.
Por Antunes Ferreira
SE AINDA SUBSISTIAM dúvidas sobre a intervenção política da Igreja Católica, Apostólica e Romana neste País, elas ficaram, agora, eliminadas. Kaput. Tirem daí o sentido; nem pó.
Muito se tem falado do conúbio entre António de Oliveira Salazar e Manuel Gonçalves Cerejeira, relação que começara nos bancos do seminário onde ambos tinham estudado. Naturalmente, qualquer deles negava essa ligação verdadeiramente umbilical, pois que vinha do ab initio de ambos.
Um exemplo, apenas. A censura. Politicamente, eram os censores administrativos, em estreita relação com o Polícia de Vigilância e Defesa do Estado, depois PIDE e finalmente DGS. Moralmente, os sacerdotes é que se desempenhavam dessa função. Em estreita conexão com a PVDE/PIDE/DGS. Nem se podia dizer vermelho, era encarnado, nem se podia deixar passar, até nas histórias aos quadradinhos, hoje BD, um tímido seio meio desnudo.
Recordo aqui o tremendo imbróglio que o Padre José Felicidade Alves (que me casou e baptizou os meus primeiros dois filhos, quando eu era católico, mas depois curei-me) originou com a denúncia desses procedimentos. O pároco de Belém, que haveria de despadrar-se e, nos últimos dias da sua vida, seria reincorporado na Ecclesia, não teve medo de fazer o que fez – porque tinha razão.
Os próceres do clero vingavam-se então da Lei da Separação da Igreja e do Estado que a «criminosa República» publicara a 20 de Abril de 1911. Cardeais, bispos, arcebispos e correlativos, durante o Estado Novo, esfregaram as mãos de contentes, bateram palmas e retomaram as cruzadas contra os maus costumes, contra a imoralidade que os republicanos tinham trazido para o país à beira mar plantado. Ou seja, contra os infiéis.
Passaram os anos e as Concordatas. Os curas e seus superiores sempre foram aconselhando os fiéis no domínio da política, inclusive do púlpito. Hereges houve-os, há e haverá. Os do passado, passaram; os do presente, cuidado com os votos nos esquerdalhos: os do futuro, a Deus pertencem. Pelo menos, é assim que diz o ditado, muito possivelmente oriundo do Vaticano in illo tempore.
Veio agora a Igreja Católica portuguesa erguendo a voz contra «jogos político-partidários pouco transparentes» e, aparentemente num repto de resistência ao acordo através do qual o PS e o PSD viabilizaram para o Orçamento, pedir aos Portugueses para não pactuarem com «consensos políticos mínimos». Numa posição muito dura, mas, claro, sem se referir directamente à negociação e aprovação do Orçamento do Estado, os bispos fazem a sua leitura do actual momento político, apelando para que o Governo socialista ajude os mais desfavorecidos.
Perante a complexidade da crise, os bispos exigiram, ainda o fim «da atribuição de remunerações, pensões e recompensas exorbitantes» numa ocasião em que "ao lado estão pessoas a viver sem condições mínimas de dignidade". Mas, a «exigência» não é, salvaguardam, «um puxão de orelhas a ninguém», sim «uma constatação» perante o anúncio das medidas de austeridade.
O bispo D. Jorge Ortiga, presidente da CEP, acentuou que «o bem comum da nação assume prioridades nos critérios da construção do nosso futuro». E acrescentou que «lucros indevidos, meros proveitos eleitorais e resultados oportunistas não servem a recuperação nacional».
Nesta hora de crise, finalizou o prelado que a Igreja compromete-se, «sem protagonismos», a articular os seus serviços para darem uma resposta qualificada aos mais desfavorecidos. Cristo dissera no seu tempo que era «mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no reino de Deus».
A Igreja portuguesa pretendeu recordar que o aggiornamento não foi apenas o fulcro do eurocomunista defendido pelo italiano Enrico Berlinguer e pelo seu camarada espanhol Santiago Carrillo; foi, sim, de João XXIII no Concílio Vaticano II. Mas, não refere, sintomaticamente o «compromisso histórico». Lá terá as suas razões. A promiscuidade entre a religião e a política é assim a modos do wrestling: parece que se trata de luta, mas é tudo fingido.
