quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Suttree

Desafio de 31 Dez 09 - Prémio

Feliz Década Nova

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Por João Duque

HÁ UMA MANIA, ERRADA, de considerar que as décadas se iniciam no dia 1 de Janeiro de um ano de último dígito 0. Ah, porque é que é errado? Porque não havendo ano zero, a primeira década terá começado no dia 1 de Janeiro do ano 1 e acabado no dia 31 de Dezembro do ano 10. E por aí adiante… Mas porque todos insistem nessa ideia, desisto, e vou eu próprio alimentá-la falando da Nova Década.

Sabemos como Portugal está. Se todos percebemos, se tivéssemos juízo, ou nos íamos embora deixando o país só, com as suas dívidas para que os credores o viessem pilhar levando o que entendessem, ou atacávamos os problemas de frente e tomávamos decisões corajosas: baixávamos salários (como os irlandeses), aumentávamos impostos (como os Gregos), atrasávamos a data para a reforma ou reduzíamos o seu valor (ou ambas as coisas – como os Britânicos), reduzíamos os benefícios de ordem social, etc., etc., etc. Mas isso, ninguém quer e por isso ninguém vai ter coragem de fazer nem de propor em eleições que queira seriamente vencer…

Também podemos tirar dos dedos os últimos anéis e vendê-los: as reservas de ouro do Banco de Portugal (se o BCE nos deixasse), as últimas participações financeiras nas empresas já privatizadas, privatizávamos os últimos redutos (CGD, ANA, …) os solos públicos, as Berlengas, a Ilha de Faro, as praias… Claro que isso também ninguém quer.

Mas a minha ideia é que ainda vão surgir algumas “tábuas de salvação”, não porque façamos alguma coisa por isso, mas porque alguns irão fazê-lo. Explico.

O que é que fizemos nós para termos o direito a vender o espectro de emissões de rádio, de televisão, etc? Nada. A canseira de investir, estudar e descobrir, produzir equipamentos e vendê-los foi feito pelos outros, mas logo o nosso Estado vem e diz: “se querem emitir aqui, têm de se licenciar, uma vez que o “espaço hertziano” é público”!

Por isso, uma boa saída para a amortização de alguma desta dívida brutal que amontoamos, poderá estar nos mercados que estão para nascer e que nem sonhamos. Alguém pensaria há 100 anos que se poderia retalhar o “espaço” dos domínios da net? Ou retalhar o “espaço” de frequências de telemóveis? Pois eu estou convencido que dentro de 10 anos, dada a velocidade de desenvolvimento tecnológico, novos “espaços” se desdobrarão à frente do Estado português para a partir daí se atarefar na venda, por grosso ou a retalho, desses “espaços” que hoje ainda não sou capaz de dizer quais são, mas estou seguro que eles vão aparecer… E, agora o mais bonito, não teremos de mexer uma palha. “Eles” vão trazer-nos de bandeja o que nós queremos: “espaços” para venda…

A questão está em saber: se terão valor e se conseguimos sobreviver para lá chegar. A crise Grega vai atirar-nos rapidamente para a fogueira do escrutínio apurado dos mercados de dívida e, ou o novo Orçamento traz medidas draconianas, ou vamos fazer companhia aos gregos, mas não é na final do Europeu …

Um desejo: que a Nova Década seja cheia dos inversos da Velha Década que acabamos de terminar.

«Expresso» de 24 Dez 09

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Passatempo Calimero de 29 Dez 09 - Solução

Uma vez que foi atribuído, o livro foi retirado da lista de prémios disponíveis.

O Ano Novo do Doutor De Castro

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Por Nuno Crato

NA UNIVERSIDADE DO ESTADO DO TEXAS, em Huntsville, o professor John M. De Castro dedica-se ao estudo dos hábitos alimentares. Ao longo dos anos tem produzido um número impressionante de trabalhos sobre os condicionantes da dieta humana. Recruta voluntários a quem pede para anotarem durante semanas tudo o que comeram, quando comeram, onde comeram e como comeram. Estuda depois os dados com métodos estatísticos rigorosos.

Há tempos, lendo um interessante livro de Christian Camara e Claudine Gaston (Pourquoi les marmottes ne fêtent pas le nouvel an?) reparei que estes dois divulgadores científicos se divertiam a imaginar como comeria o Doutor De Castro e como seria o seu dia-a-dia. Talvez ele se distraísse pouco, fizesse uma vida solitária e andasse tristonho pelas ruas. Pelo menos, segundo os seus artigos, é a melhor maneira de não comer demais.

Fui ler alguns estudos do insigne psicólogo. Um dos mais citados analisa os hábitos alimentares de gémeos monozigóticos que vivem separados. Conclui que os genes determinam quase metade das características alimentares das pessoas, sendo a outra parte derivada do ambiente. Em alguns aspectos a influência é menor. O excesso de consumo, em particular, parece ser quase todo derivado da permissividade no ambiente familiar de infância. Mas a maneira como esse excesso se repercute na obesidade advém sobretudo de factores genéticos.

Noutro estudo, o psicólogo texano mostra como é importante tomar um bom pequeno almoço, almoçar razoavelmente e comer pouco ao jantar. Parece sensato. Mas quando o Doutor De Castro estuda o ambiente em que se tomam as refeições, as coisas tornam-se pretas. Os exageros na comida estão associados com o tempo que se passa à mesa e com o número de convivas. Em média, quando estamos com um comensal comemos mais 33% do que quando estamos sozinhos. Se formos três, cada um de nós come 47% mais; se formos quatro, 58%, e por aí adiante. Não há dúvida! O Doutor De Castro passou a consoada sozinho e vai entrar no Ano Novo na mesma companhia.

Suspeito também que o seu “réveillon” se passe em silêncio. Os seus estudos concluíram que a música de fundo propicia um aumento de quase 20% de calorias consumidas e de 30% de bebidas. Ainda mais assustador é o que acontece com a luz. As suas investigações têm concluído que uma boa iluminação, natural ou artificial, talvez por facilitar um ambiente agradável, propicia um repasto saturado. Imagino que o Doutor De Castro passe a noite de Ano Novo às escuras.

Fiquei definitivamente assustado quando li um artigo que ele escreveu em 1993. Mostra uma relação positiva entre a fase da Lua e o excesso alimentar. A correlação não é grande (cerca de 8%), mas é positiva. Pensei que o melhor seria virar as costas para a Lua e fechar as janelas. Mas o seu estudo, na sequência de outros que indicam a existência de ritmos biológicos alinhados com o ciclo lunar, conclui que a influência é inevitável, embora moderada, e que não depende da exposição à Lua. Assustado, fui ver o almanaque e confirmei as minhas piores premonições. A lua cheia acontece este 31 de Dezembro.

Pensei melhor. Este fim de ano, pelo menos, vou-me tentar esquecer do Doutor De Castro. Talvez me relembre dos seus conselhos já entrado em 2010.

«Passeio Aleatório» - «Expresso» de 27 de Dezembro de 2009

Passatempo-relâmpago de 29 Dez 09 - Solução

Evidentemente...
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NOTA: Havia um professor do IST que dizia muitas vezes que os portugueses são muito bons a inventar coisas úteis, mas péssimos a acarinhá-las (e, consequentemente, a mantê-las operacionais).
Neste caso, o pilarete do meio começou por ser derrubado, e depois levado dali. Isto está assim há semanas.
Pergunta-se: funcionários da Câmara que ali passam a toda a hora (como, p. ex., os agentes da P. Municipal) não teriam obrigação de participar estas e outras coisas semelhantes?

domingo, 27 de dezembro de 2009

Quatro décadas: da mudança à incerteza - Intervenção na Academia das Ciências de Lisboa

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Por António Barreto

ERA UM PAÍS FECHADO. Um Estado autoritário. E um povo inculto. Era Portugal do início dos anos sessenta. Pequeno, pobre e periférico. País rural, quarenta por cento da população, mais do que qualquer outro na Europa ocidental. Uma alta natalidade estava na origem da população mais jovem do continente. Uma obscena mortalidade infantil (mais de oitenta por mil) e uma esperança de vida reduzida (sessenta anos para os homens e sessenta e cinco para as mulheres) denunciavam o atraso social e económico. Os horizontes eram fechados, a escola medíocre e insuficiente, a saúde pública quase inexistente, poucos os empregos industriais e a liberdade diminuta. A maior parte dos agregados domésticos não tinha acesso aos serviços públicos de água, de electricidade ou de saneamento. As infra-estruturas eram pobres e ineficazes, as deslocações eram difíceis. Os portugueses viajavam pouco dentro do seu próprio país. O número de analfabetos elevava-se a quarenta por cento da população. Legalmente oprimidas, as mulheres tinham pouco empregos (apenas quinze por cento da população activa), eram mantidas à margem do espaço colectivo e não tinham o mesmo estatuto de cidadania que os homens: viviam e morriam, em maioria, fechadas nas suas vidas domésticas. Era assim que viviam os portugueses há cinquenta anos.

À margem da Europa, o país vivia um relativo isolamento. Virado para o Atlântico e para África, onde possuía o último e imenso império colonial, os seus contactos com os países vizinhos eram reduzidos. Para as autoridades políticas, o isolamento era uma virtude. A tradição nacional, que valorizava o catolicismo e a ruralidade, era defendida e cultivada. A memória de um passado glorioso era o substituto de um futuro incerto. O oceano, fonte de memórias antigas, abria o país ao mundo. Mas a fronteira terrestre separava-o, mais do que aproximava, do único e grande vizinho, com o qual as relações não eram, quase nunca tinham sido, próximas, boas e amistosas. O Ultramar era o horizonte. Poderoso na ideologia e na retórica, mas afastado na geografia e na economia. A versão oficial proclamava uma sociedade multirracial, da Europa à Ásia. Mas, na verdade, a sociedade portuguesa era uma das mais homogéneas de todas as europeias. Os seus traços característicos punham em evidência uma grande unidade cultural, religiosa e étnica. Uma só língua dava forma a esta homogeneidade. Nas ruas das cidades, era raro, muito raro, cruzar um africano, um asiático ou qualquer outro estrangeiro. Além de tudo isto, o regime autoritário reforçava a ausência de pluralidade na sociedade portuguesa.

Sem vocação agrícola notável e sem recursos minerais (carvão, ferro, petróleo), a economia exibia as taxas de produtividade mais baixas da Europa. O nível de vida das populações era de uma pobreza certa. A permanente emigração para o Brasil e outros países da América Latina traduzia as dificuldades do desenvolvimento. Só em finais dos anos cinquenta e início dos sessenta é que a emigração para o Ultramar, Angola sobretudo, ganhou algum relevo. Curiosamente, aumentou durante os anos de guerra.

