quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Crispado

.
Por João Paulo Guerra


O Natal português de 2009 tem uma receita deveras original: Natal crispado à portuguesa.

TOMEM UM CHEFE DE ESTADO e um chefe de Governo com maioria relativa, a um ano de eleições presidenciais. Misturem-se os interesses pessoais e partidários de cada um e intrigas quanto baste para apimentar a receita. Agite-se um tema fracturante, com o qual o Governo entenda ser possível estilhaçar as coligações negativas no Parlamento. Esprema-se a cooperação estratégica a ver se ainda dá algum sumo. Não dá.

Mande-se tudo para os jornais por interpostas pessoas: assessores offline ou em gozo de folga, opinion makers com opiniões pré-fabricadas e monitorizadas, credenciadas agências de recados, algumas palavrinhas às pessoas certas, umas quantas sugestões explícitas e outra tantas ameaças veladas. Deixar levedar até às edições dos jornais da manhã do dia seguinte e esperar por reacções nas rádios, televisões, jornais online, blogues e no boca-a-boca.

Misturar uma exagerada dose de dramatismo em toda esta mistela, sugerindo uma tragédia iminente. Polvilhar com ameaças de ingovernabilidade, eleições antecipadas, insolvência, bancarrota, catástrofes naturais, pandemias, criminalidade, terrorismo. Agitar tudo à hora dos telejornais. Seleccionar palavras fortes para responder aos pedidos de comentários sobre a perigosidade da situação actual: funesta, violenta, horrível, sinistra, soturna, pavorosa, fatídica, lúgubre, letal.

Preparar um cacharolete de mais algumas preocupações prioritárias para consumo público: exclusão, pobreza, desigualdades, desemprego, alterações climáticas, desertificação, criancinhas, velhinhos e pobrezinhos sem abrigo e sem Natal. Servir em mensagem de Natal à hora do jantar.

«DE» de 23 Dez 09