Por Antunes Ferreira
POR MAIS INCRÍVEL que pareça, não me dei conta do sismo. E estava acordado. Sem tirar nem pôr. Quando a minha mulher me chamou, agitadíssima, da nossa sala de estar, face ao tom que ela usava, larguei o que estava a fazer, ou seja, a arrumar umas coisas para a nossa viagem a Goa, e cheguei ao pé dela, ainda os copos e demais quinquilharia que ali temos tremelicavam, campainhando.
Não percebi o que se passava. E adiantei que teria sido mais uma façanha dos vizinhos de cima. Não fora; fora um terramoto. Como a Raquel não bebera sequer um copito de vinho ao jantar, nem tinha aspecto de quem delirasse, sosseguei-a dentro do possível. Ela estava, naturalmente, muitíssimo assustada. «Pareceu-me que aquela parede dançava e ia cair em cima de mim. E tu, sem teres sentido nada!...»
Daí a minutos, a televisão dava conta do acontecido. Um senhor abanão: 6 na escala de Richter e 5 na escala de Mercali. E, na manhã seguinte, o Instituto de Meteorologia vinha comunicar que se tratara do maior registado em Portugal há 40 anos. Realmente, o último de respeito fora em 1969. Curiosamente eu também não o sentira. Estava em Angola, que, ainda que na altura fosse «nossa», não ligara nenhuma ao movimento telúrico. Coisas.
Claro que desde 17 de Dezembro do ano que ainda decorre, a notícia entre os meus amigos e, até, entre os meus conhecidos, não foi o abalo: foi o estranho facto de eu não ter nenhum abalo. Tive gente que me inquiriu por diversos meios se tinha sido verdade. De princípio, refugiei-me na contra pergunta: o sismo? Parece que sim…
No entanto, o que queriam saber era se era verdade o não ter-me apercebido da ocorrência. E tantos foram os inquiridores – acrescento que estou quase certo de que o Torquemada não fez parte deles, mas foi o que se pôde arranjar – que pensei criar uma resposta tipo a colocar no atendedor de chamadas e/ou no gmail: é absolutamente verdade. Não senti o sismo – e não estava a ressonar.
Quando hoje escrevo estas linhas são quase sete da noite. De sexta-feira, 18. Ou seja um dia e horas sobre o caso. Ainda não realizei bem o que se terá passado comigo. Bruxaria não foi, ainda que em tais apertos me recorde sempre «que las hay, las hay». Mas como não acredito, até prova em contrário, há que o dizer, em feitiçarias, amuletos, figas e correlativos, decidi abandonar a hipótese.
Eureka! Eis que me surge uma explicação para tão insólito desatino. Passo a enunciar o discorrido à guisa de explicação. Estamos situados numa fractura da crosta terrestre? Estamos, mas não chega. Ou antes, chega para terramoto, mas não para uma tal distracção. Temos antecedentes com muita gravidade? Temos, mas também não chega. De que vale recordar 1755, se também não o senti? O malandro do tempo tem destas coisas, ponto final, parágrafo.
Não adianta continuar. O que, na verdade, se passou e passa e, pelos vistos, passará, é o (mau) hábito que temos destes movimentos inquietantes. Que se podem considerar, no caso vertente, mais tsunamis do que simples sismos. Como assim? Não se admirem. Não é de difícil compreensão, o tema.
Não é que estamos habituados quotidianamente às corrupções pmg, ou seja, pequenas, médias e gigantescas? Não é que estamos habituados aos despautérios inqualificáveis do ainda Presidente da República? Não é que estamos habituados à «excelência» da Justiça que temos por cá? Não é que estamos habituados à morosidade processual essa sim criminosa? Não é que estamos habituados às guerras do alecrim e da manjerona entre os seus dois representantes de maior relevo, o PRG e o Presidente do STJ?
Não é, ainda, que estamos habituados às promiscuidades entre agentes de coisas e causas que se presumem independentes? Às fraudes desportivas, ao incumprimento dos contratos, às quebras de todos os sacrossantos sigilos que existiam (bem ou mal)? Não é também que estamos habituados às promessas inconcebíveis e irrealizáveis? Não é que, enfim, estamos habituados ao etc. e tal?
Cismo sobre o sismo. E face a todos estes encontrões que no dia-a-dia sofremos e a que nos habituámos, por que bulas, devia eu ter-me dado conta do que aconteceu às 01:37 de quinta-feira?
