dr.ª Manuela foi calamitosa. Exprimiu uma mediocridade autoritária, tornando impossível qualquer coabitação com os governados.
Nada de bom nos aguarda. O "rotativismo" moderno, imposto pelas circunstâncias históricas e pela inexistência (ou pela fraca existência) de forças opostas, não cede. O poder dos grandes interesses é imenso. E a mediocridade substitui-se à mediocridade, em todos os níveis e sectores. No entanto, a ascensão numérica da Esquerda em Portugal permite, acaso, a abertura de uma reflexão sobre as decisões que a sociedade toma quanto a consumo, produção, investimento, civilização e vida.
Que quer a dr.ª Manuela? Não se sabe, a não ser a sua ânsia de rasgar tudo o que Sócrates fez nos domínios do social. Só isso é, já de si, assustador, e criaria uma tessitura de conflitos cujos resultados seriam imprevisíveis. Os disparates que a senhora diz, com emocionante regularidade, têm uma importância de somenos. Mas reflectem as características do que pensa: uma privação absoluta de consciência social, que a torna extremamente perigosa. Não por ela, sim pelo que consigo arrasta e precipita.
«DN» de 22 de Julho de 2009