No final desta década de cinquenta, o regime corporativo ou do “Estado Novo” conhecia uma espécie de apogeu. O país tinha sido poupado à guerra e as reservas financeiras eram boas. Apesar da pobreza do povo, o Estado era relativamente rico. O governo acreditou que poderia, a partir de então, sem correr os riscos do capitalismo de livre iniciativa, prever e conduzir o crescimento económico. Apesar da ditadura de vinte anos, Portugal acabara de ser aceite pela comunidade internacional: a OTAN, a ONU e a EFTA receberam a adesão do país. O governo não tinha cedido, após o fim da guerra, aos direitos do homem, à democracia ou às liberdades públicas. Mau grado essas circunstâncias, podia agora sentar-se à mesa internacional, ao lado das democracias ocidentais e dos vencedores da segunda guerra. O facto era tanto mais notável quanto a Espanha não fora aceite na OTAN e não apresentou a sua candidatura à EFTA. É possível que, sem esta complacência ocidental e democrática, o regime não tivesse durado tanto, ainda mais vinte anos. Não o saberemos nunca. Mas é verdade que o clima internacional, a guerra fria e a cumplicidade amistosa de bom número de governos ocidentais contribuíram para a longevidade do regime.

Mas a História tem os seus caprichos. Nos últimos anos de cinquenta e primeiros de sessenta, uma série de acontecimentos vai mudar o panorama nacional. Novas forças começam a preparar-se para que o povo, as instituições e as empresas encetem uma longa e surpreendente jornada. A campanha eleitoral de 1958, durante a qual surgiu a figura do general Humberto Delgado, deu esperança aos opositores e ameaçou o governo. O início do Concílio Vaticano II inquietou os poderes estabelecidos e abriu novas vias aos católicos portugueses. Ou, em qualquer caso, inquietações e esperanças. A famosa “carta do Bispo do Porto” deixou o governo crispado e comoveu muitos católicos. A ponto de o Bispo, no regresso de uma viagem a Roma, ter sido impedido de regressar a Portugal. Os movimentos estudantis, muito activos, revelaram um embrião de classe média e uma nova audácia. O início das guerrilhas em Angola foi a prova maior. A conquista de Goa, pelos exércitos da União Indiana, em 1961, deixou o país e o seu chefe de governo em estado de choque. E nem sequer a violência indiana ou o terrorismo das primeiras acções independentistas foram motivos suficientes para conferir razão e solidez à causa do governo.

Ao mesmo tempo, a energia e a pressão económica da Europa em reconstrução estimularam uma emigração sem precedentes: mais de um milhão e meio de portugueses vão emigrar no decurso dos próximos anos. Já não vão para as Américas: é a Europa, especialmente a França, o novo destino. A integração europeia de Portugal começou então, com os cidadãos, antes do Estado. Ao mesmo tempo, o turismo fez vir ao país milhões de estrangeiros. Em conjunto, estas novas realidades, emigração e turismo, tiveram consequências indeléveis nas mentalidades e nos comportamentos. No mesmo sentido contribuiu, apesar do controlo do Estado, a televisão, criada em 1957. Nessa altura, a escola ainda não assumia uma cobertura completa do país e a escolaridade estava longe de ser universal. Quer isto dizer que a televisão se transformou no principal unificador cultural do país. Antes de os portugueses saberem todos ler e escrever, antes de terem adquirido hábitos de leitura, nomeadamente de jornais, já se tinham adaptado à televisão como meio de informação.

Na economia, preparava-se uma nova era. A adesão à EFTA teve efeitos imediatos: a abertura comercial permitiu um formidável crescimento industrial. Os investimentos estrangeiros apareceram e novas empresas viradas para a exportação instalaram-se por todo o país. Criaram-se novos hábitos. Uma nova organização do trabalho, uma produtividade elevada e salários superiores eram agora possíveis. Em muitas áreas rurais, foi esta a altura da revolução industrial. Tanto para a manufactura, como mesmo para certo tipo de agricultura, abriam-se novas oportunidades. Cerca de 1974, o país conhecia o pleno emprego, para o que contribuíram a industrialização, a guerra colonial e a emigração. Pela primeira vez, havia emprego abundante para as mulheres. Vinte anos mais tarde, elas serão metade da população activa.

Toda a sociedade estava em mudança. Por efeito de várias forças, incluindo a guerra do Ultramar que ocupava, anualmente, bem mais de cem mil soldados. As consequências deste esforço foram devastadoras. Tanto social, como económica e politicamente. A guerra esgotava os recursos e os espíritos. Por causa da guerra, as hipóteses de democracia eram menores. Por causa da guerra, jovens partiam para o estrangeiro. Mas, paradoxalmente, a guerra tinha outros efeitos. Por um lado, provocou a mistura, o “brassage” das populações, até então fechadas nas suas regiões e nas suas comunidades rurais. Por outro, estimulou a democratização dos costumes: a hierarquia militar e a camaradagem reinam na guerra e no regimento onde as divisões sociais se esbatem. A mudança surgia por todo o lado. Só a política parecia resistir. Apesar de se terem desenhado alguns conflitos dentro das esferas do poder, os responsáveis políticos estavam convencidos de que era possível resistir e fazer frente à nova sociedade que nascia sob os seus pés e diante dos seus olhos. Sem as colónias, dizia-se, o regime acabaria e Portugal não sobreviria. A primeira parte da previsão seria talvez verdade, como se verificou. A segunda era evidentemente retórica. Portugal mudaria com certeza. Autista, a elite política preparava o seu túmulo e seria varrida de cena em 1974. Mas a revolução e a contra-revolução que se seguiram e conduziram à fundação do primeiro regime democrático português, foram sobretudo o resultado das mudanças sociais que as precederam.

Aparentemente, a revolução de 1974 teve como causa a recusa dos soldados de prosseguirem uma guerra sem solução à vista. A descolonização que se seguiu foi feita à pressa e desajeitadamente, num processo que não deixa razões para orgulho. Em casa, o movimento político transformou-se rapidamente em revolução. Democrática para uns, socialista para outros. Na verdade, como todas as revoluções, foi ambígua. Depois de um ano de vitórias radicais (com nacionalizações de empresas e sectores produtivos, ocupações de casas e terras, expropriações sem compensação, prisões arbitrárias e controlo estatal da imprensa e da televisão), os moderados levaram a melhor e, como quase sempre depois de acontecimentos deste alcance, ganharam as eleições. Militares e partidos de extrema-esquerda são afastados do governo. Entre 1976 e 1982, as instituições do poder político ficam civis e legítimas. Uma espécie de normalização democrática corre o seu curso. Começaram as reprivatizações. A pluralidade de partidos, da imprensa e de opiniões é restaurada, ou antes, estabelecida.

Apesar do êxito deste processo, Portugal perdeu tempo. Precioso, segundo o que sabemos hoje. Com a guerra que se eternizava, o regime autoritário que se arrastava, uma revolução que perturbou e uma contra-revolução que se improvisou, o país perdeu tempo, energias e recursos, assim como criou conflitos e abriu feridas. Que perturbaram ou atrasaram a evolução futura. Conhecemos hoje, da península Ibérica à Europa central e de Leste, experiências pacíficas de transição rápida, tão surpreendentes quanto a portuguesa, que demonstram como, com outros tipos de mudança radical, se ganhou tempo e energia, em vez de perder.

É possível, no entanto, que, de todo este processo, não tenham sobrado, para além da evidente crispação da vida política que dura até hoje, sequelas irreversíveis. O crescimento económico, o regime democrático inexperiente mas funcional e a integração europeia ajudaram a esta espécie de reconstrução necessária depois das vicissitudes políticas. A ponto de se poder falar, hoje, pela primeira vez em dois séculos, de uma espécie de “consenso constitucional”. Apesar das divergências e dos conflitos, mau grado a crispação, o essencial parece ser aceite pela maioria. Ninguém fica de fora: não há exilados, deportados ou refugiados; não existe o delito de opinião, não há presos políticos nem censura. Monárquicos e republicanos, católicos e ateus, capitalistas e socialistas, judeus e muçulmanos, todos coexistem. “Coisa pequena”, dirão alguns. Talvez. Mas, em Portugal, acontece pela primeira vez.

Até ao fim dos anos 1990, vários ciclos caracterizam a vida colectiva dos portugueses. Aqueles foram percorridos a uma grande velocidade. Em primeiro lugar, o crescimento económico. Segundo, a transição demográfica. Terceiro, a fundação do Estado democrático. Finalmente, a integração europeia. Não obstante as dificuldades e a sucessão de crises que levaram o país à beira de desastres maiores, estas diversas etapas foram completadas com uma certa euforia. Nesse período, o espírito do tempo foi feito de muitos e contraditórios sentimentos. O de libertação e de paz, depois de uma guerra e de uma ditadura. O de abertura a espaços e horizontes ilimitados. O do consumo e do conforto material acrescido. O das benfeitorias de um Estado de protecção universal e igualitário. O do acesso generalizado à escola e à cultura. O da modernidade longamente adiada. O do crescimento das aspirações sem entraves. Os portugueses passaram a sonhar menos com glórias do passado e a pensar mais, com realismo relativo, no presente. Na verdade, o balanço de três décadas vividas a passo estugado é impressionante.

Em trinta ou quarenta anos, a mudança foi vasta e profunda. Um país tradicionalmente patriarcal e “machista” cedeu diante da nova igualdade entre sexos. As mulheres são finalmente integradas na vida pública, no trabalho e na escola. Estão ainda longe de chegar aos cargos mais altos da política e da grande empresa económica e financeira, mas já fazem parte, sendo por vezes maioritárias, da Administração Pública e das Universidades. Ainda não obtiveram a igualdade de salários na empresa privada, mas aquela já vigora na administração. O seu estatuto social e político é talvez equivalente ao das mulheres europeias, mas foi conseguido num curto espaço de tempo. Foi esta, com certeza, uma das principais revoluções silenciosas do Portugal contemporâneo.

Ainda neste período, a população mais jovem da Europa, com uma alta natalidade e uma baixa proporção de idosos, envelheceu rapidamente e regista hoje muito baixas natalidade e fecundidade, fenómeno que, estranhamente, parece não preocupar, nem sequer ocupar as atenções dos responsáveis ou das elites. No decurso desta transição demográfica, graças ao desenvolvimento da saúde pública e dos costumes, a mortalidade infantil recuou para níveis surpreendentes: a sua taxa é hoje uma das mais baixas do mundo. Paralelamente, as famílias reduziram-se e estão limitadas a duas gerações e a menos de três pessoas em média. O número de pessoas vivendo sozinhas cresce. Aumenta rapidamente o número de idosos a viver em instituições especializadas. A permissividade de costumes está na origem da diversidade de famílias: casamentos serôdios, filhos “fora do casamento”, divórcios, segundos e terceiros casamentos e uniões de facto são numerosos. Estas são tendências previsíveis e semelhantes às que se verificam noutros países. O que surpreende é a rapidez da transição, assim como o seu carácter tardio.

Herdeiro aparente de uma só cultura, Portugal era um país homogéneo onde se falava apenas uma língua, se rezava a um só Deus, se obedecia a um patrão, seguia um partido ou pertencia a uma etnia. Este país já quase não existe, está em transformação acelerada. A pluralidade de pessoas e culturas é visível nas ruas e nos espaços colectivos. Mais uma vez, é como alhures na Europa, mas, para os portugueses, é uma novidade absoluta e uma realidade construída de fresca data. Da mesma maneira, um poder opressivo, piramidal, vertical, unitário e fortemente centralizado fragmenta-se e divide-se: hoje existe uma diversidade de centros de poder, nacionais e locais, políticos e económicos, sociais e culturais.

