Por Nuno Crato
APROXIMA-SE O SOLSTÍCIO DE INVERNO, evento comemorado há muito por todas as civilizações. É o dia mais curto do ano, diz-se, o que torna ainda mais estranha a comemoração. Será que a humanidade detesta tanto assim o calor e a luz? Mais misterioso ainda: como sabiam os antigos, que não possuíam relógios, detectar com precisão os solstícios?
Na realidade, ainda antes de inventarem a escrita e dividirem os anos em meses e semanas, os homens assinalavam os solstícios e equinócios. Sabemo-lo pelos restos de cultos megalíticos, que nos mostram menires e outros marcos, dispostos de forma a assinalar os alinhamentos do Sol em alturas distintas do ano, nomeadamente nos solstícios e equinócios. O marco celestial mais antigo que se conhece, a anta de Newgrange, na Irlanda, que se estima ter sido construída há mais de cinco mil e trezentos anos, tem a sua entrada alinhada com o nascer do Sol no solstício de Inverno.
Sendo o dia mais curto do ano, o solstício de Inverno é o dia em que o Sol atinge a sua altura meridiana mínima. Assim, pelo meio dia solar, quando está exactamente a sul e atinge a altura máxima do dia, essa altura máxima é mínima, por comparação com todos os outros dias do ano. A maneira mais fácil de o verificar é pelas sombras. No dia do solstício, quando o Sol está exactamente a sul e a sombra a norte, essa sombra é mais longa do que em qualquer outro dia.
Se o leitor tentar pôr em prática este método de descoberta do solstício, verá que é mais trabalhoso do que parece. Terá de ter uma estaca relativamente alta e bem fixa. Terá de ir registando as sombras ao longo do dia, e de dia para dia. Quando a sombra atingir o comprimento mínimo, será o meio dia solar. E quando a sombra do meio dia solar for máxima, será o dia do solstício. Para medir tudo isto, terá de se ver o Sol, o que nesta altura do ano não é garantido. Determinar um solstício de Inverno é mais difícil do que parece.
O registo da altura do Sol ao longo do ano foi um tema de investigação importante para os astrónomos até aos séculos XVIII e XIX. Usavam-se instrumentos gigantescos, construídos nos locais mais insuspeitos. A grande meridiana da igreja de Saint Sulpice, em Paris, a linha de latão que atravessa o transepto da igreja e que foi celebrizada pelo “Código Da Vinci”, não era mais do que um grande auxiliar de calendário que media oscilações de solstício para solstício. Era um instrumento científico para medir a altura meridiana do Sol.
Outra maneira de detectar o solstício de Inverno, que talvez tenha sido a primeira usada na pré-história, será olhar para o local de nascimento ou ocaso do Sol. Quanto mais a sul esses pontos estiverem, mais perto se estará dessa data.
Imagina-se que os nossos antepassados, vivendo num mundo aterrorizador e sempre à mercê dos elementos, se tenham preocupado com as intempéries que o encurtamento do dia anunciava. Ver o Sol nascer e pôr-se cada dia mais a sul e verificar que a sua altura se reduz de dia para dia não era certamente muito reconfortante. A experiência dizia que esse movimento iria terminar. Que os dias se estavam a reduzir, mas que iriam de novo aumentar. Mas poder-se-ia ter a certeza?
A dúvida não era tão ingénua como nos pode parecer. O filósofo escocês David Hume (1711–1776) gostava de dizer que o facto de o Sol ter sempre nascido não garante que nascerá amanhã. Conhece-se-lhe a célebre frase, com que questionava a convicção de que a repetição de um evento seria garantia da sua repetição no futuro: “Dizer que amanhã o Sol não nascerá não é menos inteligível nem menos sujeito a contradições do que dizer que nascerá.” O homem pré-histórico tinha toda a legitimidade em perguntar-se: Será que o Sol alguma vez deixará de descer? Será que os dias voltam a ser longos e o calor reaparece?
O momento em que o Sol parava, em que a sua altura ao meio dia atingia um mínimo e deixava de descer, era pois um momento reconfortante — “solstitium”, em latim, significa precisamente “sol parado”. Esse dia, com que depois convencionámos marcar o princípio do Inverno, era um grande dia para o homem primitivo! Era o dia que reconfirmava que ao frio sucederia o calor, à intempérie sucederia o bom tempo e à morte sucederia a vida. Viva o solstício!
