sábado, 6 de novembro de 2010

Casar e descasar

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Por Antunes Ferreira

ORA TOMA! De acordo com a última actualização de dados do INE, realizada a 15 de Outubro passado, em 2009 houve 26.464 divórcios e 40.391 casamentos. Diz a informação da Estatística, para que se possa apreciá-la devidamente e situá-la em conformidade, que os dados mais antigos disponíveis no site dela datam de 1914, 14 anos depois da primeira lei sobre o divórcio, ano em que houve só duzentos divórcios em Portugal.

Seguindo no tempo e aprendendo cada dia que passa, o que para mim é obrigatório e portanto saudável, em 1940 já havia mais de 600 casamentos dissolvidos por divórcio; mas foi preciso esperar pela revolução de Abril para Portugal ter mais de 1.500 divórcios num só ano, o que aconteceu pela primeira vez em 1975.

Continuando com o resumo do relatório do INE, de acordo com a Comunicação Social, dois anos depois ocorria um novo "boom"; atingia-se uma quantidade já apreciável: um total de 7773. O aumento pode ser explicado com a impossibilidade que vigorou durante o Estado Novo de acabar legalmente com um casamento católico, devido à Concordata assinada com o Vaticano, que só foi revista em 1975. Lembram-se do Salgado Zenha?

Então, o casamento era um sacramento, daí que o divórcio fosse um pecado. A Igreja, pilar da velha Senhora, mandava a eito na política enunciada e desenvolvida por Salazar. O Cardeal Patriarca Manuel Gonçalves Cerejeira, colega e amigo do Botas, era figura de Estado, tinha lugar privilegiado nas cerimónias oficias, mandava na Censura moralista.

Isto quer dizer que os Portugueses se vieram habituando a casar-se e a descasar-se. Como em tudo o resto, bom ou mau não é para aqui chamado, chegámos atrasados. As modas ente nós, já o dizia o Jacintinho de Tormes, são sempre tardias e normalmente copiadas do estrangeiro. Não nos esqueçamos que a galinha da minha vizinha é sempre melhor que a minha. Exceptua-se o caso de Espanha de onde não vem nem bom vento, nem bom casamento, mas de onde hoje vem a maior parte do que não produzimos ou, bem pior, do que deixámos de produzir.

Porém, o facto é que do País aqui ao lado, segundo o ditado, não vêm bons casamentos. Virão, então bons divórcios, consideração quiçá falaciosa e, pior, despropositada, até mesmo acintosa? As premissas de um silogismo nunca falharam, as conclusões decorriam naturalmente delas.

Mas, a tradição afirma-se que já não é o que era. Tenho as minhas dúvidas; continua a ser, só que travestida. É certo que uma boa parte da juventude opta por juntar os trapinhos; mas os templos e as conservatórias continuam a ter bastante peso numa sociedade de onde o conservadorismo nunca arrancou pé.

Hoje, com as preocupações e as suspeitas existentes sobre o estranhíssimo conúbio entre os senhores Sócrates e Passos Coelho, as antevisões do futuro divórcio, que são muitas, só divergem na data da ocorrência. Sem copo de água, presumo, porque agora é mais copo de uísque na boda da separação legal.

Há, ainda quem argumente com a actual legalidade dos casamentos homossexuais. Que, dizem, são muito mais constantes do que os hetero. Espíritos malignos, mesquinhos, desprezíveis, intriguistas e torpes sempre houve e sempre haverá. Tal como os casamentos e os divórcios. Honni soit.