Um fornecedor tradicional de mão-de-obra para as Américas e África e, mais recentemente, para a Europa, transformou-se, desde os anos noventa, num país de acolhimento de centenas de milhares de imigrantes de África, do Brasil e da Europa central e de Leste. Esta é uma viragem absoluta e uma ruptura fundamental com o Portugal tradicional. Depois de séculos de emigração, eis que o país é também acolhimento. Antes dos imigrantes, já o país tinha recebido, num só ano, cerca de 600.000 ditos “retornados”, naquele que foi talvez o maior e mais rápido movimento de população, em tempos de paz, da história da Europa. A relativamente fácil e pacífica integração desta população constitui ainda hoje um feito ímpar e pouco estudado.

O crescimento industrial e de serviços foi, durante vinte a trinta anos, muito significativo e semelhante ao dos “tigres asiáticos”. Entre 1960 e 1990, Portugal registou um crescimento superior a todos os países europeus. Taxas anuais da ordem dos 7% ou 8% eram possíveis. Crescimentos industriais anuais superiores a 15% verificaram-se neste país, onde, aliás, caso único na Europa, a população activa industrial nunca foi maioritária. Com efeito, a população do sector dos serviços passou directamente do terceiro para o primeiro lugar.

Uma sociedade que deixava os mais fracos, os idosos, os pobres e os doentes ao cuidado da sorte, da caridade, do gesto privado e das igrejas conseguiu organizar, em muito pouco tempo, um Estado de protecção, um Estado Providência. Este, embora pobre, é universal e não discrimina. Em 1960, a Segurança Social apoiava cerca de 120.000 pensionistas. Estes são hoje perto de dois milhões e meio, o que não deixa de criar problemas muito sérios, dada a pressão demográfica e financeira exercida sobre o sistema. Com efeito, só 1,7 trabalhadores activos suportam um pensionista, o que é o mais baixo rácio de toda a Europa.

Uma sociedade onde o “caciquismo”, a “cunha”, o favor cúmplice, o nome de família e os “conhecimentos” tinham, ainda recentemente, toda a importância, começa a conhecer um volte face. Não que o mérito tenha já, de um dia para o outro, ganho o predomínio. Mas percebem-se os sinais de começo de uma nova ordem, de novos costumes. A igualdade perante a lei é reconhecida. O mérito e a avaliação técnica independente começam a ser praticados. O reconhecimento do primado do cidadão e de seus direitos foi um passo importante. Cada vez mais, pensa-se que os conflitos possam ser resolvidos em tribunal ou, pelo menos, com recurso ao Direito. Todos os domínios da vida, da família à herança, do comércio ao trabalho, são abrangidos pelo novo entendimento da força da lei e do Direito. Os cidadãos tomam consciência dos seus direitos. A procura de Justiça cresce. Os empresários e os trabalhadores, assim como os proprietários, os inquilinos e os agricultores assinam contratos escritos e formais. Estamos ainda longe de uma sociedade meritocrática, mas os símbolos e as formas começam a ser visíveis.

Uma população pobre, realmente pobre, mal alimentada, frequentemente doente, mal alojada e sem acesso aos serviços públicos básicos, conheceu finalmente trinta anos de melhoramento constante do seu bem-estar. Mais de dois terços das famílias vivem hoje em casas de que são proprietárias. A quase totalidade é servida de água, gás e electricidade, usufruindo de cozinha, de uma qualquer forma de aquecimento e de água quente. Tudo isso está longe, muito longe dos menos de um terço dos agregados familiares que tinham esses benefícios. Entre os anos setenta e oitenta, o primado foi para os grandes equipamentos colectivos, as redes de esgotos, de electricidade, de gás e de água. Depois, com os anos noventa, chegou o tempo dos electrodomésticos: telefone, televisão, frigorífico, automóvel e outros. Gradualmente, a estrutura de despesa e de consumo dos agregados mudava também. A alimentação e a renda de casa representam uma muito menor proporção, enquanto as deslocações, a roupa, a educação e a cultura aumentam a sua parte.

Desde a década de ouro, na economia, dos anos sessenta a setenta, os portugueses viveram vinte a trinta anos de progresso permanente. É verdade que fizeram a experiência de várias crises, na política ou na economia. Mas nada interrompeu, de modo profundo, um melhoramento real do bem-estar. A esperança era mais do que um sentimento: era uma certeza. O presente parecia bom, o futuro ainda melhor. No entanto, por volta dos finais dos anos noventa, a euforia começou a ser posta em causa. A incerteza apareceu. Seguida de perto pela dúvida e a inquietação. O que parecia ter sido adquirido já o não era. O progresso já não era constante e linear. Depois de ter conhecido as delícias do crescimento e do conforto, os portugueses compreenderam que nada é definitivo. A democracia não era, afinal de contas, igual a educação, emprego ou eficiência da Administração Pública. A Europa não era a garantia do bem-estar e da segurança. O país começou a ver as suas taxas de crescimento abrandar e ficar aquém das médias europeias. Não era uma tragédia, mas, sofrendo de uma espécie de obsessão comparativa, com os outros países da Europa, descobriu-se que, desde o início dos anos 2000, o endividamento nacional aumentava muito rapidamente. Gastava-se muito mais do que se tinha e produzia. No conjunto, Estado, empresas, bancos e famílias devem mais de cem por cento do produto nacional. Este estado de coisas fica a dever-se ao crescimento rápido, a bastante demagogia política e ao consumo público e privado quase sem limites. Mas também a um défice comercial permanente. A parte dos recursos naturais e dos bens manufacturados ronda um terço da produção nacional, o que é sinal alarmante, sobretudo num país cujos serviços são pouco competitivos. A insuficiência de recursos tornou-se evidente: além da pobreza natural, faltava inteligência profissional, organização e capital.

A própria vida política tornou-se fonte de inquietação. A aparente estabilidade era, afinal, frágil. Um número excessivo de ministros (mais de vinte e cinco...) nalguns postos chave (Educação, Saúde, Obras Públicas, Finanças...), em trinta anos, mostra uma das razões pelas quais as políticas públicas não foram constantes, a ponto de darem frutos. Sinais de corrupção apareceram com insistência. Em dez anos, dois Primeiros-ministros abandonaram as suas funções e um foi demitido. Por duas vezes, realizaram-se eleições antecipadas. Por duas vezes, o Parlamento foi dissolvido, uma delas contra a vontade da maioria dos deputados. Uma legislatura completa, de quatro anos (de 2005 a 2009), não bastou para criar o sentimento de estabilidade. Até porque foi seguida, há poucos dias, de um Parlamento e de um governo sem maioria.

A explosão das classes médias, em plena expansão da sociedade de consumo, foi acompanhada do crescimento das desigualdades sociais e económicas. Não houve, é certo, aumento dos excluídos, mas a distância entre os mais ricos e os mais pobres é maior. Sabe-se que o progresso económico, assim como o da educação e da formação profissional, podem, numa primeira fase, reforçar as desigualdades. Foi o que aconteceu em Portugal. Todas as classes sociais ganharam e viram aumentar o seu nível de vida, mas as diferenças entre elas são mais nítidas. Há, na tradição, na cultura, nas políticas públicas e nas estruturas sociais, factores que reforçam a desigualdade. Nesse sentido, a sociedade portuguesa é injusta.

O desemprego, que nunca atingiu em Portugal os valores da maior parte dos países europeus, recomeçou a crescer bem antes da grande crise de 2008/2009. As empresas portuguesas têm dificuldade em suportar a concorrência dos países asiáticos, tanto quanto a de países mais produtivos da Europa. A chegada, ao mercado interno europeu, dos países da Europa central e de Leste, deixou a economia portuguesa debaixo de uma pressão para a qual não estava preparada. Apesar dos esforços de vários governos, as finanças públicas não conseguem chegar a um equilíbrio sustentado. A instabilidade financeira ameaça os sistemas sociais públicos, cuja despesa é já superior, proporcionalmente, à da maior parte dos países europeus. Aquando da grande crise de 2008-2009, um elemento perturbador surgiu ainda: o Estado português, tal como tantos outros na Europa, demonstraram crescente incapacidade de prevenção e deficiente capacidade de reacção diante dos problemas modernos e as ameaças contemporâneas.
Depois de um crescimento extraordinário, a educação pública revelou uma qualidade medíocre: o abandono e o insucesso são os mais elevados do mundo ocidental; a formação cultural e técnica dos alunos deixa a desejar, como o demonstram as estatísticas internacionais. Em termos comparativos, as capacidades técnicas da mão-de-obra portuguesa são muito inferiores às dos países parceiros ou concorrentes. A produtividade dos trabalhadores portugueses encontra-se no fundo da escala. E as tentativas de reforma, feitas em sucessão, parecem não melhorar significativamente este estado de coisas, numa altura em que a ideia de aprendizagem, quase lúdica, se sobrepõe à de ensino, que desvaloriza. Num tempo em que a equívoca noção de competência adquire o primado sobre a de saber. Ou numa altura, enfim, em que se tenta reduzir a Universidade a um tecto, retirando-lhe o papel orientador da ciência e da investigação que devia ter.
Por sua vez, o sistema de saúde pública, o Serviço Nacional de Saúde, não mostra resultados em linha com o enorme esforço financeiro de que é responsável. Não parecem faltar médicos, enfermeiros, hospitais ou equipamentos, em paralelo com os nossos vizinhos: mas a organização dos serviços e o poder das corporações profissionais são tais que o tempo de espera médio e o desperdício de recursos, segundo o Tribunal de Contas, são enormes.
O sistema de Justiça, servido proporcionalmente por mais juízes, procuradores e advogados que em outros países europeus, está em crise séria desde há vários anos: os atrasos são excessivos, os custos são elevados e a confiança que os cidadãos depositam nos seus juízes e tribunais, encontra-se, segundo sondagens sustentadas, no mais baixo ponto.

A abertura económica à Europa e ao mundo, provável responsável por alguns dos êxitos mais notáveis das últimas décadas, está também na origem de ameaças de que se não tem tomado suficiente consciência. As empresas, pouco habituadas à mudança e à inovação, largamente dependentes do Estado ou de grupos internacionais, têm dificuldade em colocar as indústrias e os serviços à altura da concorrência internacional. Em certa medida, muitas recorrem ainda a um trunfo do passado: o custo reduzido da força de trabalho. Mas é agora tarde demais: outros, na Europa de Leste e na Ásia, fazem-no melhor.

É verdade que a indústria portuguesa está longe do que era há trinta anos. O têxtil já não é o primeiro sector de exportação e os recursos naturais já quase não pesam na balança. Agora, são as indústrias mecânicas, electrónicas e do automóvel que ocupam os primeiros lugares na produção e na exportação. É verdade. Mas a dependência do exterior e a fragilidade subsequente, nomeadamente em tempos de crise internacional, são sinais de fraqueza do sector no seu conjunto. A isso acrescenta-se o declínio das actividades do mar, da terra e da floresta. A euforia da industrialização tardia e da urbanização dos anos sessenta a oitenta relegou estes sectores para as margens das preocupações políticas e das orientações estratégicas nacionais.

