Por Alice Vieira
VIVI EM CASCAIS alguns dos melhores anos da minha vida. Anos que me marcaram profundamente: escrevi uma peça para o TEC e acompanhei os ensaios e todo o trabalho do teatro; escrevi um livro sobre a história da vila, que me fez praticamente “viver” meses na lindíssima biblioteca do Museu Castro Guimarães; entrevistei meio mundo para o “DN” ; corri as escolas todas da terra - e ainda tinha tempo para ouvir as histórias que o Sr. António, do bar da Praia da Duquesa, tinha para me contar de manhãzinha, quando eu acabava a volta pelo paredão e a freguesia ainda não tinha chegado.
Lisboa ficava no final da linha do comboio, que eu apanhava às 9 para ir para o jornal, e aonde regressava pelas sete da tarde.
A vila era luminosa, passeava-se pelas suas ruas, havia espaço para as pessoas.
Mas para mim os lugares nunca valem só por si: estão sempre intimamente ligados às pessoas que neles vivem comigo. E eu, que me gabo de ser racional, cabeça fria, pés na terra, a partir do momento em que a minha vida afectiva se desfez — fiquei absolutamente incapaz de voltar à vila.
Há sete anos que não entro naquela casa.
Há sete anos que não entrava em Cascais.
Até ontem.
Infringindo, não sei como, aquela regra de oiro que o Rui Veloso tão bem canta numa das suas canções—“nunca voltes ao lugar/ onde já foste feliz”— deixei-me levar pelo entusiasmo de um amigo, que achava que eu “precisava de espairecer”, e de repente vi-me enfiada num carro que corria pela marginal fora (desde que há auto-estrada, quem é que vem pela marginal?!), e a entrar em Cascais.
No centro de Cascais.
Sete anos depois.
Confesso: senti-me perfeitamente na pele de um emigrante que regressa à terra depois de 30 anos de ausência, queixos caídos, olhos esbugalhados, e uma porção de ”oh!” e “ah!” a saírem da boca (“que é do coreto?”, “coreto? qual coreto?”,”o que ficava ao pé da junta de freguesia!”, “ ó tempo que foi abaixo!”,“ah!”)
Cascais está a abarrotar de edifícios, de estruturas de vidro ou plástico no meio do jardim, de centros comerciais, de hotéis e mais hotéis e ainda mais hotéis, não deve haver palmo de terra que não tenha um hotel em cima, até a casa do ex-rei de Itália é um hotel!, só me espantei que o Museu dos Condes de Castro Guimarães não estivesse também já transformado num “Village” qualquer, mas não deve faltar muito.
Dizem-me que há óptimas coisas, o paredão arranjado, a ciclovia até não sei onde. Pois deve haver.
Mas olhamos, olhamos - , e não estamos em Cascais.
Olhamos, olhamos e de repente descobrimos que estamos, sei lá, em Marbella! E isto não é um elogio!
E volto a Lisboa, repetindo o verso de um poema de Manoel Bandeira: “Diabo leve quem pôs bonita a minha terra!”
«JN» de 4 de Julho de 2009