segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Cientistas cidadãos

.
Por Nuno Crato

UM CASAL NORTE-AMERICANO da pacata cidade de Ames, Iowa, e um alemão que trabalha na universidade Mainz acabam de descobrir uma nova estrela de neutrões. A descoberta tem alguma importância pois essa estrela, um pulsar, tem características pouco comuns. No entanto, nenhum dos três descobridores é astrónomo. Nenhum deles é sequer cientista. O casal norte-americano, Chris e Helen Colvin, trabalha em tecnologias da informação e o alemão, Daniel Gebhardt, é analista de sistemas. O que os três têm em comum é terem computadores à sua disposição e terem aderido a um programa de computação partilhada em que se inscreveram 250 mil voluntários de 192 países.

Esse programa, Einstein@home (Einstein em casa), é organizado pela Universidade de Wisconsin, em Milwaukee, e pelo Instituto Max Plank, em Hanover. Desde 2005 que tem analisado dados recolhidos pelo observatório LIGO e, a partir de 2009, também pelo Radiotelescópio de Arecibo. Os voluntários limitam-se a doar tempo de computação do seu PC, que vai fazendo cálculos enquanto está em repouso de outras tarefas.

Os dados enviados aos voluntários são sinais de ondas hertzianas provenientes de várias áreas do céu. Para descobrir um pulsar, que é uma estrela de neutrões que roda sobre si própria lançando para o espaço feixes de ondas, é preciso analisar os sinais rádio recolhidos ao longo dos dias e verificar se, em algum ponto do céu, há sinais que se repetem com regularidade. Esta estrela roda sobre si própria 41 vezes por segundo, um feito que custa a visualizar mas que é relativamente comum no universo. É raro que uma estrela que rode a esta velocidade esteja sozinha no espaço, como é o caso da agora descoberta. Habitualmente, encontram-se estrelas duplas. Os astrónomos especulam que se possa tratar de um pulsar com um campo magnético muito mais fraco que o usual. O estudo continuado da estrela pode dar novos dados sobre a formação desses estranhos objectos do cosmos.

Chegar a esta descoberta parece simples: basta analisar os sinais vindos de aquele ponto determinado do espaço. O que acontece é que há tantos dados e provenientes de tantos pontos do espaço que é necessário um poder de computação gigantesco para os analisar. Daí o interesse da computação partilhada, com muitos milhares de voluntários do mundo inteiro.
Esta situação é completamente nova e só surgiu nos finais do século XX. Até então, as dificuldades da pesquisa científica resultavam, em grande parte, da falta de dados. Galileu descobriu os satélites de Júpiter com meia dúzia de observações. E o primeiro asteróide foi descoberto apenas com 16 registos, daí a grande dificuldade que em seguida se teve para o voltar a localizar no céu. Hoje, tudo mudou.

Hoje, se o leitor quiser também descobrir um pulsar ou colocar o seu computador ao serviço da ciência, basta-lhe ir ao sítio boinc.berkeley.edu e descarregar o programa apropriado. Pode contribuir para cálculos sobre o clima, pode tentar descobrir sinais inteligentes extra-terrestres, e pode encontrar uma estrela de neutrões. Também pode acontecer — e é o mais provável — que coloque a sua máquina a mastigar dados sem fim sem nunca ouvir o grito de “eureka”. Mas terá a compensação de saber que, enquanto o seu computador ocupa assim o tempo, outros evitarão estudar os mesmos dados e terão, portanto, tempo para fazer alguma descoberta. No fundo, o leitor também contribui para a ciência. E fica com um bonito “savescreen”.

«Passeio Aleatório» - «Expresso» de 21 Ago 10