A União Europeia, com as suas políticas comuns desenhadas para outros países e outros climas, estimulou no mesmo sentido. Deu-se uma espécie de troca: a indústria, as estradas, as comunicações e a energia contra o mar, a agricultura e a floresta. Os recursos europeus e nacionais foram canalizados para as primeiras, enquanto nos outros sectores, considerados pertencerem ao passado, o esforço foi sobretudo o de retirar activos. O país importa hoje mais de dois terços da sua alimentação e metade dos produtos do mar que consome. Em poucos anos, a população activa na agricultura e outros sectores primários passou de 40% a menos de 6% do total. Trata-se de uma mudança previsível, em acordo com as tendências das sociedades contemporâneas, mas que decorreu demasiado rapidamente sem deixar uma agricultura produtiva à altura das necessidades. O mundo rural português é hoje povoado de pessoas idosas ou simplesmente abandonado. Muito poucas explorações tiveram êxito na reconversão e na adaptação às exigências europeias e internacionais.

Paralelamente, uma urbanização demasiado rápida conduziu milhões de pessoas às áreas metropolitanas de Lisboa e Porto. Inevitavelmente, nestas condições e na ausência de um Estado com tradição e competência de ordenamento, este processo foi desordenado, mesmo caótico em muitos casos. Os principais problemas sociais contemporâneos encontram-se hoje nestas áreas urbanas. Não mais, como se dizia há três ou quatro décadas, no mundo rural atrasado e pobre, mas no universo urbano descuidado, onde, além do mais, morrem os centros urbanos históricos e se desvitaliza uma parte essencial da identidade nacional.

É nestas aglomerações que o tráfico automóvel se transformou num problema maior. Os portugueses renderam-se ao automóvel, no que foram ajudados por uma política de construção de auto-estradas que mudou o país. As deslocações internas, tradicionalmente difíceis, podem hoje ser rápidas e simples num país “mais pequeno” onde todos estão perto uns dos outros. Mas o tempo perdido, todos os dias, nos movimentos pendulares, mostra que os ganhos em eficiência tiveram um preço elevado.

Na vida pública e política, a corrupção tornou-se entretanto um problema real. Ajudada pela democracia, assim como pela liberdade de imprensa, a informação sobre a corrupção está generalizada, se bem que quase nunca fundamentada e identificada. O dinheiro aparentemente fácil, as tentações de um mercado aberto e a inexistência de poderes de regulação eficazes ajudam. Os hábitos dos grandes grupos económicos que viveram sempre perto do Estado e o peso excessivo de uma Administração minuciosa criaram uma situação pouco confortável, agravada pela eventual colaboração de alguns políticos e eleitos. Pior: parece haver poucos meios de luta contra esta praga. A Justiça funciona mal e não está à altura. Há momentos em que se tem a sensação de que não existe antídoto para a actividade dos predadores do Estado e do bem público.

O crescimento rápido da população estrangeira, mais de 5% do total, é uma das grandes novidades da sociedade portuguesa. Africanos de Cabo Verde, de Angola e da Guiné, Brasileiros e Ucranianos formam os principais grupos de estrangeiros estabelecidos. Esta nova experiência, a coexistência com imigrantes dentro das nossas fronteiras, revelou-se, após duas ou três décadas, geralmente positiva. Isto é, estabeleceram-se relações cordiais, sem atritos ou conflitos excessivos, entre as várias comunidades. As condições sociais de alguns destes grupos, nomeadamente nas concentrações em bairros degradados de carácter étnico, não são as melhores e podem transformar-se em fonte de perturbações. Mas pode dizer-se que, até hoje, ocorreu uma espécie de integração natural. De qualquer modo, esta realidade, paralela ao movimento de emigrantes portugueses para o estrangeiro, obriga a sociedade e as autoridades a reflectir na inescapável natalidade e na dinâmica demográfica. São estes problemas invisíveis, que as populações evitam, mas que estão sempre presentes. Em geral, quando se tornam evidentes, é tarde de mais.

Os portugueses vivem muito melhor do que há trinta anos. A Europa, a globalização, o crescimento económico e a liberdade diminuíram os efeitos dos principais constrangimentos históricos: a pequena dimensão, a pobreza de recursos e a situação periférica. No entanto, apesar de transformados, ainda pesam. Ainda somos periféricos, pobres e de relativa pequena dimensão. E sobretudo incultos, que é uma forma de pobreza. Vivendo numa sociedade aberta, aspiram ao que conhecem, que é quase tudo, os mais altos níveis de consumo, segurança e conforto. Viajando, recebendo turistas e olhando para a televisão, os portugueses formam as suas aspirações, as ideias de bem-estar ao qual sentem ter o direito. Mas, sendo os mais pobres do grupo dos mais ricos, sabem que são, entre todos, os que estão mais afastados da possibilidade de satisfazer as suas expectativas.

Entre os anos sessenta e os noventa, os portugueses revelaram uma surpreendente plasticidade, quer dizer, uma enorme capacidade de adaptação a novas circunstâncias: a guerra e a paz, o autoritarismo e a democracia, a África e a Europa, a sociedade fechada e a aberta, a emigração e a imigração. Fizeram-no por vezes com energia dramática, correndo riscos, mas sempre souberam evitar o pior. Da ditadura, da guerra, da revolução e da contra-revolução sobram talvez recordações crispadas, mas não sequelas irreparáveis. Os sectores mais abertos à sociedade e ao mundo exterior, à comparação e à emulação, souberam ser flexíveis e empenharam-se numa via de renovação e reconversão. São os casos da banca, das telecomunicações, da grande distribuição, da hoteleira, de alguns serviços de turismo e de certas actividades ligadas à ciência e à cultura. Noutras, reina ainda um certo imobilismo e é mais difícil o desenvolvimento, como são exemplos a justiça, a educação e a Administração Pública, ao lado de sectores produtivos como os têxteis, a construção, a metalurgia e o agro-industrial. São em geral sectores fechados à exposição externa, à sociedade e à emulação. São sectores e sistemas organizados sobretudo com vista à satisfação dos interesses dos seus corpos instituídos aos quais os poderes democráticos não souberam impor uma lógica de serviço público ou um ânimo concorrencial.

A democracia, apenas nascida em 1974, ou antes, em 1976, era uma esperança maior. A Europa também, como horizonte capaz de substituir os antigos sonhos atlânticos e africanos. Temos democracia e temos Europa, pelo que se poderia falar de êxito. Mas eram também, com mais ou menos fantasia, o resumo e o símbolo de todas as esperanças e aspirações, do desenvolvimento à justiça, do conforto à educação e à cultura. Nisso, a democracia e a Europa foram também uma ilusão.

A Europa, em especial, mais concretamente a União Europeia, obriga-nos, obriga todos os povos, a uma reflexão essencial e permanente, o que está longe de acontecer. A Europa é talvez o mais forte motor de mudança que se conhece. Mudará tudo, da civilização material à cultura. Até à alma, poder-se-á dizer. Apesar desta enorme importância, o debate público, motivador de consciência, é quase inexistente. Nem em período de eleições, nem em tempos normais. Os Estados, os poderes públicos e os partidos políticos não querem partilhar com os cidadãos as suas reflexões sobre a Europa, sobre a realidade futura do Estado e da nação, nem sequer sobre as dificuldades do nosso país. A Europa não se discute. A Europa não discute. A Europa não quer ser discutida.

Sob o peso de uma identidade forte, os portugueses encontram-se hoje diante da necessidade de se comportar como toda a gente. De considerar que o seu país é como os outros. Os quarenta anos de ditadura não são mais desculpa nem pretexto. Os traços especiais que distinguiam Portugal, a pobreza, o atraso, o analfabetismo e a falta de liberdade, esbateram-se. Ser como os outros pode parecer um programa vil e triste, mas é, em última análise, uma grande ambição. Com uma certeza: apesar de igual aos outros, é o nosso.
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NOTA (CMR): este post é uma extensão do que está afixado no Jacarandá e no Sorumbático, onde eventuais comentários deverão ser afixados.

sábado, 26 de dezembro de 2009

A contribuição lisboeta para Quioto e Copenhaga - Solução

Estacionada do lado oposto à paragem da Carris (na Av. João XXI, em Lisboa), esta brigada da Divisão de Trânsito da PSP não foi - nem muito nem pouco - dissuasora do caos instalado. Se o queria ser, não cheguei a perceber - pois, ao fim de algum tempo, acabou por se ir embora.
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Pelo menos em Lisboa, a impunidade do estacionamento selvagem já atingiu um tal nível que, actualmente, é incontrolável.
O que é revoltante, no meio deste caos, é o ar resignado (ou mesmo satisfeito!) com que tudo isto é encarado por aqueles a quem pagamos o ordenado para que não seja assim. Bem podem limpar as mãos à parede - a começar pelo autarca que mora aqui perto.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Bué de presépios

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Por Antunes Ferreira

COM A CHEGADA DAS FESTAS, há quem se dedique a coisas que não lembram ao diabo, salvo seja. Um exemplo. Cá em casa fazemos colecção de presépios. Que já são bué. De acordo com fontes bem informadas e que, além disso, fizeram uma laboriosa e atenta contagem, já são 417 (mais vaca, menos burro). Em cinco armários com paredes de vidro, como o PCP. Iluminados a preceito. Todos os Natais acrescentamos um que outro ao acervo. E, mesmo durante o ano… Por onde passamos, se vemos algo interessante, é tiro e queda. Óbvio, se houver euros, cada vez mais caros e raros.

Temo-los dos mais diferentes, das proveniências mais diversas, das dimensões mais variadas e dos estilos e materiais mais interessantes. Até um, boliviano, com a Senhora deitada na cama e com o ilustre rebento ao lado. Sentado, atento, reverencial e cuidadoso, está José, o primeiro pai putativo. Da História e do menino. Para compor o ramalhete, uns quantos pastores com caras de índios.

Este ano – curiosamente o Natal consegue calhar sempre a 25 de Dezembro, unanimidade que a Páscoa recusa, como o Mário Soares não aceitou a unicidade sindical da Inter, e uma vez mais isso aconteceu, mais precisamente, ontem – fizemos mais uma pesquisa. E não é no dia 22, em pleno centro comercial (não digo o nome por mor da publicidade, apesar do esforço do engenheiro Azevedo) nos deparámos com um de estilo centro -americano, colocado estrategicamente em montra apelativa?

Entrámos e vá de apreçar o nascimento. Uma menina com muito bom aspecto e um par de… olhos de fazer ressuscitar o Lázaro sem necessidade de qualquer intervenção jotacênica, abeirou-se e ondeou-se até nós. Tive a sensação de que a Raquel não tinha ficado muito bem impressionada, quiçá porque, para ela, o presépio era muitíssimo mais interessante. Eu, como frequentemente nestes casos, natural e obstinadamente mantive-me do outro lado da barricada.
A jovem, cujo decote era abertamente natalício, de acordo com a época, depois de questionada pela minha cara três-quartos, informou que se tratava de artesanato puro, do Peru, argila policroma, um encanto. Avalisada por marca do Governo de Lima, registada nas traseiras da manjedoura, o que é perfeitamente aceitável e justificável. Preço, não fora a das curvas a anuncia-lo, ter-me-ia causado, no mínimo um ameaço de enfarte. Mas, face às circunstâncias, até comentei que não era de todo despropositado. A Raquel franziu o cenho.
Aceitava, obviamente, dinheiro electrónico. Maquineta, fatalmente. Paguei – quando toca a saldar contas, passo sempre do colectivo nós para o individual eu – com o famigerado cartão de débito. E o banco, renegando o Lehman Brothers, aceitou e debitou. A beldade sorriu, exibindo uns dentinhos prenunciadores de dentadinhas carinhozinhas, agradeceu, inclinando-se numa quase vénia. Só então reparei que, de cima, se descortinava que calçava graciosamente botas. Um panorama em profundidade, natalíssimo. Saímos com a sacrossanta família perfeitamente embrulhada e em saco plástico alusivo à época.