Por Antunes Ferreira
SE AINDA SUBSISTIAM dúvidas sobre a intervenção política da Igreja Católica, Apostólica e Romana neste País, elas ficaram, agora, eliminadas. Kaput. Tirem daí o sentido; nem pó.
Muito se tem falado do conúbio entre António de Oliveira Salazar e Manuel Gonçalves Cerejeira, relação que começara nos bancos do seminário onde ambos tinham estudado. Naturalmente, qualquer deles negava essa ligação verdadeiramente umbilical, pois que vinha do ab initio de ambos.
Um exemplo, apenas. A censura. Politicamente, eram os censores administrativos, em estreita relação com o Polícia de Vigilância e Defesa do Estado, depois PIDE e finalmente DGS. Moralmente, os sacerdotes é que se desempenhavam dessa função. Em estreita conexão com a PVDE/PIDE/DGS. Nem se podia dizer vermelho, era encarnado, nem se podia deixar passar, até nas histórias aos quadradinhos, hoje BD, um tímido seio meio desnudo.
Recordo aqui o tremendo imbróglio que o Padre José Felicidade Alves (que me casou e baptizou os meus primeiros dois filhos, quando eu era católico, mas depois curei-me) originou com a denúncia desses procedimentos. O pároco de Belém, que haveria de despadrar-se e, nos últimos dias da sua vida, seria reincorporado na Ecclesia, não teve medo de fazer o que fez – porque tinha razão.
Os próceres do clero vingavam-se então da Lei da Separação da Igreja e do Estado que a «criminosa República» publicara a 20 de Abril de 1911. Cardeais, bispos, arcebispos e correlativos, durante o Estado Novo, esfregaram as mãos de contentes, bateram palmas e retomaram as cruzadas contra os maus costumes, contra a imoralidade que os republicanos tinham trazido para o país à beira mar plantado. Ou seja, contra os infiéis.
Passaram os anos e as Concordatas. Os curas e seus superiores sempre foram aconselhando os fiéis no domínio da política, inclusive do púlpito. Hereges houve-os, há e haverá. Os do passado, passaram; os do presente, cuidado com os votos nos esquerdalhos: os do futuro, a Deus pertencem. Pelo menos, é assim que diz o ditado, muito possivelmente oriundo do Vaticano in illo tempore.
Veio agora a Igreja Católica portuguesa erguendo a voz contra «jogos político-partidários pouco transparentes» e, aparentemente num repto de resistência ao acordo através do qual o PS e o PSD viabilizaram para o Orçamento, pedir aos Portugueses para não pactuarem com «consensos políticos mínimos». Numa posição muito dura, mas, claro, sem se referir directamente à negociação e aprovação do Orçamento do Estado, os bispos fazem a sua leitura do actual momento político, apelando para que o Governo socialista ajude os mais desfavorecidos.
Perante a complexidade da crise, os bispos exigiram, ainda o fim «da atribuição de remunerações, pensões e recompensas exorbitantes» numa ocasião em que "ao lado estão pessoas a viver sem condições mínimas de dignidade". Mas, a «exigência» não é, salvaguardam, «um puxão de orelhas a ninguém», sim «uma constatação» perante o anúncio das medidas de austeridade.
O bispo D. Jorge Ortiga, presidente da CEP, acentuou que «o bem comum da nação assume prioridades nos critérios da construção do nosso futuro». E acrescentou que «lucros indevidos, meros proveitos eleitorais e resultados oportunistas não servem a recuperação nacional».
Nesta hora de crise, finalizou o prelado que a Igreja compromete-se, «sem protagonismos», a articular os seus serviços para darem uma resposta qualificada aos mais desfavorecidos. Cristo dissera no seu tempo que era «mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no reino de Deus».
A Igreja portuguesa pretendeu recordar que o aggiornamento não foi apenas o fulcro do eurocomunista defendido pelo italiano Enrico Berlinguer e pelo seu camarada espanhol Santiago Carrillo; foi, sim, de João XXIII no Concílio Vaticano II. Mas, não refere, sintomaticamente o «compromisso histórico». Lá terá as suas razões. A promiscuidade entre a religião e a política é assim a modos do wrestling: parece que se trata de luta, mas é tudo fingido.