POR MAIS INCRÍVEL que pareça, não me dei conta do sismo. E estava acordado. Sem tirar nem pôr. Quando a minha mulher me chamou, agitadíssima, da nossa sala de estar, face ao tom que ela usava, larguei o que estava a fazer, ou seja, a arrumar umas coisas para a nossa viagem a Goa, e cheguei ao pé dela, ainda os copos e demais quinquilharia que ali temos tremelicavam, campainhando.
Não percebi o que se passava. E adiantei que teria sido mais uma façanha dos vizinhos de cima. Não fora; fora um terramoto. Como a Raquel não bebera sequer um copito de vinho ao jantar, nem tinha aspecto de quem delirasse, sosseguei-a dentro do possível. Ela estava, naturalmente, muitíssimo assustada. «Pareceu-me que aquela parede dançava e ia cair em cima de mim. E tu, sem teres sentido nada!...»
Daí a minutos, a televisão dava conta do acontecido. Um senhor abanão: 6 na escala de Richter e 5 na escala de Mercali. E, na manhã seguinte, o Instituto de Meteorologia vinha comunicar que se tratara do maior registado em Portugal há 40 anos. Realmente, o último de respeito fora em 1969. Curiosamente eu também não o sentira. Estava em Angola, que, ainda que na altura fosse «nossa», não ligara nenhuma ao movimento telúrico. Coisas.
Claro que desde 17 de Dezembro do ano que ainda decorre, a notícia entre os meus amigos e, até, entre os meus conhecidos, não foi o abalo: foi o estranho facto de eu não ter nenhum abalo. Tive gente que me inquiriu por diversos meios se tinha sido verdade. De princípio, refugiei-me na contra pergunta: o sismo? Parece que sim…
No entanto, o que queriam saber era se era verdade o não ter-me apercebido da ocorrência. E tantos foram os inquiridores – acrescento que estou quase certo de que o Torquemada não fez parte deles, mas foi o que se pôde arranjar – que pensei criar uma resposta tipo a colocar no atendedor de chamadas e/ou no gmail: é absolutamente verdade. Não senti o sismo – e não estava a ressonar.
Quando hoje escrevo estas linhas são quase sete da noite. De sexta-feira, 18. Ou seja um dia e horas sobre o caso. Ainda não realizei bem o que se terá passado comigo. Bruxaria não foi, ainda que em tais apertos me recorde sempre «que las hay, las hay». Mas como não acredito, até prova em contrário, há que o dizer, em feitiçarias, amuletos, figas e correlativos, decidi abandonar a hipótese.
Eureka! Eis que me surge uma explicação para tão insólito desatino. Passo a enunciar o discorrido à guisa de explicação. Estamos situados numa fractura da crosta terrestre? Estamos, mas não chega. Ou antes, chega para terramoto, mas não para uma tal distracção. Temos antecedentes com muita gravidade? Temos, mas também não chega. De que vale recordar 1755, se também não o senti? O malandro do tempo tem destas coisas, ponto final, parágrafo.
Não adianta continuar. O que, na verdade, se passou e passa e, pelos vistos, passará, é o (mau) hábito que temos destes movimentos inquietantes. Que se podem considerar, no caso vertente, mais tsunamis do que simples sismos. Como assim? Não se admirem. Não é de difícil compreensão, o tema.
Não é que estamos habituados quotidianamente às corrupções pmg, ou seja, pequenas, médias e gigantescas? Não é que estamos habituados aos despautérios inqualificáveis do ainda Presidente da República? Não é que estamos habituados à «excelência» da Justiça que temos por cá? Não é que estamos habituados à morosidade processual essa sim criminosa? Não é que estamos habituados às guerras do alecrim e da manjerona entre os seus dois representantes de maior relevo, o PRG e o Presidente do STJ?
Não é, ainda, que estamos habituados às promiscuidades entre agentes de coisas e causas que se presumem independentes? Às fraudes desportivas, ao incumprimento dos contratos, às quebras de todos os sacrossantos sigilos que existiam (bem ou mal)? Não é também que estamos habituados às promessas inconcebíveis e irrealizáveis? Não é que, enfim, estamos habituados ao etc. e tal?
Cismo sobre o sismo. E face a todos estes encontrões que no dia-a-dia sofremos e a que nos habituámos, por que bulas, devia eu ter-me dado conta do que aconteceu às 01:37 de quinta-feira?