Chegados ao lar, doce, lar, a nossa anja-da-guarda (que já faz parte da mobília e da família), a Conceição, a quem mostrámos o conjunto, não se conteve: «É lindo. O chinês lá ao pé de minha casa tem iguais. A oito euros e noventa e nove cêntimos, barato…» Nem digo quanto custou o que adquirimos. Mas congeminei para dentro de mim, que os olhos oblíquos do Li Wang, ou Ping, ou Hua, não se deviam comparar, nem de longe, nem de perto, aos tais da nossa atendedora. E a Conceição, raios a partam, a insistir: «Claro, é made in China». O presépio. Feliz Natal.

«Dito & Feito»

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Por José António Lima

CONFRONTADO COM A QUESTÃO
do casamento entre homossexuais, Cavaco Silva contrapôs: «A minha atenção está noutros problemas, como o desemprego, o endividamento, o desequilíbrio das contas públicas, a falta de produtividade e de competitividade do país». Uma resposta ponderada e preocupada, com a qual não deixarão de estar de acordo até muitos dos que aprovam a legislação dos casamentos gay.

Mas eis que o ressuscitado deputado socialista Sérgio Sousa Pinto vem comunicar ao país que vê nas sensatas palavras do Presidente da República «uma intromissão na agenda do partido que apoia o Governo», ou, pior ainda, «uma dramatização indesejável da vida política», se não mesmo um cenário de horror: o PR está «a pôr em causa as condições de estabilidade política». Intromissão?! Dramatização?! Instabilidade política pelo facto de o Presidente afirmar que está mais preocupado com o desemprego e a falta de competitividade do país do que com os casamentos gay?! A irrazoabilidade e o despropósito da diatribe de Sousa Pinto atingiram um tal absurdo que a primeira reacção foi admitir que ele tinha acabado de sair de uma noite de insónias, de atravessar um ambiente saturado de substâncias psicotrópicas ou de ter sofrido um qualquer abalo psicológico. Mas não.

Para quem ainda pensasse que a aberrante intervenção era resultado de um delírio febril momentâneo ou de qualquer descompensação emocional de Sousa Pinto, José Sócrates tratou, rapidamente, de esclarecer o propósito político e o alcance partidário da desconsideração ao Presidente da República. Fazendo questão de elogiar publicamente «a combatividade» de dois, apenas dois, dos vários vice-presidentes da bancada parlamentar do PS: «o Ricardo Rodrigues e o Sérgio Sousa Pinto» (uma dupla de susto, que mostra bem o nível a que desceu o círculo de fiéis de que Sócrates está hoje rodeado).

O primeiro-ministro, já se percebeu (e escusava de forçar a nota a este ponto lamentável de irresponsabilidade institucional), está sobretudo interessado em arranjar pretextos para não governar. E em alimentar querelas políticas e guerrilhas artificiais com a Oposição, em geral, e o Presidente da República, em particular.

Não se lhe augura grande futuro por este caminho suicidário. Os portugueses, na sua maioria, já perderam a paciência para este folclore e este radicalismo lamechas do primeiro-ministro. E até o PS começa a ver em Sócrates mais um problema sem remédio do que um líder que dê garantias de futuro.

«Sol» de 24 Dez 09

O Drama do Desemprego

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Por Maria Filomena Mónica

ANDO HÁ MESES para escrever um artigo sobre o desemprego. Se não o fiz, é porque o tema me bate à porta e me faz sofrer. Poder-se-ia pensar que um membro da classe média estaria acima destas preocupações, mas há muito que o fenómeno deixou de ser um exclusivo do proletariado. Agora, as empresas usam o mundo como palco das suas actividades, o que, para um país que vendia mão-de-obra barata, é complicado. Tudo isto faz parte do Progresso mas, tal como sucedeu durante a Revolução Industrial, este provoca vítimas. Se me preocupa o desemprego dos jovens – alguns deles meus alunos – angustia-me mais o de longo prazo, que atinge gente já fragilizada. Aos primeiros, digo para emigrarem; aos segundos, não sei o que aconselhar.

Em 2009, a taxa de desemprego vai aumentar. Previsivelmente, o anúncio do engº Sócrates durante a campanha eleitoral no sentido de que iria «criar» 150.000 empregos foi um embuste. Na realidade, o desemprego vai subir para 7,8%, como explicou James Daniel, o chefe da missão do FMI que há dias esteve em Portugal, acrescentando que a economia portuguesa iria crescer menos do que a média europeia, em parte porque «as empresas, as famílias e o Estado têm estado sempre a consumir mais do que se produz».

A produtividade nacional é baixíssima, não porque os portugueses sejam especialmente preguiçosos, mas porque há políticos, gestores e empresários que não estão à altura da sua missão. Em 1988/9, quando entrevistei os maiores patrões da indústria portuguesa, o que me espantou, sobretudo entre os da têxtil, foi o optimismo. Deve ter sido por isso que, em vez de reconverterem as suas empresas com o dinheiro que a CEE lhes entregou, deixaram correr o marfim. O resultado está à vista.

Garanto-vos que não será a dádiva de uns magalhaezinhos que irá aumentar a produtividade nacional. Mas é a isto que o Primeiro-Ministro dedica os seus dias. Na minha opinião, em vez de se pavonear pelas escolas, o engº Sócrates poderia, pelo menos, dar a impressão de que se preocupa com o destino dos que estão ou vão ficar no desemprego.

Outubro de 2008

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Curtas-Letragens - «Natal...»

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Por Miguel Viqueira

POIS, NATAL OUTRA VEZ... Para uns o pior é coleccionar os pares de peúgas que os mais velhos oferecem, impenitentes; para outros, arrumá-los. Para aquele seu conhecido, o pior do Natal é suportar os cunhados. O Natal, que perdeu o sentido religioso de antanho e se converteu na festa da família, ou na chatice da família, que diria o tal outro, para ele foi sempre época de melancolia, desde miúdo. E de saudade. Apetecia-lhe sempre estar com quem não podia e tinha saudades do impossível. Hoje lembra-se sempre de tipos e de coisas perdidos na noite dos seus dias, como aqueloutro desconhecido, de umas duas vezes a idade dele da altura, que se perfilava no meio da rua deserta cada anoitecer. Era uma álea de plátanos, lisa e direita, mal iluminada, algumas folhas outonais ainda no chão húmido de chuva recente teimando em não sucumbir ao inverno, ninguém por perto, o silêncio apenas quebrado pelo rumor da cidade que então parecia longínquo. O que recorda é só as sombras da noite, o frio, as luzes pálidas, uma brisa fresca e seca, como de montanha, e o tipo ali parado, direito no seu fato de treino azul, toalha à volta do pescoço, a concentrar-se, movendo as mãos e os ombros em pequenos círculos, rítmicos, lentos, como num ritual estranho e de fim imprevisível. Depois respirava fundo e arrancava. Corria devagar, como a trote, doseando o esforço, disciplinando o alento, uma nuvem de vapor a desenhar-lhe a aura, e sumia ao fundo da rua, já no escuro. Pouco depois emergia da esquina e volta a começar: assim por horas, todas as noites... Já no colégio ouvia-o passar no beco das traseiras, os passos cadenciados batendo perfeitos no chão da noite; e na camarata, às escuras, ouvia-o ainda nas últimas voltas, até que o silêncio completo se abatia sobre ambos. Uma noite atreveu-se a perguntar-lhe o que fazia. Treinava. Queria correr os dez mil metros nas olimpíadas e corria todas as noites dez mil metros. Todas. Calculara as voltas a dar ao longo e sombrio quarteirão dos colégios e tornara-se sem o suspeitar sequer na companhia nocturna daquele miúdo. Com a persistência do artesão e a pontualidade do carteiro, nunca falhou uma noite, nunca deu um passo em falso, jamais alterou o ritmo cadenciado, nunca desistiu. Ele nunca chegou a saber como se chamava. E também não soube nunca se alguma vez conseguiu participar nas olimpíadas. De vez em quando pensa nele, e ouve-lhe os passos, e vê-o ainda desaparecer na noite do colegio como despareceu na noite dos seus dias. Pois, Natal...

Passatempo «Os circunflexos» - Solução e prémios

Actualizado com a solução da 1ª fase
(Resposta certa dada por 'Mg', às 12h19m)
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Dois dos prémios já reservados para este passatempo serão exemplares destes livros.
Poderá, eventualmente, haver mais.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Crispado

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Por João Paulo Guerra


O Natal português de 2009 tem uma receita deveras original: Natal crispado à portuguesa.

TOMEM UM CHEFE DE ESTADO e um chefe de Governo com maioria relativa, a um ano de eleições presidenciais. Misturem-se os interesses pessoais e partidários de cada um e intrigas quanto baste para apimentar a receita. Agite-se um tema fracturante, com o qual o Governo entenda ser possível estilhaçar as coligações negativas no Parlamento. Esprema-se a cooperação estratégica a ver se ainda dá algum sumo. Não dá.

Mande-se tudo para os jornais por interpostas pessoas: assessores offline ou em gozo de folga, opinion makers com opiniões pré-fabricadas e monitorizadas, credenciadas agências de recados, algumas palavrinhas às pessoas certas, umas quantas sugestões explícitas e outra tantas ameaças veladas. Deixar levedar até às edições dos jornais da manhã do dia seguinte e esperar por reacções nas rádios, televisões, jornais online, blogues e no boca-a-boca.

Misturar uma exagerada dose de dramatismo em toda esta mistela, sugerindo uma tragédia iminente. Polvilhar com ameaças de ingovernabilidade, eleições antecipadas, insolvência, bancarrota, catástrofes naturais, pandemias, criminalidade, terrorismo. Agitar tudo à hora dos telejornais. Seleccionar palavras fortes para responder aos pedidos de comentários sobre a perigosidade da situação actual: funesta, violenta, horrível, sinistra, soturna, pavorosa, fatídica, lúgubre, letal.

Preparar um cacharolete de mais algumas preocupações prioritárias para consumo público: exclusão, pobreza, desigualdades, desemprego, alterações climáticas, desertificação, criancinhas, velhinhos e pobrezinhos sem abrigo e sem Natal. Servir em mensagem de Natal à hora do jantar.

