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Por Rui Tavares
HÁ UNS MESES, no Rio de Janeiro, ouvi Lula explicar como entendia ele ser de esquerda, ou por outras palavras, como entendia ele a sua esquerda: “é fazer primeiro o necessário, começando pelo mais simples; depois é fazer o possível; logo, logo, o impossível vai estar acontecendo”.
Lula defendia que esse modus operandi o distinguia da esquerda de “à europeia”, que se caracteriza por aceitar as estruturas de poder como elas estão, mas também da esquerda “Chico Alencar”, do nome de um político brasileiro que saiu do PT para fundar o Partido Socialismo e Liberdade, que deseja chegar ao socialismo “de uma vez só” (na descrição de Lula, que talvez não fosse a dos sujeitos em causa).
Lula ia pontuando a sua explicação com exemplos adequados a qualquer pessoa e plateia. Fazer o necessário era começar pelos mais pobres; contrariamente ao que se costuma pensar, fazer política começando pelos mais pobres não é um bicho-de-sete-cabeças. “Na verdade é muito simples”, dizia Lula, “é fazer saneamento básico sempre e só fazer viaduto quando é preciso”. “No passado”, continuava ele repetindo uma das suas bengalas de linguagem que mais irritam a oposição, “os prefeitos só queriam fazer viaduto porque podiam por lá o nome deles e todo o mundo via; não queriam fazer saneamento básico porque corre enterrado e não dá votos. Mas com o saneamento básico feito é menos criança pobre que corre descalça e pega doença; com a bolsa-família é mais criança pobre que estuda; portanto, é muito simples”. Da mesma forma Lula passava para o possível e, concluía, “como vocês estão vendo, logo-logo o impossível vai estar acontecendo”.
O impossível, de certa forma, aconteceu. Quem diria que o Brasil iria chegar a 2010 como uma respeitada potência global? Nos últimos 16 anos a democracia brasileira tem funcionado bem — e lembrem-se que o ponto de partida foi Collor de Mello. Fernando Henrique Cardoso fez também o necessário: domar a hiperinflação. Lula fez o possível: tirar 20 milhões da pobreza. Se Dilma Rousseff no futuro próximo (e talvez Aécio Neves num futuro hipotético) domarem a corrupção e a violência nas grandes cidades — aí está o impossível que nós gostaríamos de ver acontecer.
Como se desenrascaria Obama no teste do necessário-possível-impossível desenhado por Lula? É cedo para dizer.
Desde logo, Obama começou pelo impossível: ser eleito. Fez apenas parte do necessário: a reforma do sistema de saúde. Fez apenas parte de outra parte do necessário: a reforma do sistema financeiro, na qual deveria ter ido mais longe com uma nacionalização-reprivatização de alguns bancos e com um estímulo à economia adequado à dimensão da catástrofe. E fracassou completamente em outra parte do necessário: fechar Guantánamo e limpar os estábulos de Áugeas do complexo militar e de informações americano, ainda dominado pela doutrina do medo que vem de Bush.
Naquilo em que Obama sofreu nesta eleição, pode argumentar-se que foi porque procurou demasiado o centro, permitindo que os seus adversários o caracterizassem como fraco e fugissem ainda mais para a direita.
Mas isso não é causa para nenhum regozijo. Não há Lulas no hemisfério Norte. Quem se queixa de Obama, olhe para a paisagem que temos: Sócrates, Sarkozy, Merkel, Barroso, Cameron e quejandos. Obama está à esquerda de todos, e mais ainda de uma dinâmica política americana ameaçada por um extremismo de direita agressivo e completamente desligado da realidade. Se Obama falhar o teste, pode ser culpa dele; mas o mal será de nós todos.
.Por Rui Tavares
HÁ UNS MESES, no Rio de Janeiro, ouvi Lula explicar como entendia ele ser de esquerda, ou por outras palavras, como entendia ele a sua esquerda: “é fazer primeiro o necessário, começando pelo mais simples; depois é fazer o possível; logo, logo, o impossível vai estar acontecendo”.
Lula defendia que esse modus operandi o distinguia da esquerda de “à europeia”, que se caracteriza por aceitar as estruturas de poder como elas estão, mas também da esquerda “Chico Alencar”, do nome de um político brasileiro que saiu do PT para fundar o Partido Socialismo e Liberdade, que deseja chegar ao socialismo “de uma vez só” (na descrição de Lula, que talvez não fosse a dos sujeitos em causa).
Lula ia pontuando a sua explicação com exemplos adequados a qualquer pessoa e plateia. Fazer o necessário era começar pelos mais pobres; contrariamente ao que se costuma pensar, fazer política começando pelos mais pobres não é um bicho-de-sete-cabeças. “Na verdade é muito simples”, dizia Lula, “é fazer saneamento básico sempre e só fazer viaduto quando é preciso”. “No passado”, continuava ele repetindo uma das suas bengalas de linguagem que mais irritam a oposição, “os prefeitos só queriam fazer viaduto porque podiam por lá o nome deles e todo o mundo via; não queriam fazer saneamento básico porque corre enterrado e não dá votos. Mas com o saneamento básico feito é menos criança pobre que corre descalça e pega doença; com a bolsa-família é mais criança pobre que estuda; portanto, é muito simples”. Da mesma forma Lula passava para o possível e, concluía, “como vocês estão vendo, logo-logo o impossível vai estar acontecendo”.
O impossível, de certa forma, aconteceu. Quem diria que o Brasil iria chegar a 2010 como uma respeitada potência global? Nos últimos 16 anos a democracia brasileira tem funcionado bem — e lembrem-se que o ponto de partida foi Collor de Mello. Fernando Henrique Cardoso fez também o necessário: domar a hiperinflação. Lula fez o possível: tirar 20 milhões da pobreza. Se Dilma Rousseff no futuro próximo (e talvez Aécio Neves num futuro hipotético) domarem a corrupção e a violência nas grandes cidades — aí está o impossível que nós gostaríamos de ver acontecer.
Como se desenrascaria Obama no teste do necessário-possível-impossível desenhado por Lula? É cedo para dizer.
Desde logo, Obama começou pelo impossível: ser eleito. Fez apenas parte do necessário: a reforma do sistema de saúde. Fez apenas parte de outra parte do necessário: a reforma do sistema financeiro, na qual deveria ter ido mais longe com uma nacionalização-reprivatização de alguns bancos e com um estímulo à economia adequado à dimensão da catástrofe. E fracassou completamente em outra parte do necessário: fechar Guantánamo e limpar os estábulos de Áugeas do complexo militar e de informações americano, ainda dominado pela doutrina do medo que vem de Bush.
Naquilo em que Obama sofreu nesta eleição, pode argumentar-se que foi porque procurou demasiado o centro, permitindo que os seus adversários o caracterizassem como fraco e fugissem ainda mais para a direita.
Mas isso não é causa para nenhum regozijo. Não há Lulas no hemisfério Norte. Quem se queixa de Obama, olhe para a paisagem que temos: Sócrates, Sarkozy, Merkel, Barroso, Cameron e quejandos. Obama está à esquerda de todos, e mais ainda de uma dinâmica política americana ameaçada por um extremismo de direita agressivo e completamente desligado da realidade. Se Obama falhar o teste, pode ser culpa dele; mas o mal será de nós todos.
In RuiTavares.Net