Por Baptista-Bastos
VIVEMOS, HÁ SEMANAS, numa espécie de fervor que, simultaneamente, nos regozija e entorpece. Veio o Papa e enchemos os dias de graciosas solenidades. Andamos a pedir dinheiro emprestado, e a expressão sumptuariamente e devota que expusemos, importou em não se sabe quanto, certamente muitíssimo. Mantivemos o estilo, mas desentendemo-nos da realidade. Pobretes e alegretes. Sua Santidade abençoou-nos com transporte e unção. As televisões, muito pias, aborreceram-nos e fatigaram-nos tanto que nos deixaram depauperados. Horas e horas, dias e dias sem misericórdia nem compaixão. As narrativas dos locutores atingiram o grau máximo da repulsa. Um panegírico absurdo, acrítico, que produziu a tese exemplar de como se não deve fazer televisão.
O festim não parou. Foi a vitória do Benfica; foi a assinatura do contrato entre José Mourinho e o Real Madrid; foram as primícias do Mundial. Tudo minuciosamente filmado, em directo, pelos canais existentes, reconcentrados e vastos, impulsionados pelos magnos acontecimentos. Horas a fio, arbitrárias e agressivas pela imposição sem tréguas, assustadoras pelo que representavam de mau jornalismo, de desrespeito pelo povoléu, cujos gostos julgam lisonjear.
O futebol comporta, em si mesmo, doses substanciais de humanidade. Porém, o excesso não o serve, nem assiste aos adeptos. O excesso doentio de informação, que o não é, beneficia qualquer coisa de pouco asseado, dissimulado num institucionalismo ausente de profundidade e serventuário de outros interesses e objectivos. Estas falsas razões não são novas. As grandes tiranias e as democracias amolgadas utilizam as paixões e as emoções em massa para as manipular. O Estado é uma ferramenta perigosa nas mãos de quem conhece as características da multidão. O pior é a ressaca da euforia. E a debilidade da nossa consistência colectiva é esclarecedora da força que podem adquirir as diversas faces do poder. O jornalismo, este jornalismo, não emerge por acaso, e não está ausente da distinção entre segurança interior e segurança exterior. A inexistência de espírito crítico possui o sabor amargo da servidão.
Nos anos tumultuosos de 1974/75 esteve em Portugal um dos corifeus da antipsiquiatria, David Cooper. Por uma tarde embatente de calor, na Trindade, cervejávamos com ele, na companhia do Afonso Praça e, se bem me lembro, do Rogério Rodrigues, além do António Carmo e do José Carlos Gonzaléz. Ele dizia que o português possuía as particularidades comuns aos seres marcados pela tristeza da abulia. O que não significa um estado de impotência natural. Quando desperta, a cólera transforma-se em fúria e esta numa violência quase sem controlo.
.VIVEMOS, HÁ SEMANAS, numa espécie de fervor que, simultaneamente, nos regozija e entorpece. Veio o Papa e enchemos os dias de graciosas solenidades. Andamos a pedir dinheiro emprestado, e a expressão sumptuariamente e devota que expusemos, importou em não se sabe quanto, certamente muitíssimo. Mantivemos o estilo, mas desentendemo-nos da realidade. Pobretes e alegretes. Sua Santidade abençoou-nos com transporte e unção. As televisões, muito pias, aborreceram-nos e fatigaram-nos tanto que nos deixaram depauperados. Horas e horas, dias e dias sem misericórdia nem compaixão. As narrativas dos locutores atingiram o grau máximo da repulsa. Um panegírico absurdo, acrítico, que produziu a tese exemplar de como se não deve fazer televisão.
O festim não parou. Foi a vitória do Benfica; foi a assinatura do contrato entre José Mourinho e o Real Madrid; foram as primícias do Mundial. Tudo minuciosamente filmado, em directo, pelos canais existentes, reconcentrados e vastos, impulsionados pelos magnos acontecimentos. Horas a fio, arbitrárias e agressivas pela imposição sem tréguas, assustadoras pelo que representavam de mau jornalismo, de desrespeito pelo povoléu, cujos gostos julgam lisonjear.
O futebol comporta, em si mesmo, doses substanciais de humanidade. Porém, o excesso não o serve, nem assiste aos adeptos. O excesso doentio de informação, que o não é, beneficia qualquer coisa de pouco asseado, dissimulado num institucionalismo ausente de profundidade e serventuário de outros interesses e objectivos. Estas falsas razões não são novas. As grandes tiranias e as democracias amolgadas utilizam as paixões e as emoções em massa para as manipular. O Estado é uma ferramenta perigosa nas mãos de quem conhece as características da multidão. O pior é a ressaca da euforia. E a debilidade da nossa consistência colectiva é esclarecedora da força que podem adquirir as diversas faces do poder. O jornalismo, este jornalismo, não emerge por acaso, e não está ausente da distinção entre segurança interior e segurança exterior. A inexistência de espírito crítico possui o sabor amargo da servidão.
Nos anos tumultuosos de 1974/75 esteve em Portugal um dos corifeus da antipsiquiatria, David Cooper. Por uma tarde embatente de calor, na Trindade, cervejávamos com ele, na companhia do Afonso Praça e, se bem me lembro, do Rogério Rodrigues, além do António Carmo e do José Carlos Gonzaléz. Ele dizia que o português possuía as particularidades comuns aos seres marcados pela tristeza da abulia. O que não significa um estado de impotência natural. Quando desperta, a cólera transforma-se em fúria e esta numa violência quase sem controlo.
«DN» de 9 Jun 10