sábado, 12 de dezembro de 2009

O legislativo que quer ser executivo

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Por Antunes Ferreira

O DESPLANTE deveria pagar impostos – mas não paga. Deveria ter limites – mas não tem. Porque o desplante, como diria o Amigo Banana, é isso mesmo: um desplante. Não vou mais longe. Os comentários feitos pelo Presidente da República a propósito da hipótese da possível ingovernabilidade do País, são um desplante.

Cavaco Silva sustentou ontem no Porto que é possível um executivo minoritário governar bem. E citou como exemplo António Guterres que o fez ao longo de seis anos. Nada a opor. É, mesmo, quase comovente esse reconhecimento e a correspondente citação. Quem disse que na política à portuguesa não existe o fair play? Bastava esta afirmação do ainda inquilino de Belém para confirmar que sim senhor, existe.

Mas, o mais alto magistrado da Nação – repesco aqui terminologia que se aplicava normalmente ao almirante Américo Tomaz – deu-se ao luxo de simultaneamente mencionar o seu próprio caso. E sublinhou que ele próprio também governara, minoritário, durante dois anos. E, os dois, «nem por isso deixaram de aprovar diplomas», tais como «a lei de bases do sistema educativo, que elevou para nove anos a escolaridade obrigatória, o novo código comercial, lei de bases do ambiente e a lei das finanças locais e a lei de segurança interna"». A isto chamo ter o desplante de.

Cavaco Silva lembrou também que o Presidente da República «é a válvula de segurança» do Pais e apelou ao Governo e à oposição para que encontrassem «pontos em comum para resolver os problemas dos portugueses». «É tempo de diálogo aprofundado e de convergências. É isso que eu espero que aconteça». Respondia, assim, e uma vez mais indirectamente, ao apelo dos socialistas, nomeadamente António Vitorino, para que interviesse a fim de prevenir a ingovernabilidade possível.

Bem prega frei Tomás. O chefe do Estado acentuou ainda que não entra em retóricas de dramatização. Isto porque no seu ilustre entendimento, «as forças políticas acabarão por revelar bom senso». Não se referiu ao facto de ele próprio, no final do seu governo minoritário ter apelado dramaticamente à maioria absoluta que viria a conseguir.

Muito menos recordou o tabu que instalou em Portugal a propósito dos resultados eleitorais que se avizinhavam. Mais um exemplo de que muitíssimos homens e, entre eles, inúmeros políticos, não têm memória ou, pior, não querem tê-la. E, portanto, reafirmo que se tratou de um desplante o afirmado pelo PR.

Depois da triste figura que tinha feito através do incrível «esclarecimento» sobre a questão da insegurança informática da Presidência, que nos deixou absolutamente aparvalhados, tal a dimensão da asnática intervenção, veio agora Aníbal Cavaco Silva dar conselhos às «forças políticas», mas especificamente endereçados ao Governo. É um verdadeiro desplante.
Mas, num Portugal em que o Parlamento se quer substituir ao Executivo, tudo é possível. Pessoalmente, não me recordo de ter visto por estas bandas, alianças parlamentares que vão do BE ao CDS/PP, incluindo, portanto, os Verdes, e, ó originalidade, o PSD. Para impedir que as medidas do Governo passem no hemiciclo, apenas? Não me parece. Para detonarem a citada ingovernabilidade.

Creio que não é tempo de recusar dramatizar o que já está dramatizado. Ninguém pode pensar que a catástrofe financeira da Grécia é inatingível – por cá. Já não falo no que se disse em Atenas acerca da soberania nacional estar a ser posta em causa. Refiro-me tão-só ao retrato patético de uma «Oposição unida, que jamais será vencida». E se José Sócrates, apesar do Orçamento Rectificativo ter sido aprovado na AR, bater com a porta?