quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Proximidade

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Por João Paulo Guerra

É REVELADOR que perante uma austeridade que já está a fazer sofrer milhares de portugueses, e vai fazer sofrer muitíssimos mais, as manifestações de preocupação e solidariedade surjam da parte de instituições e pessoas que mantêm com as populações relações de proximidade.

Estou a falar das notícias de iniciativas que começam a surgir todos os dias por parte de igrejas, autarquias e escolas, que lidam directamente com as pessoas e com o seu sofrimento, e não têm de tudo isso apenas visões abstractas, insensíveis e reduzidas a números, como é o caso do poder central.

Uns mais que outros, os governantes são cada vez mais uns petulantes que passam pelo povo a alta velocidade e rodeados de escoltas, dentro de carros de vidros fumados, para encontros com os seus iguais, do país e da Europa, tão distantes como eles próprios de quem os elege e lhes paga as contas. A classe política, passada a tormenta das campanhas eleitorais, em que é forçada a descer até junto do povo eleitor, uma vez eleita reduz o povo a percentagens, vazias de pessoas e de casos humanos. Lá do alto vislumbra-se a abstracção de um quinto da população em situação de pobreza, mas não se vêem os pobres. Nos círculos do poder tudo é conforto, bem-estar, abastança e ostentação. É por isso que, nas fotos de família, os governantes estão sempre satisfeitos consigo próprios, risonhos, por mais tristonhos que andem os respectivos governados.

Ao contrário, as instituições que lidam em proximidade com a população sabem que a austeridade não consiste tão simplesmente em meia dúzia de algarismos que se cortam nos orçamentos. E a pobreza tem caras, nomes, casos, tem filhos e família, tem aflições e desespero, enquanto a caravana do poder passa, cercada de seguranças e de altivez.
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«DE» de 11 Nov 10