«DE» de 23 Dez 09

«Dito & Feito»

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Por José António Lima

JOSÉ SÓCRATES
passou as duas últimas semanas a acusar os partidos da Oposição de «uma atitude desleal e irresponsável», o ministro da Propaganda alocado à Defesa, Santos Silva, clama que «a Oposição está a fazer chantagem sobre o país», o inevitável deputado Ricardo Rodrigues dramatiza: «Estão a esticar a corda para que o PS diga que não pode governar». Como se percebe, estavam mal habituados com quatro anos e meio de maioria absoluta. E ainda não se conformaram.

A questão é elementar – se Sócrates quer governabilidade, de duas, uma: ou tinha feito uma aliança parlamentar, estável e para quatro anos, com outro(s) partido(s); ou dedica-se, com imensa paciência e muito pouca arrogância (o que, reconheça-se, é difícil para a sua natureza), a este tipo de pesca à linha de apoios parlamentares, caso a caso. António Guterres já passou pelo mesmo.

Sócrates devia ter percebido, no primeiro minuto da noite em que perdeu a maioria absoluta, que teria – e terá sempre – que negociar. Fosse negociação a dois, à mesa de uma aliança bipartidária, seja a três, a quatro ou a cinco (incluindo o PSD-Madeira...) nos bastidores do Parlamento. Abriu-se um novo ciclo. É a vida, como diria Guterres. Habitue-se.

Não nos venha é com esta lamúria constante da ingovernabilidade e este choradinho de que os partidos da Oposição querem governar por ele. É assim em toda a Europa: os Governos minoritários, como o seu, são obrigados a fazer alianças, estáveis ou pontuais, a ceder em negociações, de parte a parte, para aprovarem os seus programas propostas. Adapte-se.

Sócrates e o PS poderão alimentar o desejo oculto de provocar eleições antecipadas já no final da Primavera de 2010. Mas essa é uma miragem que dificilmente terá condições políticas para se materializar – além de que o PS ficaria, porventura, com o desgaste actual da imagem do primeiro-ministro e do seu Governo recauchutado, ainda mais distante da maioria absoluta.

Não sendo, pois, previsível a oportunidade de eleições antecipadas, pelo menos, antes do final de 2011, a verdade é que ninguém será capaz de aturar mais dois anos de lamechice de Sócrates e do PS, desta encenação trágico-política. Que tal começar a governar?
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«Sol» de 18 Dez 09

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Guerrilhas

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Por João Paulo Guerra

Sou jornalista há 16 primeiros-ministros e bastante mais de 20 governos e não consigo recordar-me de um ambiente político tão degradado e rasteiro como o que se vive por estes dias.
JÁ VI PRATICAMENTE de tudo. Um ex-presidente do Conselho a dar entrevistas convencido que continuava a chefiar o Governo, um primeiro-ministro em greve, gabinetes que caíram por uma parte do próprio Governo lhes tirar o tapete, primeiros-ministros e governos inteiros que fugiram. Mas nunca tinha visto Presidência da República e Governo a trocaram recados, queixas e reprimendas pelos jornais, acusando-se reciprocamente de intriguistas. Tanto mais que este clima de degradada crispação não é de agora. No Verão passado, Presidência e Governo envolveram-se em azedas trocas de acusações de espionagem.

Para além do baixíssimo nível da discussão, há a registar que esta novela de cordel que se arrasta nos jornais constitui verdadeira "Guerra do Alecrim e Manjerona", ópera de bonifrates de António José da Silva, do século XVIII, em que Tibúrcios e Semicúpios se envolvem numa guerra oca de paradas e respostas. Com uma diferença: as "Guerras do Alecrim e Manjerona" eram uma ópera bufa. A troca de galhardetes entre Belém e São Bento não tem graça de espécie nenhuma.

Como é que os portugueses podem ter confiança nas instituições se os números 1 e 3 da hierarquia do Estado democrático andam às caneladas em forma de notas públicas de imprensa? A desqualificada contenda a que os portugueses assistem demonstra talvez que há um ciclo da democracia portuguesa que se esgotou e de protagonistas que deram o que tinham a dar. O problema é que, ao contrário dos Tibúrcios e Semicúpios, os protagonistas de tão deprimente espectáculo não saem de cena.
«DE» de 22 Dez 09

Passatempo-relâmpago de Natal - Solução

Pág. 157
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Se não me enganei nas contas, a classificação é a seguinte:

1.º Lau (150) .. erro = 7 páginas
2.ª Sofia (147) .. erro = 10 páginas
3.º - Alfredo Silvestre (143) .. erro = 14 páginas
4.º - R. da Cunha (193) .. erro = 36 páginas

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Os quatro têm agora 24h para escreverem para premiosdepassatempos@iol.pt indicando morada. O 1.º prémio será o livro de Artur Varatojo, o 2.º será o de Charles Dickens, e os outros serão "surpresa".

Bom Natal a todos!

Essa estranha mania de comemorar os solstícios

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Por Nuno Crato

Vista aérea de Newgrange
APROXIMA-SE O SOLSTÍCIO DE INVERNO, evento comemorado há muito por todas as civilizações. É o dia mais curto do ano, diz-se, o que torna ainda mais estranha a comemoração. Será que a humanidade detesta tanto assim o calor e a luz? Mais misterioso ainda: como sabiam os antigos, que não possuíam relógios, detectar com precisão os solstícios?

Na realidade, ainda antes de inventarem a escrita e dividirem os anos em meses e semanas, os homens assinalavam os solstícios e equinócios. Sabemo-lo pelos restos de cultos megalíticos, que nos mostram menires e outros marcos, dispostos de forma a assinalar os alinhamentos do Sol em alturas distintas do ano, nomeadamente nos solstícios e equinócios. O marco celestial mais antigo que se conhece, a anta de Newgrange, na Irlanda, que se estima ter sido construída há mais de cinco mil e trezentos anos, tem a sua entrada alinhada com o nascer do Sol no solstício de Inverno.

Sendo o dia mais curto do ano, o solstício de Inverno é o dia em que o Sol atinge a sua altura meridiana mínima. Assim, pelo meio dia solar, quando está exactamente a sul e atinge a altura máxima do dia, essa altura máxima é mínima, por comparação com todos os outros dias do ano. A maneira mais fácil de o verificar é pelas sombras. No dia do solstício, quando o Sol está exactamente a sul e a sombra a norte, essa sombra é mais longa do que em qualquer outro dia.

Se o leitor tentar pôr em prática este método de descoberta do solstício, verá que é mais trabalhoso do que parece. Terá de ter uma estaca relativamente alta e bem fixa. Terá de ir registando as sombras ao longo do dia, e de dia para dia. Quando a sombra atingir o comprimento mínimo, será o meio dia solar. E quando a sombra do meio dia solar for máxima, será o dia do solstício. Para medir tudo isto, terá de se ver o Sol, o que nesta altura do ano não é garantido. Determinar um solstício de Inverno é mais difícil do que parece.

O registo da altura do Sol ao longo do ano foi um tema de investigação importante para os astrónomos até aos séculos XVIII e XIX. Usavam-se instrumentos gigantescos, construídos nos locais mais insuspeitos. A grande meridiana da igreja de Saint Sulpice, em Paris, a linha de latão que atravessa o transepto da igreja e que foi celebrizada pelo “Código Da Vinci”, não era mais do que um grande auxiliar de calendário que media oscilações de solstício para solstício. Era um instrumento científico para medir a altura meridiana do Sol.

Outra maneira de detectar o solstício de Inverno, que talvez tenha sido a primeira usada na pré-história, será olhar para o local de nascimento ou ocaso do Sol. Quanto mais a sul esses pontos estiverem, mais perto se estará dessa data.

Imagina-se que os nossos antepassados, vivendo num mundo aterrorizador e sempre à mercê dos elementos, se tenham preocupado com as intempéries que o encurtamento do dia anunciava. Ver o Sol nascer e pôr-se cada dia mais a sul e verificar que a sua altura se reduz de dia para dia não era certamente muito reconfortante. A experiência dizia que esse movimento iria terminar. Que os dias se estavam a reduzir, mas que iriam de novo aumentar. Mas poder-se-ia ter a certeza?

A dúvida não era tão ingénua como nos pode parecer. O filósofo escocês David Hume (1711–1776) gostava de dizer que o facto de o Sol ter sempre nascido não garante que nascerá amanhã. Conhece-se-lhe a célebre frase, com que questionava a convicção de que a repetição de um evento seria garantia da sua repetição no futuro: “Dizer que amanhã o Sol não nascerá não é menos inteligível nem menos sujeito a contradições do que dizer que nascerá.” O homem pré-histórico tinha toda a legitimidade em perguntar-se: Será que o Sol alguma vez deixará de descer? Será que os dias voltam a ser longos e o calor reaparece?

O momento em que o Sol parava, em que a sua altura ao meio dia atingia um mínimo e deixava de descer, era pois um momento reconfortante — “solstitium”, em latim, significa precisamente “sol parado”. Esse dia, com que depois convencionámos marcar o princípio do Inverno, era um grande dia para o homem primitivo! Era o dia que reconfirmava que ao frio sucederia o calor, à intempérie sucederia o bom tempo e à morte sucederia a vida. Viva o solstício!

«Expresso» - «Única» de 19 Dez 09

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Partidas do Pai Natal - (com um alerta aos matematicofobos)

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Por Nuno Crato

NÃO E SÓ NO CARNAVAL que se pregam partidas. Nesta época festiva, o Pai Natal anda pelas lojas a inventar promoções especiais. No outro dia encontrei-o junto às prateleiras do supermercado, mesmo ao pé dos pacotes de sumo de laranja. Estava a rir-se às bandeiras despregadas. “Imagina tu”, disse-me ele, “que acabei de fazer um acordo com o gerente que me vai permitir comprar um número ilimitado de presentes para a criançada.”

Explicou-se. O gerente tinha uma promoção de sumo de laranja com 20% de desconto. Cada litro, que originalmente custava um euro, ficava a 80 cêntimos. O Pai Natal propôs-lhe uma coisa diferente. Ele venderia pacotes com 1,2 litros pelo preço de um litro. Por cada litro oferecia 20% de sumo adicional.

“Mas isso é o mesmo! É uma promoção de 20%” exclamei. «Foi o que o gerente me disse», respondeu-me o velhote, “e eu propus-lhe um negócio; comprava-lhe todo o sumo que tivesse e depois, ainda lhe fazia um favor, vendia-lhe o mesmo sumo com uma promoção de 22%. Por cada euro que ele me desse dava-lhe 1,22 litros de sumo.”

Comecei a pensar que o Pai Natal estava pílulas, mas já o ano passado ele me tinha pregado uma partida em que me saí mal e resolvi calar-me. O homem continuava a rir-se: “Depois ainda fiz melhor, combinei que podia repetir o processo. Ou seja, depois da compra e venda, comprar-lhe-ia tudo outra vez a 80 cêntimos por litro e revender-lhe-ia a um euro por cada 1,22 litros. Se fizer isto muitas vezes arranjo dinheiro para comprar presentes para todos os miúdos do mundo.”

Comecei a perceber. O velhote, afinal, vendia o sumo a quase 82 cêntimos por litro, que é o que arrecada de vender 1,22 litros por um euro. Se repetisse a brincadeira podia fazer o dinheiro que quisesse. O homem viu-me a pensar e concluiu: “Este pessoal julga que um desconto de 20% é o mesmo que uma promoção de 20%; se calhar, quando vão ao banco, pensam que uma taxa de juro de 12% ao ano dá 1% ao mês. Grandes totós!”