«Expresso» - «Única» de 19 Dez 09
Na realidade, ainda antes de inventarem a escrita e dividirem os anos em meses e semanas, os homens assinalavam os solstícios e equinócios. Sabemo-lo pelos restos de cultos megalíticos, que nos mostram menires e outros marcos, dispostos de forma a assinalar os alinhamentos do Sol em alturas distintas do ano, nomeadamente nos solstícios e equinócios. O marco celestial mais antigo que se conhece, a anta de Newgrange, na Irlanda, que se estima ter sido construída há mais de cinco mil e trezentos anos, tem a sua entrada alinhada com o nascer do Sol no solstício de Inverno.
Sendo o dia mais curto do ano, o solstício de Inverno é o dia em que o Sol atinge a sua altura meridiana mínima. Assim, pelo meio dia solar, quando está exactamente a sul e atinge a altura máxima do dia, essa altura máxima é mínima, por comparação com todos os outros dias do ano. A maneira mais fácil de o verificar é pelas sombras. No dia do solstício, quando o Sol está exactamente a sul e a sombra a norte, essa sombra é mais longa do que em qualquer outro dia.
Se o leitor tentar pôr em prática este método de descoberta do solstício, verá que é mais trabalhoso do que parece. Terá de ter uma estaca relativamente alta e bem fixa. Terá de ir registando as sombras ao longo do dia, e de dia para dia. Quando a sombra atingir o comprimento mínimo, será o meio dia solar. E quando a sombra do meio dia solar for máxima, será o dia do solstício. Para medir tudo isto, terá de se ver o Sol, o que nesta altura do ano não é garantido. Determinar um solstício de Inverno é mais difícil do que parece.
O registo da altura do Sol ao longo do ano foi um tema de investigação importante para os astrónomos até aos séculos XVIII e XIX. Usavam-se instrumentos gigantescos, construídos nos locais mais insuspeitos. A grande meridiana da igreja de Saint Sulpice, em Paris, a linha de latão que atravessa o transepto da igreja e que foi celebrizada pelo “Código Da Vinci”, não era mais do que um grande auxiliar de calendário que media oscilações de solstício para solstício. Era um instrumento científico para medir a altura meridiana do Sol.
Outra maneira de detectar o solstício de Inverno, que talvez tenha sido a primeira usada na pré-história, será olhar para o local de nascimento ou ocaso do Sol. Quanto mais a sul esses pontos estiverem, mais perto se estará dessa data.
Imagina-se que os nossos antepassados, vivendo num mundo aterrorizador e sempre à mercê dos elementos, se tenham preocupado com as intempéries que o encurtamento do dia anunciava. Ver o Sol nascer e pôr-se cada dia mais a sul e verificar que a sua altura se reduz de dia para dia não era certamente muito reconfortante. A experiência dizia que esse movimento iria terminar. Que os dias se estavam a reduzir, mas que iriam de novo aumentar. Mas poder-se-ia ter a certeza?
A dúvida não era tão ingénua como nos pode parecer. O filósofo escocês David Hume (1711–1776) gostava de dizer que o facto de o Sol ter sempre nascido não garante que nascerá amanhã. Conhece-se-lhe a célebre frase, com que questionava a convicção de que a repetição de um evento seria garantia da sua repetição no futuro: “Dizer que amanhã o Sol não nascerá não é menos inteligível nem menos sujeito a contradições do que dizer que nascerá.” O homem pré-histórico tinha toda a legitimidade em perguntar-se: Será que o Sol alguma vez deixará de descer? Será que os dias voltam a ser longos e o calor reaparece?
O momento em que o Sol parava, em que a sua altura ao meio dia atingia um mínimo e deixava de descer, era pois um momento reconfortante — “solstitium”, em latim, significa precisamente “sol parado”. Esse dia, com que depois convencionámos marcar o princípio do Inverno, era um grande dia para o homem primitivo! Era o dia que reconfirmava que ao frio sucederia o calor, à intempérie sucederia o bom tempo e à morte sucederia a vida. Viva o solstício!
«Expresso» - «Única» de 19 Dez 09