Por Nuno Crato
SÁBADO PASSADO, a notícia propagou-se rapidamente na comunidade matemática. Gardner, o fabuloso criador de charadas, o fantástico divulgador da matemática, o incansável crítico da irracionalidade e da crendice, tinha falecido num hospital em Oklahoma, aos 95 anos.
Martin Gardner nascera em 21 do Outubro de 1914 em Tulsa, no mesmo estado onde viria a falecer, e estudou filosofia em Chicago. De volta à sua terra natal trabalhou como jornalista, até que a guerra o levou à volta do mundo ao serviço da marinha. Nas noites livres, começou a escrever histórias fantásticas e, no fim da guerra, colaborou no magazine Esquire, até que os editores se fartaram do seu estilo irreverente. Trabalhou então numa revista para crianças e escreveu o seu primeiro livro, “Fads and Fallacies in the Name of Science” (Modas e Falácias em Nome da Ciência).
Em 1956, escreveu, um pouco por acaso, um artigo para o “Scientific American”. Falava de “hexaflexagones”, construções geométricas com propriedades muito curiosas e que são usualmente representadas em pedaços de papel que se desdobram para revelar faces insuspeitadas. O artigo foi um sucesso e o editor convidou-o a escrever uma coluna sobre curiosidades e jogos matemáticos.
Começou aí uma colaboração que demoraria 25 anos. Mês após mês, as colunas de Martin Gardner surpreendiam cientistas e entretinham curiosos. Revelavam curiosidades matemáticas pouco conhecidas e divulgavam amiúde resultados e problemas lógicos que estavam ainda a ser desenvolvidos por investigadores profissionais. Muitos matemáticos e cientistas encontravam na coluna de Martin Gardner informações sobre temas matemáticos que desconheciam; muitos jovens encontravam aí desafios com que se divertiam; e muitos curiosos aprenderam matemática nessa coluna aparentemente modesta.
O que é espantoso, para além do talento de Gardner para explicar de forma simples problemas intrincados, foi a sua capacidade de produzir, mês após mês, crónicas vivas e complexas, com explicações matemáticas que não continham erros nem falhas. Gardner tornou-se uma autoridade em muitos temas matemáticos e científicos. Surpreendente, para um ensaísta que apenas tinha estudado filosofia na universidade!
A chave do seu sucesso, segundo o próprio afirmava, talvez com exagerada modéstia, foi um misto de ignorância e de trabalho esforçado: “Demorava tanto tempo a perceber aquilo que estava a apresentar, que aprendia a escrever de forma que todos os leitores me podiam compreender”.
Em 1976, Gardner criou, com Carl Sagan , Isac Asimov e outros, o Comité para a Investigação Científica do Paranormal, com que empreendeu um ataque cerrado à pseudo-ciência. O grupo veio a gerar um jornal que ainda hoje existe, o “Skeptical Inquirer”, onde Gardner escreveu até 2002. Os seus últimos escritos foram sobretudo de cariz filosófico, área em que o grande divulgador da matemática se revelou um adversário temível do relativismo e do pós-modernismo.
Ao longo de uma vida extraordinariamente produtiva, Martin Gardner escreveu mais de 70 livros. Alguns deles encontram-se traduzidos em Portugal pela Gradiva. Outros são fáceis de adquirir internacionalmente. Com o seu falecimento desaparece um grande intelectual. Desaparece aquele que Stephen Jay Gould dizia ser “a mais luminosa luz de defesa da racionalidade e da boa ciência”.
«Passeio Aleatório» - «Expresso» de 29 Mai 10