Hesitei um pouco: então 12 a dividir por 12 não é 1? Mas desta vez o Pai Natal estava mais cooperativo: “Se me deres cem euros e eu os puser no banco a 1% ao mês, ao fim de um mês tenho 101 euros. Volto a depositá-lo e ao fim do segundo mês tenho 102,01. Repetindo o processo, ao fim dos doze meses tenho mais de 112,68 euros. É pouco mais do que os 112 que resultam dos 12% ao ano, mas imagina que puseste no banco cem mil euros, a diferença já é razoável.”

“É a diferença entre juro composto e simples”, aventurei; mas o Pai Natal não gostou do atrevimento: “Ah, com que então achas-te muito espertinho?! Pois vê se respondes a esta: ‘Se um relógio demora seis segundos a bater as seis horas, quanto tempo demora a bater as doze?’ Aposto cem euros em como te enganas.”

Fiz a aposta e perdi. Não é que bater seis badaladas demora menos de metade do que 12? Raio do velhote! Vou ver se recupero o meu dinheiro repetindo a aposta no Ano Novo. Há aí muito pessoal avesso às contas que vai cair na partida.

«Passeio Aleatório» - «Expresso» de 19 Dez 09

sábado, 19 de dezembro de 2009

Passatempo-relâmpago de 19 Dez 09 - Solução

O Salvador da Pátria

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Por Alice Vieira

O SR. LUÍS CONCEIÇÃO guia o carro n.º 25 de uma cooperativa de táxis de Oeiras.

Apanhou-me naquele descampado que é, à noite, a TVI, e quis logo saber se eu era figurante.
Eu estava estafada, e não dei grande troco.

Mas nem vale a pena falar, porque o Sr. Luis Conceição só quer que o oiçam, e a tudo responde:

- Só conto ao Sócrates.

O Sr. Luis Conceição, que diz já ter feito de tudo na vida, desde pertencer à Marinha Mercante que, segundo afirma, lhe está a dever milhares de contos, até andar pelas Américas, tem um plano infalível para pôr Portugal no primeiro lugar entre todos os países do mundo, no que toca a bem-estar, emprego, saúde, cultura, tudo.

Claro que é um plano que, à partida, exige algum investimento mas, ele já fez as contas, estará completamente pago “dentro de 14 a 21 anos”.

Garante que é um plano facílimo, já completamente estruturado na sua cabeça, - mas não cai na asneira de o divulgar.

Ele quer, pura e simplesmente, enfrentar o Primeiro-Ministro na televisão. Mas também só divulga o plano depois de o nosso Primeiro lhe passar uns milhõezitos para as mãos (“olhe que é mais barato que esse TGV que não serve para nada!”)

De repente vem-me à cabeça uma rábula de uma revista do Parque Mayer, em que a Dora Leal, fazendo de cigana à porta de uma barraca da Feira Popular, berrava: “Um escudo, um escudo, e a Dora diz tudo!”

É claro que isso já foi há muitos anos, o custo de vida aumentou muito, a inflação é o que se sabe e, por isso, por um escudo já ninguém diz seja o que for.

Mas por alguns milhões, o Sr. Luís Conceição dá a receita da felicidade.

Já tentou a televisão, mas respondem-lhe que, se ele não escrever exactamente aquilo que pretende lá ir dizer, nada feito. E ele não vai nessa, tá quieto ó mau, ele revelava o plano e depois outros apropriavam-se dele, não? Garante que não quer enriquecer, mas apenas uma vida desafogada. O que não é muito para quem tem nas mãos o santo-e-senha da entrada para o paraíso.

Interlocutor só aceita um: José Sócrates.

E é bom que Sócrates se apresse. Primeiro, porque o país está numa crise que não aguenta mais. Segundo porque, se a resposta tardar, ele vai direitinho a Espanha oferecer (“oferecer” é, como já vimos, uma força de expressão) os seus serviços.

Eu, se fosse ao engº Sócrates, apressava-me a mandar chamar o sr.Luis, antes que ele — mesmo sem TGV — desande para Espanha.

Há alguns séculos houve um tipo que fez isso como pretexto para dar a volta ao mundo — e ficou-nos sempre atravessado…

Quando quiser, Sr. Primeiro-Ministro, é só dizer, eu tenho todos os contactos. Até porque o Sr. Luis prometeu fazer a minha felicidade se eu o ajudar a fazer a felicidade de toda a gente.
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«JN» de 18 Dez 09

Mudar o clima

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Por João Duque

QUERO MUDAR DE CLIMA, de mood. Estou cansado de falar em obra pública e na capacidade que muitos destes projectos têm em destruir valor às futuras gerações de portugueses.

Quero mudar de clima e acreditar que a educação e a inovação vão salvar Portugal. Não tendo matérias-primas, mas com uma excelente localização para podermos ser porto de entrada e saída de produtos por via marítima, ou aérea, vou acreditar que temos ainda uma hipótese de podermos liderar o desenvolvimento de produtos inovadores que possam dar ânimo e alento aos jovens portugueses que como eu querem mudar de clima.

Quero mudar de clima. Tentar ser mais rigoroso e optimista na esperança de que os decisores do meu país vão decidir sobre os bens públicos com a mesma consciência e zelo que teriam ao decidir sobre os seus próprios bens.

Quero mudar de clima e acreditar que ainda é possível dar a volta a Portugal sem sermos postos para fora do euro, sem passarmos por um colapso económico, com descida acentuada do preço da mão-de-obra a competir com chineses sem qualificação nem direitos, nem fuga massiva da população e miséria a rodos.

Quero mudar de clima, ajudado por um governo que aposta no desenvolvimento de Portugal e que o não sufoca com impostos, burocracia, corrupção, compadrio, amizades escandalosas, justiça entediante ou endividamento letal para ocupar uma população que constrói colossos.

Os egípcios também construíram pirâmides. Consumiram-se nelas que lhes foram servindo de túmulos e não passam hoje de atracção turística...

Diz a teoria que onde estiverem as ideias e os meios humanos e tecnológicos estará o capital, porque ele apoiará essas iniciativas porque é delas que ele vive. E isso não é mau.

O capital é, aliás, um dos melhores juízes sobre a capacidade de empreender e concretizar. Gosta de arriscar mas não o faz desprovido de sentido.

Quero mudar de clima para poder voltar a viver o sentimento de Primavera, em que os pássaros que querem batem as asas e voam. Sonham ir mais alto e mais além e conseguem-no porque não são tolhidos por redes assassinas, por leis estúpidas entorpecedoras.

Já imaginaram como era bom se Portugal sorrisse com a alegria e a esperança do Brasil, com a riqueza e a certeza de Angola e com a bondade e a generosidade de Moçambique?

É tempo de arrumarmos a casa muito bem arrumada, e com tudo no lugar e de jeito organizado, voltarmos um pouco ao triângulo dourado como lhe chama Murteira Nabo para daí colhermos a ajuda e a força que podemos.

Voltemos ao mar e aos nossos velhos e conhecidos portos. Procuremos, onde nos entendem, o que já não encontramos aqui, nesta terra velha e cansada e sejamos verdadeiramente uma porta de entrada para os que falam a nossa língua, afinal a nossa Pátria amada.

Quero mudar de clima e viver num país onde a liberdade aceita a diferença, discute as ideias mas diz sempre a verdade. Que pode ser dura, mas que é a verdade. E por isso se aceita.

Quero mudar de clima. Alguém me ajuda?
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«Expresso» de 12 Dez 09

Cismo sobre o sismo

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Por Antunes Ferreira

POR MAIS INCRÍVEL que pareça, não me dei conta do sismo. E estava acordado. Sem tirar nem pôr. Quando a minha mulher me chamou, agitadíssima, da nossa sala de estar, face ao tom que ela usava, larguei o que estava a fazer, ou seja, a arrumar umas coisas para a nossa viagem a Goa, e cheguei ao pé dela, ainda os copos e demais quinquilharia que ali temos tremelicavam, campainhando.

Não percebi o que se passava. E adiantei que teria sido mais uma façanha dos vizinhos de cima. Não fora; fora um terramoto. Como a Raquel não bebera sequer um copito de vinho ao jantar, nem tinha aspecto de quem delirasse, sosseguei-a dentro do possível. Ela estava, naturalmente, muitíssimo assustada. «Pareceu-me que aquela parede dançava e ia cair em cima de mim. E tu, sem teres sentido nada!...»

Daí a minutos, a televisão dava conta do acontecido. Um senhor abanão: 6 na escala de Richter e 5 na escala de Mercali. E, na manhã seguinte, o Instituto de Meteorologia vinha comunicar que se tratara do maior registado em Portugal há 40 anos. Realmente, o último de respeito fora em 1969. Curiosamente eu também não o sentira. Estava em Angola, que, ainda que na altura fosse «nossa», não ligara nenhuma ao movimento telúrico. Coisas.

Claro que desde 17 de Dezembro do ano que ainda decorre, a notícia entre os meus amigos e, até, entre os meus conhecidos, não foi o abalo: foi o estranho facto de eu não ter nenhum abalo. Tive gente que me inquiriu por diversos meios se tinha sido verdade. De princípio, refugiei-me na contra pergunta: o sismo? Parece que sim…

No entanto, o que queriam saber era se era verdade o não ter-me apercebido da ocorrência. E tantos foram os inquiridores – acrescento que estou quase certo de que o Torquemada não fez parte deles, mas foi o que se pôde arranjar – que pensei criar uma resposta tipo a colocar no atendedor de chamadas e/ou no gmail: é absolutamente verdade. Não senti o sismo – e não estava a ressonar.

Quando hoje escrevo estas linhas são quase sete da noite. De sexta-feira, 18. Ou seja um dia e horas sobre o caso. Ainda não realizei bem o que se terá passado comigo. Bruxaria não foi, ainda que em tais apertos me recorde sempre «que las hay, las hay». Mas como não acredito, até prova em contrário, há que o dizer, em feitiçarias, amuletos, figas e correlativos, decidi abandonar a hipótese.

Eureka! Eis que me surge uma explicação para tão insólito desatino. Passo a enunciar o discorrido à guisa de explicação. Estamos situados numa fractura da crosta terrestre? Estamos, mas não chega. Ou antes, chega para terramoto, mas não para uma tal distracção. Temos antecedentes com muita gravidade? Temos, mas também não chega. De que vale recordar 1755, se também não o senti? O malandro do tempo tem destas coisas, ponto final, parágrafo.

Não adianta continuar. O que, na verdade, se passou e passa e, pelos vistos, passará, é o (mau) hábito que temos destes movimentos inquietantes. Que se podem considerar, no caso vertente, mais tsunamis do que simples sismos. Como assim? Não se admirem. Não é de difícil compreensão, o tema.

Não é que estamos habituados quotidianamente às corrupções pmg, ou seja, pequenas, médias e gigantescas? Não é que estamos habituados aos despautérios inqualificáveis do ainda Presidente da República? Não é que estamos habituados à «excelência» da Justiça que temos por cá? Não é que estamos habituados à morosidade processual essa sim criminosa? Não é que estamos habituados às guerras do alecrim e da manjerona entre os seus dois representantes de maior relevo, o PRG e o Presidente do STJ?

Não é, ainda, que estamos habituados às promiscuidades entre agentes de coisas e causas que se presumem independentes? Às fraudes desportivas, ao incumprimento dos contratos, às quebras de todos os sacrossantos sigilos que existiam (bem ou mal)? Não é também que estamos habituados às promessas inconcebíveis e irrealizáveis? Não é que, enfim, estamos habituados ao etc. e tal?

Cismo sobre o sismo. E face a todos estes encontrões que no dia-a-dia sofremos e a que nos habituámos, por que bulas, devia eu ter-me dado conta do que aconteceu às 01:37 de quinta-feira?

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Passatempo-relâmpago de 18 Dez 09 - Solução

1300 g
O vencedor tem 24h para escrever para premiosdepassatempos@iol.pt indicando morada e qual dos 3 livros prefere.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Passatempo-relâmpago de 17 Dez 09 - Prémio


O Natal na empresa


Por João Duque

Dois jovens universitários encontraram-se nos bancos da faculdade em Outubro de um ano qualquer.

MIGUEL, ALTO E BELO, dava brilho e vida em tudo o que tocava. António ficava sempre na sombra. Trabalhava muito mais, mas não tinha nem o rasgo nem o brilhantismo do colega.

Nos exames Miguel obtinha sempre notas elevadas, concluindo sempre mais depressa e melhor, os exercícios ou os trabalhos. António só alcançava notas modestas. E mesmo com livros ou materiais iguais aos do Miguel, nunca seria capaz de tanta "categoria" da qual se gabava o Miguel.

Miguel tinha sucesso, tinha dinheiro, tinha namoradas bonitas e era bom aluno. Não tinha muito tempo para olhar em redor, mas isso também não era para ele importante.

Com o passar dos anos mais avançavam no curso e mais se afastavam as médias. Miguel era agora reconhecido pelos professores como um brilhante e promissor economista enquanto António parecia condenado a um lugar intermédio, com sorte, numa empresa estável.

Um dia, porém, Miguel teve uma aflição. Depois de um jogo de ténis em que esmagou o adversário (mais uma vez vencedor), ao entrar no balneário verificou que lhe tinham roubado o saco com o livro de estudo e todos os apontamentos. Os seus apontamentos! E agora? Acima de tudo estava a reputação de aluno brilhante e essa, ele não podia pôr em causa.

Ligou ao António pedindo-lhe ajuda, mas este negou-lha não cedendo nem os apontamentos, nem devolvendo o livro à Biblioteca para Miguel o requisitar. Apesar disso, Miguel tirou mais um 17 e António o 13 do costume.

Acabaram com notas diversas. António mal celebrou, acabrunhado no meio dos colegas, pelo seu desempenho modesto. Miguel era chamado aos palcos. Melhor aluno, mais celebrado e desejado pelas melhores empresas (e raparigas).

Anos mais tarde encontraram-se na mesma empresa onde António trabalhara desde sempre, sendo um antigo director da casa. Miguel, recém-chegado à direcção da firma, preparava-se para ascender rapidamente à administração. António apesar de mediano, sentia que tinha o direito a aspirar ao topo. Casado e com 3 filhos a estudarem, viu a mulher ficar desempregada em resultado da crise. Miguel continuava casado com uma executiva de sucesso, mas de quem não tinha filhos.

Três meses após a entrada de Miguel na empresa, soube-se que a empresa tinha "gorduras" para queimar, comunicando-se a extinção da direcção do António que, amargurado, percebeu que era o seu fim.

Miguel, sempre o mesmo, sentou-se na secretária e escreveu uma carta à administração. Saiu do gabinete, entrou na sala do presidente e depositou-lhe a carta nas mãos: uma carta de renúncia ao cargo. António ficou na empresa e ocupou o lugar do Miguel.

Era Natal de um ano qualquer, numa história que não é verdadeira, é apenas um conto de Natal.

Bom Natal!
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«DE» de 17 Dez 09

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Passatempo-relâmpago de 16 Dez 09 - Soluções


Um prémio e um homem

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Por Baptista-Bastos

O PRÉMIO PESSOA homenageia um homem e o seu trajecto social, artístico e moral. O prémio de 2009 é atribuído a D. Manuel Clemente e não se alarga à instituição a que ele pertence. Mas a possibilidade de se associar a Igreja ao homem será, porventura, abusiva; porém, a hipótese fica em aberto. E, caso D. Manuel Clemente não fosse bispo, o Prémio Pessoa ser-lhe-ia concedido?

De certo modo, o galardoado, pela sua activa e heterodoxa curiosidade intelectual, contraria a cultura de repressão, o arbítrio da verdade única, a cumplicidade com os poderosos de que a Igreja é funesto exemplo. Sem deixar de ser um "deles". A questão reside, quanto a mim, nessa contradição fundamental. De que modo D. Manuel Clemente objecta contra as regras e contraria os postulados da hierarquia, pesada e retrógrada, de que, afinal, faz parte?

Creio que nos limites das alternativas: pisando o risco da liberdade até que as autoridades eclesiásticas e afins digam: basta. Do padre Abel Varzim a D. Manuel Martins, passando por D. António Ferreira Gomes, sem esquecer D. Januário Torgal Ferreira, nem o padre Mário de Oliveira, da Lixa, e frei Bento Domingues (cujos artigos, no Público, incitam-nos a reflectir e a agir) - de uma maneira ou de outra, servindo-se dos processos que a cada um são caros, estes homens, sem negarem os votos, procuraram a assunção de um outro compromisso. É o que neles me interessa.

Conheço Manuel Clemente de um encontro televisivo que teve com José Saramago, na SIC, já lá vão largos anos. Raramente o diálogo entre um marxista e um católico atingiu níveis tão elevados. O então reitor do Seminário dos Olivais rejeitou a tundra intelectual e glosou, com nitidez argumentativa, a natureza religiosa do ateísmo. A mentalidade da época não era propícia a diálogos que comportassem essa espécie de entendimento entre o confessional e o elementar. A verdade humana do cristianismo e do marxismo enjeitava as eternas discriminações, e a conversação dos dois homens abriu um parágrafo (infelizmente logo fechado) no debate sobre o irracionalismo, a injustiça e a ignorância.

Mais tarde, estabeleci correspondência com D. Manuel Clemente que não se considerava refém de coisa alguma, inclusive da fé, mas sim partícipe na procura de uma verdade fugidia. Sabe-se: um homem de Igreja é sempre objecto de juízos opostos. E as injunções anticlericais de uma cultura amiúde unilateral explicam as reservas feitas a quem anda de cabeção. Não alimento preconceitos de nenhuma espécie, muito menos em matéria religiosa. O preconceituoso esconde um racista e um racista oculta um verdugo e dissimula um canalha. O Prémio Pessoa deste ano homenageou um homem cuja virtude maior é a de tentar corrigir-se a si próprio para melhor compreender o que em seu redor ocorre.

«DN» de 16 Dez 09

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Pergunta de algibeira - Solução

Ao soprar como se vê na imagem de cima, o ar acompanha as bordas do funil, desviando-se da chama. Assim, a solução mais simples consiste em inclinar o funil - alinhando uma geratriz do cone com o pavio.
Talvez seja necessário soprar com um pouco de força, mas posso garantir que é verdade, pois experimentei...
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NOTA: Apesar de parecer infantil, este é um problema clássico de Hidráulica (escoamento de fluidos).

Passatempo-relâmpago de 14 Dez 09 - 3ª fase - Solução

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

De Derrida a Darwin

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Por Nuno Crato

ONÉSIMO TEOTÓNIO de Almeida escreveu um dos livros mais interessantes que li nos últimos tempos. Intitula-se De Marx a Darwin e saiu há pouco. Explica como o ponto de vista marxista, dominante numa corrente de intelectuais europeus e norte-americanos de meados do século XX, começou a ser substituído por referências continuadas ao darwinismo. Para muitos intelectuais, e não apenas para biólogos evolucionistas, Darwin tornou-se uma referência maior do pensamento moderno.

Karl Marx (1818–1883) e Charles Darwin (1809–1882) foram contemporâneos. O primeiro foi uma referência marcante da filosofia, economia e política dos séculos XIX e XX; foi um revolucionário consciente e teve pretensões de criar uma doutrina que fornecesse uma visão completa do mundo. O segundo criou uma revolução na biologia; foi contudo um homem pacato, modesto e sem ambições de mudar sequer a sua aldeia. A doutrina de Marx teve os seus dias. E a de Darwin está a ter os seus. Não exactamente por contraposição a Marx, mas sim a uma corrente pós-moderna, influenciada nas intenções e na crítica social pelo marxismo, mas oposta a vários pontos chave da doutrina de Marx.

O pós-modernismo critica as ditas “grandes utopias” — que deverão incluir as marxistas —, rejeita as ditas “grandes narrativas” — que deverão incluir as revolucionárias — e descrê da capacidade de a ciência fornecer algum conhecimento objectivo sobre a realidade — também aqui contraria Marx e Lenine, que acreditavam no “socialismo científico”. Os críticos pós-modernos, como Jacques Derrida, sublinham o aspecto cultural da literatura e da vida, rejeitando a ideia de uma natureza humana ou de algo que possa não ser socialmente construído. Tudo é texto e tudo é impossível de ser finalmente entendido, porque tudo é contraditório. E se isto não se perceber, é porque também é um texto. Percebe-se?!

Psicólogos, paleontólogos e muitos cientistas contemporâneos têm vindo, mesmo que inconscientemente, a pôr em causa estas ideias. Pouco a pouco, tem-se visto que há traços comuns às sociedades e aos homens que não podem ser explicados pela cultura. Matemáticos e biólogos têm aplicado a teoria dos jogos à explicação de muitos traços do comportamento humano. Psicólogos têm descoberto que há conceitos geométricos inerentes ao nosso cérebro. A luta pela sobrevivência e a evolução de milhões de anos moldaram-nos para agirmos de determinada maneira. Em muitos aspectos da vida, a natureza impõe-se à cultura. É a desafronta de Darwin.

Joseph Carroll, Jonathan Gottschall e outros críticos modernos dizem-se partidários de “estudos literários darwinianos”, tentando ver na literatura a descrição do comportamento humano, incluindo o biológico. Há que procurar explicações fora dos textos, sublinham. A teoria literária e os estudos culturais pós-modernos atrofiaram a crítica literária — dizem —, tornaram-na incompreensível e virada para a desconstrução da narrativa, destruindo a apreciação da grande literatura.

David Sloan Wilson, o biólogo que escreveu o recente best-seller “A Evolução para Todos”, onde mostra como o evolucionismo ajuda a explicar muito do nosso comportamento, dos mexericos aos símbolos de poder, dizia que a literatura é uma fonte imensa de informação sobre o comportamento humano, “é a história natural da nossa espécie”. O ano de Darwin está a acabar. A influência cultural de Darwin não.

«Passeio Aleatório» - «Expresso» de 12 Dez 09